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Justiça eleitoral é masculina: Por mais democracia institucional e igualdade nas cortes

A participação da mulher, nos espaços públicos, deve ser considerada do ponto de vista institucional. Importante a busca de menos desequilíbrio de gênero nas Cortes Eleitorais, tornando estas menos masculinas e mais paritárias.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Atualizado às 09:23

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

É amplamente debatida a alteração que o Direito Eleitoral vem passando para promover a participação da mulher na política. Eventos são promovidos e estudos, os mais diversos, elaborados para tratar da previsão das cotas de candidaturas, da atribuição de sanção pela apresentação de candidaturas fraudulentas pelos partidos, assim como da exigência de destinação de verbas dos fundos partidários e eleitoral.

Em relação à participação política da mulher, e sua proteção jurídica, tem se notado avanços, desde os anos 90, mas foi, sobretudo, desde 2015, que esses avanços passaram a acontecer para além da fonte legislativa e doutrinária (proveniente da Ciência do Direito), alcançando, também a fonte jurisprudencial. É possível notar uma evolução na proteção jurídica da participação política da mulher a partir do tratamento do tema pelos tribunais superiores (TSE e STF).

O Direito origina-se de fontes de natureza diversas. É possível perceber que nas fontes de caráter material, precedentes e estudos científicos sobre o tema, há um claro e maior avanço no tratamento e na proteção jurídica do direito à participação política feminina

Pouco se destaca, porém, a importância que o Poder Judiciário desempenhou nessas conquistas. Quando muito, o tema é tratado genericamente sob o viés do ativismo judicial. Enfatiza-se menos ainda o papel que as mulheres tiveram no desencadeamento e no protagonismo da atividade jurisdicional. Esse olhar é relevante para se compreender a interferência mútua das esferas de poder em prol de uma causa e a importância de a mulher estar devidamente representada em todas elas.

O primeiro fortalecimento que se deu à proteção do direito de participação política da mulher, no âmbito da fonte material jurisprudência, tem origem em um debate trazido pela então ministra Luciana Lóssio, o qual foi acompanhado pelo ministro Henrique Neves.

No Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral na AIJE 243-42.2014, de relatoria do ministro Henrique Neves, a ministra Luciana Lóssio defendeu, de forma pioneira, em sede de voto-vista, que as fraudes às cotas de gênero deveriam ser apuradas em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, ação de matriz constitucional prevista no art. 14º, § 10º, da Constituição Federal de 1988. A decisão se consolidou no Recurso Especial Eleitoral 1-49.2013.6.18.0024, de relatoria também do ministro Henrique Neves. Como alertado, à época, pela então ministra Luciana Lóssio, a prática configura "abuso de poder político-partidário"1.

Outra decisão importante para proteção do bem em discussão foi a travada no STF, na ADIn 5.617, a qual contou com a sustentação oral da então advogada Polianna Pereira Santos, de notória atuação e dedicação aos estudos e denúncias das situações fáticas e jurídicas que minam a igualdade entre os gêneros na política.

Já a ausência de democracia intrapartidária foi alvo de indagação, no TSE, por meio da Consulta 0603816-39. Em seu voto, a ministra Rosa Weber, que teve grande relevância e destaque na apresentação do problema, frisou que a regra garantista da reserva de gênero, na proporção mínima de 30%, também deve incidir sobre a constituição dos órgãos partidários, como comissões executivas e diretórios nacionais, estaduais e municipais2.

Sensível às dificuldades que as mulheres, em virtude de sua condição pessoal e política, enfrentam no processo político-eleitoral, a Deputada Federal Margarete Coelho propôs o projeto de lei 4.963/20, o qual estipula pena de reclusão de um a três anos, mais pagamento de multa, para a prática de violência política contra mulheres ou em razão de gênero.

Em relação a esse tema, questão relevante consiste em saber quais as táticas que marcam a arena política-eleitoral e que dissuadem as mulheres a lançarem suas candidaturas. Com base em tipificação semelhante que já há na América Latina, mais precisamente na Bolívia, uma das autoras desse texto já teve a oportunidade de se dedicar ao estudo do assunto3, tendo concluído tratar-se de mais um tipo de violência simbólica, violência esta que não é constatada quando os homens estão disputando os cargos de poder.

O protagonismo das mulheres ocupantes dos espaços de poder ou de convencimento dentro desses lugares, incorporam a perspectiva social4 do gênero ao qual pertencem. A inserção dessa perspectiva é importante, pois traz "a visão de mundo vinculada a uma posição social"5, sendo essa incorporação relevante para a política e para os espaços de decisões e deliberações, pois ela "captaria a sensibilidade da experiência gerada pela posição de grupo".

É inclusive paradoxal que a luta pela ampliação política da mulher se dê no espaço da política representativa sem vir acompanhada do mesmo debate em relação às outras instituições democráticas, como a OAB e, sobretudo, os órgãos do Poder Judiciário.

Em relação à igualdade de gênero no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil, necessário destacar a atuação das deputadas Margarete Coelho (PP-PI) e Soraya Santos (PL-RJ), através do projeto de lei 4.164/20, o qual propõe alteração no Estatuto da Advocacia para assegurar equidade na diretoria e na composição do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), assim como do Conselho Seccional, das Caixas de Assistência e do Conselho da Subseção6. Além do mais, a Conselheira Federal Valentina Jungmann lançou o Projeto Valentinas, Paridade Já, para o atendimento de percentual de 50% para candidaturas de cada gênero7.

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) sugeriu, em outubro de 2020, a mudança do nome da OAB para Ordem da Advocacia do Brasil, justamente com vistas a resguardar a diversidade de gênero e a isonomia dentro da ordem8.

