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A reforma tributária e os prejuízos ao setor de serviços - A nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) afetará o ramo dos serviços?

A CBS pode melhorar o ambiente de negócios nacional, desde que o Congresso Nacional efetive algumas melhorias na sua regulamentação e no sistema tributário, fazendo com que a simplificação da tributação sobre o consumo no âmbito federal possa se compatibilizar com a realidade mercadológica desse ramo específico da economia brasileira.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Atualizado às 08:56

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Este artigo tem por foco analisar os impactos do projeto de lei 3.887/20, oriundo do Poder Executivo Federal, no setor de serviços.

A elevada complexidade da legislação do PIS/Cofins e a necessidade de adequação da tributação sobre o consumo às práticas internacionais modernas, com a implantação da taxação sobre o valor adicionado, impulsionaram a proposta de reformulação dessas contribuições, segundo reconhecido pelo Ministério da Economia na Exposição de Motivos (EM) 274/20.

Conforme os art. 1º, 8º e 9º da proposta, pretende-se a criação da CBS, que unificará e substituirá o PIS e a Cofins, com uma incidência unicamente não cumulativa e uma alíquota geral de 12% (doze por cento) sobre a receita bruta, extinguindo-se o sistema cumulativo e os percentuais atuais de 3,65% (três inteiros e sessenta e cinco décimos por cento) e 9,25% (nove inteiros e vinte e cinco décimos por cento).

A maior parte das empresas do setor de serviços adota a tributação cumulativa do PIS/Cofins, com uma alíquota de 3,65% (três inteiros e sessenta e cinco décimos por cento), ao invés da 9,25% (nove inteiros e vinte e cinco décimos por cento) do sistema não cumulativo, já que possuem poucos créditos tributários a serem compensado na cadeia produtiva, sendo mais racional que optem pelo menor percentual.

Por outro lado, as indústrias optam pelo regime não cumulativo, com a alíquota maior de 9,25%  (nove inteiros e vinte e cinco décimos por cento), pois detém uma maior quantidade de créditos a serem abatidos durante a produção, reduzindo a carga tributária final do setor1.

Destaque-se que o projeto possui pontos positivos e negativos, que precisam ser explicitados, para que se conclua sobre a conveniência da sua aprovação para a sociedade brasileira.

A justificativa da alíquota uniforme de 12% (doze por cento) para os diversos ramos da economia decorreu de uma recomendação do Fundo Monetário Internacional na Nota Final de Assistência Técnica à reforma da Contribuição para o PIS/PASEP e da Cofins, fundamentada nas melhores práticas internacionais sobre a tributação do valor adicionado, conforme motivação do Ministério da Economia (EM 274/20).

A ideia da incidência do tributo "por fora" e da neutralidade ampla são pontos elogiados pela doutrina especializada, conforme opiniões de Tathiane Piscitelli e Karem Dias2. Nesse sentido, o art. 7º, parágrafo único da proposta determina que os valores do: ICMS, ISSQN, descontos incondicionais e da própria CBS, desde que destacados no documento fiscal, não integrarão a base de cálculo da contribuição.

Quanto à neutralidade ampla, o art. 9º do projeto prevê que o contribuinte poderá se creditar do valor correspondente ao CBS cobrado na etapa anterior, devidamente destacado em documento fiscal idôneo relativo à aquisição de bens e serviços.

Tal sistemática possibilitará a efetivação da tributação apenas sobre o valor efetivamente agregado na operação econômica seguinte, já que a legislação autorizaria o abatimento do montante integralmente cobrado na etapa anterior.

Há quem ainda argumente que o setor de serviços possui uma subtributação, já que a alíquota aplicada ao ramo seria bem inferior àquela existente para as indústrias, e que a CBS corrigiria uma distorção do sistema, conforme citado pelas professoras Piscitelli e Dias.

Por outro lado, a modificação impactará imediatamente as empresas médias de serviços, enquadradas no regime do lucro presumido, pois os seus preços relativos serão diretamente atingidos, já que o aumento da carga tributária de 3,65% (três inteiros e sessenta e cinco décimos por cento) para 12% (doze por cento) será repassada ao consumidor final, influenciando na demanda e prejudicando serviços essenciais como saúde, educação, telecomunicação e outros.

Ainda segundo Piscitelli e Dias, a modificação quanto à neutralidade não seria capaz de compensar o aumento a ser implementado para as empresas de serviços, posto que a eficácia deste instituto está atrelada à menor utilização de mão de obra individual, já que este insumo é intensamente tributado no Brasil, a uma carga de 20% (vinte por cento) da contribuição sobre a folha, e não é possível o aproveitamento do gasto como crédito, nos termos do art. 3º, p. 2º, da lei federal 10.833/03.

