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A possibilidade de ofício às Fintechs para o bloqueio de ativos e satisfação de crédito

Não sendo alcançadas pelas pesquisas via Bacenjud (Sisbajud), é possível requerer que se oficiem as Fintechs para a pesquisa de ativos

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Atualizado às 08:01

tImagem: Arte Migalhas

As Fintechs (abreviação de financial technology) são empresas ou startups que ofertam produtos e serviços financeiros, exclusivamente por meio digital, sendo esta a sua principal particularidade em comparação às tradicionais instituições financeiras.

Conforme os dados divulgados pelo Distrito Fintech Brasil - Report 20201, observa-se o elevado crescimento de negócios inovadores no mercado financeiro. Em 2020, as Fintechs somaram 742 empresas no Brasil, representando um aumento de 34% em comparação com 2019.

Não obstante a relevância que as Fintechs vêm conquistando, elas ainda não integram a base de pesquisa do Bacenjud, atual Sisbajud, sistema eletrônico do Banco Central por meio do qual o Poder Judiciário efetua pesquisas e bloqueios em instituições financeiras.

Ou seja, eventuais ativos financeiros de devedores depositados em Fintechs estariam a salvo da pesquisa tradicional de dificultando, portanto, a satisfação dos créditos daqueles que buscam o Judiciário. 

Diante desse cenário surge a possibilidade de que os credores requeiram em Juízo a expedição de ofício às Fintechs, para que informem a existência de recursos financeiros em nome dos devedores, procedendo ao bloqueio e depósito judicial dessas quantias.

Nesse sentido, inclusive, já decidiu o TJDFT no AI 0721321-83.20202, na qual se decidiu que o fato de as Fintechs não constarem na base de busca do BacenJud não deve obstar a devida satisfação da dívida ao credor, sob pena de se beneficiar os devedores com uma "manobra" para se eximir ao pagamento de suas obrigações. 

Da mesma forma já decidiu o TJSP, valendo citar o AI 2282830-44.20193, onde se concluiu que a Res. 4.656 e o Comunicado 31.506/17 do Banco Central admitem a busca de ativos financeiros por outros meios quando estes não estiverem acessíveis ao sistema Bacenjud.

A solicitação de ofício judicial se dá porque o sigilo fiscal que protege o banco de dados das Fintechs impossibilita o acesso às informações financeiras dos devedores diretamente pelos credores.

Foi o que decidiu o TJDFT em outro caso (AI 0719993-21.2020)4, ao afirmar que a proteção do sigilo bancário e a impossibilidade da diligência privada dos credores autoriza a consulta das informações contidas nas instituições financeira digitais mediante requisição judicial. 

Importante destacar que, conforme afirmado pelo TJSP no AI 2015733-74.20205, essa iniciativa se insere nas incumbências dos magistrados, conforme previsto no inciso IV do artigo 139, do NCPC6

Defendemos, portanto, a plena possibilidade de que os credores busquem o amparo judicial para pesquisa de ativos financeiros junto às Fintechs, considerando a nova realidade do avanço tecnológico dos serviços financeiros.

A sociedade e as relações sociais estão se modificando acelerada e constantemente. Dessa forma, é imprescindível a adaptação dos órgãos estatais aos novos agentes e tecnologias do mercado, principalmente para fins de soluções judiciais céleres, justas, adequadas e razoáveis. 

As atuais ferramentas disponíveis, mais do que nunca, possibilitam a efetividade dos princípios da celeridade e economia processuais. E caso tais ferramentas se mostrem desatualizadas, cabe ao Poder Judiciário suprir essa lacuna, permitindo a efetiva resolução de conflitos. 

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1 DISTRITO. FinTech Report 2020. São Paulo: Distrito, abr. 2020. 1 pdf. Disponível clicando aqui. Acesso em: 1º de out. de 2020.

2 TJDFT, Acórdão 1278542, Agravo de Instrumento 0721321-83.2020.8.07.0000, relator: Gilberto Pereira de Oliveira, 3ª turma Cível, data de julgamento: 26/8/20, publicado no PJe: 4/9/20 .

3 TJSP, Agravo de Instrumento 2282830-44.2019.8.26.0000; Relator: Salles Vieira; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII - Tatuapé - 3ª vara Cível; data do julgamento: 30/05/2020; data de registro: 30/5/20.

4 TJDFT, Acórdão 1273528, Agravo de Instrumento 0719993-21.2020.8.07.0000, relator: Romulo de Araujo Mendes, 1ª turma Cível, data de julgamento: 12/8/20, publicado no PJe: 24/8/20.

5 TJSP, Agravo de Instrumento 2015733-74.2020.8.26.0000, relator: Hélio Nogueira; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jacareí - 3ª. vara Cível; data do julgamento: 19/5/20; data de registro: 19/5/20.

6 Art. 139, IV, CPC: O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

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*Rafael Sasse Lobato é advogado do Petrarca Advogados.

*Nathália de Assis Siqueira é colaboradora do Petrarca Advogados.

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