No que concerne aos Tribunais Regionais Eleitorais, em levantamento realizado em outubro deste ano, constatou-se que dos vinte e sete TREs existentes, entre membros titulares e suplentes, o que totaliza 14 (quatorze),oito Tribunais não possuem juízas em sua composição, dez possuem menos de três juízas, e apenas dois possuem mais de três juízas.

Os Tribunais Eleitorais, como a própria Justiça Eleitoral, têm composição peculiar, com integrantes advindos de outros órgãos do Poder Judiciário, da advocacia e da sociedade (os cidadãos, no caso das juntas). Além disso, em relação aos membros advindos da advocacia, a OAB não realiza indicações, que são feitas pelos próprios tribunais.

De todo modo, parece um descaso com a participação da mulher nos espaços de poder, que não haja uma preocupação institucionalizada ou um movimento pela nomeação de mulheres para integrar as Cortes Eleitorais, seja na vaga de juízes, seja na de advogada ou na de cidadã. Mulheres competentes e capazes para tanto não faltam. O exemplo histórico brasileiro demonstra, aliás, que as mulheres foram exemplares no desempenho de sua função.

Diante da pluralidade de fontes do Direito e dos avanços que constatamos no âmbito da proteção do bem jurídico em análise, é necessário avançarmos para o desenvolvimento e concretização da "democracia institucional". O Chile, recentemente, deu exemplo de país preocupado em realizar essa modalidade de democracia ao decidir que haverá paridade de gênero entre os constituintes9.

A participação da mulher, nos espaços públicos, portanto, deve ser considerada do ponto de vista institucional, para que nos espaços de poder e deliberação sobre direitos e políticas seja incorporada sua perspectiva social, não compartilhável ou suscetível de representação por outrem. Como bem ressaltou RuthBaderGinsburg, juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos, "As mulheres pertencem a todos os lugares onde as decisões são tomadas." Importante, assim, a busca de menos desequilíbrio de gênero nas Cortes Eleitorais, tornando estas menos masculinas e mais paritárias.

A democracia institucional e a participação política estão diretamente relacionadas. Daí a importância do exercício constante da cidadania na ocupação dos espaços e poder no exercício do voto.

As eleições de 2020 estão chegando. A sua participação ou a sua apatia integrarão o conjunto decisório a que nos sujeitaremos pelos próximos 4 anos. A organização da cidade, os tributos municipais que iremos pagar, a qualidade de inúmeros serviços públicos está, em parte, nas suas mãos, no seu voto. É votar, tentar influenciar, ou se sujeitar. Ou você se interessa por política e exerce sua cidadania, ou será administrado, à sua revelia, por quem se interessa!

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1 Essa expressão foi extraída do voto da ministra Luciana Lóssio, proferido no julgamento do Recurso Especial Eleitoral na AIJE nº 243-42.2014.

2 BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. TSE entende ser aplicável reserva de gênero para mulheres nas eleições para órgãos partidários, 19 de maio de 2020. Disponível clicando aqui. Acesso em 30 de out. de 2020.

3 ALMEIDA, Jéssica Teles. A violência contra a mulher na política: uma análise jurídica à luz dos debates emergentes na América Latina e do quadro empírico brasileiro de 2016. In: CAMPOS, Juliana Cristine Diniz; FREITAS, Raquel Coelho de; MATOS, Rômulo Richard Sales.. (Org.). Democracia e Crise: Estudos de Direito Constitucional e Filosofia Política. 1ªed.Timburi: CIA do Ebook, 2017.

4 A "perspectiva social", de Young, fundamenta bem a adoção, pelo direito brasileiro das cotas de candidatura e a importância de se trazer para o mercado político eleitoral várias outras visões de mundo, ampliando não só a participação do sexo minoritário no processo eleitoral, como também o rol de opções para que o eleitor exerça, com ainda mais liberdade, o exercício do seu voto. (YOUNG, Iris Marion. Inclusionanddemocracy. Oxford: Oxford University Press, 2000).

5 BIROLI, Flávia; MIGUEL, Luís Felipe. Feminismo e política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014.

6 Projeto assegura igualdade de gênero em cargos diretivos e conselhos na OAB. 17/8/20. Disponível clicando aqui. Acesso em 02 de nov. 2020.

7 CF Valentina Jungmann apresenta projeto que estabelece paridade entre homens e mulheres nas eleições da OAB. 15/6/20. Disponível clicando aqui. Acesso em 02 de nov. 2020.

8 IBDFAM sugere alteração de nome da OAB para Ordem da Advocacia Brasileira, em atenção à igualdade de gênero. 29/10/20. Disponível clicando aqui. Acesso em 01 de nov.2020.

9 Chile terá primeira Constituição do mundo construída de forma igualitária. 25/11/20. Disponível clicando aqui. Acesso em 28 de out.2020.

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*Raquel Cavalcanti Ramos Machado é mestre pela UFC, doutora pela Universidade de São Paulo. Professora de Direito Eleitoral e Teoria da Democracia. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP, do ICEDE, da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/CE e da Transparência Eleitoral Brasil.

*Jéssica Teles de Almeida é advogada e professora de Direito Eleitoral e Direito Administrativo da Universidade Estadual do Piauí. Coordenadora do Curso de Direito da FIED. Doutoranda em Direito (UFC). Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP.

*Vitória Olinda Barros é pesquisadora do eixo jurídico do Observatório de Violência Contra a Mulher. Diretora de Pesquisa e de Comunicação do Grupo Ágora (UFC). Pesquisadora dos grupos LiderA (IDP) e Altera (UFC).

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