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A pejotização nas relações de trabalho

Os elementos caracterizadores da relação empregatícia estão presentes nos seguintes requisitos: pessoalidade, subordinação, onerosidade, habitualidade ou não eventualidade.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Atualizado às 08:29

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A pejotização provém de uma fraude com o fim de que o empregado constitua uma pessoa jurídica com o intuito de mascarar uma típica relação de emprego. As características de uma relação empregatícia estão presentes nos artigos 2º e 3º da CLT como forma de mostrar, principalmente, que a subordinação é o que mais interessa na relação jurídica e ganha a observância do direito do trabalho, visto que no contrato de trabalho este elemento não se faz presente.

A união de vontades faz nascer um contrato de trabalho envolvendo o empregado e o empregador, tornando-se uma relação de emprego quando se trata de um contrato de trabalho subordinado.

O contrato de trabalho é um negócio jurídico que requer o seguinte: agente capaz, objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei. No Direito do Trabalho a forma é livre. Não há dúvidas de que, sem contrato de trabalho, verifica-se a stricto sensu, não há relação de emprego. O contrato é que dá origem a relação empregatícia.

A prestação de trabalho pode manifestar-se através de uma obrigação de fazer pessoal, porém sem subordinação (trabalhador autônomo); tal qual uma obrigação de fazer sem pessoalidade, nem subordinação (ainda trabalhador autônomo); tal qual uma relação de fazer pessoal e subordinada, mas espaçada e ocasional (trabalho eventual). Nesses casos, não se configura uma relação de emprego, um contrato de emprego. Esses casos, portanto, consolidam relações jurídicas que não se encontram, em princípio, sob a proteção da legislação trabalhista.

Os elementos caracterizadores da relação empregatícia estão presentes nos seguintes requisitos: pessoalidade, subordinação, onerosidade, habitualidade ou não eventualidade.

A subordinação está presente na relação de emprego, seja porque ela decorre de lei (arts. 2º e 3º da CLT), seja porque cabe ao empregador dirigir a prestação de serviços e, portanto, o contrato. O trabalho à distância (teletrabalho) não descaracteriza a subordinação, assim como a recusa do empregado em aceitar o serviço, no caso, por exemplo, de contrato intermitente. A subordinação é, para grande parte dos doutrinadores, o primordial e o indispensável para caracterizar a relação de emprego.

A função social do contrato representa, de certo modo, austeridade à liberdade contratual, que somente poderá ser cumprida quando apresentar uma função social; ou, exposto de outro modo, não poderá acometer valores sociais da coletividade. Aliás, serve de critério para o significado de abuso de direito, que está definido como sendo o exercício de um direito de forma a exceder os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (artigo 187 do Código Civil).

O Direito do Trabalho, mais do qualquer outra esfera da ciência jurídica, sofre influência direta das mudanças e transformações aferidas no campo econômico, social e político

A flexibilização é um processo de quebra da rigidez das normas, tendo por objetivo, segundo seus defensores, conciliar a fonte autônoma com a fonte heterônoma do Direito do Trabalho, preservando, com isso, a saúde da empresa e a continuidade do emprego. Esse processo é ao mesmo tempo conflitante e harmônico.

Conflitantes porque o interesse do empresário não é o mesmo do trabalhador. O empregado quer ganhar mais e ter melhoria de sua condição de trabalho. O empresário quer pagar menos para ter maior lucro ou para manter o negócio saudável.

Não se pode confundir flexibilização com desregularização. Não se pode permitir a desregularização das relações trabalhistas. Isso seria sim uma involução, porém, não se pode afrontar a realidade atual das relações trabalhistas e a extrema necessidade de flexibilizar para atenuar as regras e adaptação da veracidade em que a sociedade comporta. Nesse ínterim, flexibilizar a CLT não significa deixar de acobertar a parte mais vulnerável da relação jurídica, mas sim protegê-los de forma a também estimular a classe dos empregadores, pois são esses que favorecem o crescimento da economia mediante a geração de empregos.

