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Mesmo com edição de lei, complemento do ICMS-ST é questionável

A sistemática da substituição tributária foi criada em busca de aumentar eficiência na arrecadação e de trazer praticidade para a cobrança do imposto por meio da concentração do recolhimento.

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Atualizado às 08:32

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O artigo 24 da lei 17.293/20, publicada no dia 16/10/20, alterou a lei 6.374/89 (Lei do ICMS/SP), incluindo em seu texto o artigo 66-H, que passou a prever a exigência do complemento do ICMS-ST nos casos em que o valor da operação ou prestação final for maior que a base de cálculo da retenção.

A inclusão, só agora em outubro, da exigência da complementação do imposto na Lei do ICMS/SP explicita a inexistência de lei no Estado que respaldasse tal exigência até o momento, ainda que os contribuintes paulistas estejam sujeitos ao desconto/cobrança da complementação do imposto em seus pedidos de restituição desde 22/5/18, com a publicação da portaria CAT 42/18.

Tal fato, por si só, mostra o desacerto do Parecer da Procuradoria de Assuntos Tributários 23, de 22/11/18, utilizado para embasar a complementação do ICMS-ST até o momento no Estado de São Paulo, sob o argumento de que tal exigência estaria prevista no artigo 66-C da Lei do ICMS/SP, que trata da responsabilidade tributária do contribuinte substituído.

Assim, contribuintes que estiveram sujeitos às exigências da complementação do imposto ou do desconto do complemento quando da apresentação de pedidos de restituição nesse período têm fortes argumentos para contestar tais cobranças e/ou buscar a restituição de valores pagos de forma indevida ante a ausência de prévia previsão legal.

Não obstante essa nova regra, ainda nos parece que existem bons argumentos para o questionamento da exigência. Segundo o entendimento dos representantes fazendários, a exigência do complemento do ICMS-ST ou a vinculação do direito à restituição à complementação do imposto decorreria da interpretação da decisão do STF no RE 593.849/MG. Em resumo, o argumento dos fiscos estaduais consiste na afirmação de que se há direito dos contribuintes à restituição do imposto pago a maior, como definido pelo STF, haveria direito do fisco à complementação do imposto pago a menor.

Contudo, não existem evidências de que a complementação do ICMS-ST teria sido autorizada pelo STF. Quanto ao racional da decisão do STF, muito embora a possibilidade de se complementar o ICMS-ST eventualmente pago a menor tenha sido discutida por parte dos Ministros ao longo do julgamento, não há qualquer menção na ementa do julgado, no dispositivo do voto vencedor e na tese fixada pelo Tribunal sobre a procedência dessa exigência.

O ministro relator Edson Fachin foi categórico ao afirmar que tal matéria não foi objeto de discussão no leading case na decisão que rejeitou os Embargos de Declaração opostos pela procuradoria fazendária no RE 593.849/MG, recurso no qual foi especificamente requerido o reconhecimento do direito do fisco ao complemento do imposto, como se observa abaixo, nos seguintes trechos da decisão:

"(...) 5. Não há omissão na súmula da decisão, por não abarcar os casos em que a base presumida é menor do que a base real, porquanto se trata de inovação processual posterior ao julgamento, não requerida ou aventada no curso do processo. (...)

A respeito da necessidade de ampliação da tese de julgamento fixada ao Tema 201 da sistemática da repercussão geral, de maneira a abarcar aqueles casos em que a base presumida é menor do que a base real, não prospera a alegação de omissão da decisão recorrida, porquanto se trata de inovação processual posterior ao julgamento, não requerida ou aventada no curso deste processo (...)"1

Ainda quanto ao racional do julgado, o voto do ministro relator e a própria ementa da decisão proferida no leading case ressaltam que com tal julgado ocorre revogação parcial de precedente, uma vez que, no passado, nos autos da ADIn 1.851/AL, o STF havia definido que o ICMS-ST seria definitivo, não havendo que se falar em restituição. Assim, é possível afirmar que o caráter definitivo da sistemática da substituição tributária do ICMS ainda é válido para todas as outras situações que não aquela enfrentada no RE 593.849/MG, em que se analisou apenas o direito à restituição.

Necessário ressaltar que a decisão do STF foi tomada com base no parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição Federal e no artigo 10 da lei complementar 87/96, dispositivos esses que estabelecem tão somente a possibilidade da restituição, não prevendo, em nenhum momento, qualquer tipo de complementação do ICMS-ST. Verifica-se, assim, a total ausência de previsão no texto constitucional e no texto da lei complementar do ICMS para a exigência do complemento, o que faz com que qualquer lei estadual que preveja tal exigência possa ser contestada pelos contribuintes.

Como visto acima, os representantes das Fazendas Estaduais afirmam que a complementação decorreria da aplicação do princípio da isonomia, com base no simples entendimento de que se o contribuinte tem direito à restituição, o fisco teria direito também à complementação. Porém, uma análise contextual um pouco mais específica - levando em consideração premissas relacionadas à sistemática da substituição tributária do ICMS - desqualifica a alegação de que a complementação promoveria a igualdade.

Isso porque a sistemática da substituição tributária foi criada em busca de aumentar eficiência na arrecadação e de trazer praticidade para a cobrança do imposto por meio da concentração do recolhimento. Em tal sistemática, o Fisco impõe os preços presumidos e os contribuintes não têm outra opção que não seja aceitá-los. Trata-se, portanto, de uma sistemática voltada para atender precipuamente aos interesses fazendários.

A instituição da substituição tributária em si mesmo fere qualquer noção de igualdade e justiça tributária ao se fundar em fatos geradores presumidos. O reconhecimento do direito à restituição do imposto estabelecido pelo STF não cria uma injustiça, nem uma situação de enriquecimento ilícito, visto que a Constituição e a lei preveem apenas a restituição. Pelo contrário, esse direito serve para equalizar uma relação que visa proeminentemente a atender aos anseios da Administração Tributária. A ausência de qualquer previsão na Constituição Federal e na lei complementar sobre a complementação do imposto ao Fisco não decorre de um esquecimento dos legisladores. Qualquer previsão nesse sentido voltaria a desequilibrar a relação entre fisco e contribuinte

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1 BRASIL. STF. RE 593.849/MG, Relator Min. Edson Fachin, Brasília, p. 2, 12-13, em 8/11/17.

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 *Luiz Roberto Peroba Barbosa é sócio da área Tributária de Pinheiro Neto Advogados







 *Pedro Colarossi Jacob
é associado da área Tributária de Pinheiro Neto Advogados

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

 

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