José Maria Arruda de Andrade3 menciona também que a implementação da tributação "por fora", com a exclusão da base de cálculo da CBS de tributos como IPI, ICMS e ISS, não seria suficiente para compensar o aumento tributário aqui debatido, já que uma alíquota de 9,25% "por dentro" corresponde a 10,19% "por fora", enquanto que 3,65% equivaleria a 3,79% "por fora", motivo pelo qual ainda haveria sim prejuízos ao setor de serviços.

Vanessa Canado, assessora especial do Ministério da Economia, defende que essas empresas serão na verdade beneficiadas, posto que a não cumulatividade e a neutralidade amplas  permitirão o creditamento de mais gastos, de modo a não ser razoável a comparação singela entre a alíquota atual de 3,65% (três inteiros e sessenta e cinco décimos por cento) na última etapa e a sugerida de 12% (doze por cento), já que no atual modelo cumulativo não se paga somente o percentual de 3,65%, pois despesas como PIS/Cofins no computador adquirido, no aluguel pago, na compra de material de escritório, dentre outros, não podem atualmente ser creditadas e impactam no preço final do serviço.

O debate é profícuo e possui argumentos fortes para ambos os lados, sendo fato que a atual complexidade existente em torno do PIS/Cofins provoca insegurança jurídica, gastos de conformidade e um acentuado contencioso administrativo e judicial, devendo a legislação ser mesmo atualizada e simplificada.

Também é verdadeiro que o impacto nos preços relativos de serviços essenciais como saúde, telecomunicações, educação, streaming, dentre outros, atingirá a classe média e a população menos abastarda, prejudicando a capacidade contributiva do sistema e acarretando regressividade.

O Congresso Nacional, todavia, deve aperfeiçoar o projeto, adequando o parâmetro mundial de tributação sobre o valor adicionado, com alíquota única, à realidade nacional, sugerindo-se, para os contribuintes que adotam o regime do lucro presumido, por exemplo, uma diminuição temporária da presunção de 32% (trinta e dois por cento)4 da base de cálculo prevista no art. 592, III, "a", do decreto 9.580/18, mitigando-se os efeitos do aumento da alíquota da CBS para o setor de serviços, até que o mercado possa se adaptar com os novos preços a serem ofertados aos consumidores.

É importante também que se promova a desoneração da folha de pagamentos, excluindo-se os custos incidentes, inclusive os 20% (vinte por cento) relacionados com a Contribuição Previdenciária Patronal, diminuindo os ônus sobre o principal insumos do setor, possibilitando um barateamento do preço final, ou que se faculte que os gastos tributários relacionados com a folha sejam considerados como créditos para a promoção da não cumulatividade da CBS.

Outra alternativa interessante foi sugerida pelos representantes das empresas de serviços5, com a mitigação da ideia de alíquota única da CBS, com a apresentação de três faixas percentuais diferentes: 6%, 11% e uma terceira entre 13% e 14%.

O primeiro percentual se aplicaria para as empresas que são tributadas com base no sistema cumulativo, que incluem as do lucro presumido, bem como as de setores específicos como saúde, educação, telecomunicações.

Uma outra faixa de 11% (onze por cento) foi sugerida para as empresas do lucro real, que são tributadas pelo ISS. Na última faixa de 13 a 14%, incluiriamse as corporações que se enquadrassem no lucro real e fossem taxadas pelo ICMS.

Ainda no sentido da desoneração, é conveniente a extinção das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), como a FUST e FUNTTEL, que oneram em 1% e 0,5% a receita operacional bruta das empresas de telecomunicações.

Portanto, com base nessas considerações, entende-se que a CBS pode melhorar o ambiente de negócios nacional, desde que o Congresso Nacional efetive algumas melhorias na sua regulamentação e no sistema tributário, fazendo com que a simplificação da tributação sobre o consumo no âmbito federal possa se compatibilizar com a realidade mercadológica desse ramo específico da economia brasileira.

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1 Disponível em: clique aqui. Acesso em 18 ago. 2020.

2 Disponível em: clique aqui. Acesso em 17 ago. 2020.

3 Preocupações econômicas com a proposta federal de reforma tributária. Acesso em 18 ago. 2020.

4 Disponível em: clique aqui. Acesso em 18 ago. 2020.

5 Disponível em: clique aqui. Acesso em 18 ago. 2020.

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*Saulo Gonçalves Santos é mestre em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Procurador do Município de Caucaia/CE. Advogado. Conselheiro do Contencioso Administrativo Tributário do Ceará (CONAT/CE). Ex-juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ/CE).

*Vicente Martins Prata Braga é mestre em Direito pela UNIFOR. Doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Advogado. Procurador do Estado do Ceará. Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Estado e do Distrito Federal (ANAPE).

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