A pejotização é o fenômeno ao qual a finalidade é disfarçar a caracterização da relação trabalhista. O trabalhador que verifica-se nesta condição, para que seja contratado da empresa, é forçado a constituir uma pessoa jurídica que irá dedicar os serviços ao empregador, porém, afastando-se do universo de proteção do Direito do Trabalho.

Como forma de persuadir o prestador, o tomador promete conceder um bom aumento no valor da remuneração devido à redução de custos e pagamento de impostos. Porém, apesar do aumento da verba parecer vantajoso ao prestador, na verdade ele não estará protegido pela legislação trabalhista, englobando o direito a diversos benefícios exclusivos do obreiro, como, por exemplo, horas extras, décimo terceiro salário, dentre outros.

As empresas para se utilizarem da dissimulação da pejotização se apoiam no artigo 129 da lei 11.196/05, o qual onde nos apresenta que quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços intelectuais, em caráter personalíssimo ou não, para fins previdenciários e fiscais, estarão sujeitos unicamente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no artigo 50 da lei 10.406/02 - Código Civil.

Não obstante, a interpretação da norma é realizada de forma incorreta, visto que o uso da pessoa jurídica só poderá acontecer perante a prestação de serviço eventual e/ou sem subordinação. Logo, a legislação trabalhista não estaria sendo ludibriada, uma vez que tal relação idealiza um característico contrato de prestação de serviço. Com o alcance desta fraude, verificamos o dano ao empregado no tocante à proteção e benefícios que teriam de obtê-los, ademais fazer parte de um feito ilícito.

No que concerne ao empregador, as consequências, a partida, vem aos olhos de "benefício", tendo em vista que burlando a legislação, obterá uma redução dos custos resultantes do amparo de uma relação de emprego. Porém, advindo de uma fraude, sendo que descoberta, ocasionará em diversos prejuízos à pessoa do próprio empregador. Nos mostra o artigo 9º da CLT: "Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação."    

O Juiz do Trabalho ao apontar a conduta fraudulenta, que resulta na nulidade do irregular contrato de prestação de serviços firmado e, finalmente, da pessoa jurídica daquele que é, em verdade, um empregado; a declaração da existência de vínculo empregatício entre as partes envolvidas, determinando que seja assinada a CTPS do funcionário, a fim de constar os dados relativos à contratação e execução daquele contrato de trabalho, e determinando, ainda, a consequente condenação do empregador a todas as verbas trabalhistas típicas e demais obrigações provenientes do reconhecimento do vínculo. O funcionário não pode ser coagido ou obrigado a constituir pessoa jurídica como condição de contratação.

A pejotização contribui também a uma ofensa à Previdência Social. Transformando os empregados em pessoas jurídicas traz um prejuízo imenso aos cofres públicos. São bilhões que se dissipam, diante dos olhos das autoridades.

Questionada a norma que transforma profissionais de estética em pessoas jurídicas, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (Contratuh) ajuizou um pedido de liminar junto ao Supremo Tribunal Federal através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 5.625) contra a lei 13.352/16. A norma dispõe sobre o contrato de parceria entre profissionais que exercem as atividades de cabeleireiro, barbeiro, esteticista, manicure, pedicure, depilador, maquiador, e pessoas jurídicas registradas como salão de beleza. Segundo a entidade, a lei 13.352/16, conhecida como salão- parceiro, foi criada com o intuito de possibilitar a contratação de profissionais de beleza na forma de pessoa jurídica, alterando a norma - lei 12.592/12 - que regulamentou as categorias profissionais da área de beleza, criando, ainda a base de tributação do "salão parceiro" e do "profissional parceiro". Tal alteração, de acordo com a Contratuh, "precariza" o trabalho no setor de embelezamento ao possibilitar a denominada "pejotização", uma vez que promove prejuízos aos trabalhadores dessas categorias profissionais que não terão mais o direito de receber verbas trabalhistas decorrentes da relação de emprego.

A confederação alega que a lei questionada qualifica os profissionais de beleza como pequenos empresários, microempresários ou microempreendedores individuais. "A finalidade da nova legislação é viabilizar a contratação de profissionais na forma de pessoa jurídica, mesmo com a existência dos elementos caracterizadores da relação de emprego, sendo que estabelecimentos e profissionais substituem a relação emprego prevista na legislação trabalhista por uma "pseudo-parceria", passando a se denominarem salão-parceiro", explica, ao acrescentar que o parágrafo 11, do artigo 1º - A, prevê que o profissional-parceiro não terá relação de emprego ou de sociedade com o salão, enquanto perdurar a relação de parceria tratada na lei.

Para a entidade, a legislação atacada contraria a Constituição Federal e normas internacionais do trabalho ratificadas pelo Brasil ao promover "notório retrocesso social", tendo em vista que a transformação dos profissionais e pessoas jurídicas tem o objetivo de burlar os direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a exemplo do 13º salário, horas extras, intervalos, férias e um terço de férias. Segundo a confederação, a norma reduz a proteção social e possibilita a precarização do trabalho, violando a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho (artigos 1º, inciso III, e IV, e 170, da CF). Além disso, a Contratuh sustenta que a nova lei permite que em um mesmo estabelecimento "encontre-se trabalhadores em situações profissionais idênticas de pessoalidade, subordinação e habitualidade, porém, recebendo tratamento legal diferente". A instituição explica que em um salão pode haver um profissional empregado e sujeito à proteção legal e social da CLT, bem como outro profissional, chamado de "profissional-parceiro", o qual, embora submetido às mesmas condições de trabalho, não possuirá a mesma proteção, nem a mesma remuneração pelos serviços executados. "Tal circunstância ocasiona violação direta e frontal do princípio da igualdade, norma esta inserta no artigo 5º, caput, da Constituição Federal", argumenta.

A confederação ressalta que a relação de emprego possuiu status constitucional (artigo 7º, inciso I, CF) e o contrato de trabalho deve cumprir sua função social (artigo 5º, inciso XXIII, 170, inciso III e 173, parágrafo 1º da CF). Segundo ela, tais princípios constitucionais também estão desrespeitados pela lei 13.352/16. Com isso, a Contratuh pede a concessão da liminar para suspender a norma questionada, até a decisão final da matéria pelo STF e, no mérito, solicita a procedência da ADIn afim de que seja declarada a inconstitucionalidade da lei 13.352/16. O ministro Edson Fachin é o relator da ADIn. No dia 5/6/20 foi dado início ao julgamento virtual.

Justamente no tocante a desregularização, observamos que o fenômeno da pejotização vem se tornando cada vez mais frequente como uma fraude às relações de trabalho, um trabalhador travestido de pessoa jurídica posto para a prestação de serviços, porém presentes os elementos caracterizadores da relação de emprego. Como se avaliou neste trabalho, para anular esse "contrato" aplica-se o artigo 9º da CLT, onde é nulo de pleno direito os atos que fraudarem a relação de emprego, tendo-se o vínculo empregatício reconhecido. Há de se concluir também que a pejotização frauda os cofres públicos ao lhe causar prejuízos enormes com a sonegação, como vem reconhecendo a Justiça do Trabalho.

Por término, para atenuar a incidência da pejotização nos contratos de trabalho, concluiu-se que é preciso encontrar um equilíbrio cercado por direitos e deveres para as duas partes, empregado e empregador, posto que a CLT resguarda em sua grande maioria os empregados, exigindo uma condição que por muitas vezes desmotiva os empregadores às contratações, abertura de empresas e geração de empregos.

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______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADIn 5625. Relator :Ministro Edson Fachin. Disponível clicando aqui Acesso em: 19.ago.2020.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho: de acordo com a reforma trabalhista. 16.ed. São Paulo: Método, 2018.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 11.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

MARCONDES, Fernanda Marchi; AKIAMA, Isabella Naomi. O fenômeno de pejotização e suas consequências nas relações de emprego. Disponível clicando aqui. Acesso em: 19.ago.2020.

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t*Alessandra Ramos Espinelli é advogada Trabalhista no Rio de Janeiro.






t*Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

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