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Direito autoral e Instagram: incorporação (embedding) de posts em websites ou blogs e a necessidade de autorização prévia do autor do conteúdo

No Brasil, os contratos de licenciamento de direitos autorais, como o firmado entre o Instagram e os criadores de conteúdo, são regidos pela lei 9.610/1998.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Atualizado às 08:14

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

É comum que veículos de mídia online - inclusive jornais e revistas - utilizem, quando desejam incorporar fotografias e vídeos hospedados no Instagram, a ferramenta de embedding disponibilizada pela própria plataforma desde 20131. Isso permite que conteúdos públicos (ou seja, postados em contas não privadas) sejam visualizados em conjunto com a identificação do titular da conta Instagram e sua foto fora da indicada rede social.

A ferramenta gerava, do ponto de vista de direitos autorais, uma sensação de segurança jurídica diante da expectativa de que a licença concedida pelo criador do conteúdo ao Instagram (conforme termos de uso da plataforma2) se estendia ao terceiro que incorporava o conteúdo.

Tal sensação, porém, eclipsou possíveis riscos jurídicos decorrentes da prática narrada, como demonstra litígio envolvendo a Newsweek e um fotógrafo nos Estados Unidos.

O fotógrafo Elliot McGucken publicou em seu Instagram foto rara de um lago no Vale da Morte, na Califórnia, fruto de curto período de chuvas na região, considerada um dos lugares mais quentes e secos do mundo. A revista estadunidense Newsweek pediu para licenciar a imagem e, diante da recusa do fotógrafo, incorporou o post dele em seu website via a indicada ferramenta disponibilizada pelo Instagram.

Confiante na existência de violação aos seus direitos autorais, o fotógrafo ajuizou ação contra a Newsweek3. Esta, em sua defesa, sustentou ter feito uso legítimo da fotografia (pois a utilizou em reportagem jornalística que "transformou" a imagem em notícia4), bem como que o licenciamento (e permissão para sublicenciamento) ao Instagram autoriza a incorporação do conteúdo público disponibilizado na plataforma por terceiros.

Como reforço ao seu argumento, a Newsweek citou caso semelhante, e da mesma corte em que tramita a ação, no qual restou reconhecido o direito do Instagram de sublicenciar as fotos publicadas na plataforma por meio de sua ferramenta de incorporação5.

Embora tenha reconhecido que o Instagram, de fato, tem o direito ao sublicenciamento de conteúdo disponibilizado na rede social (tal como decidido no caso anterior Sinclair v. Ziff Davis, LLC, citado pela Newsweek), a juíza do caso entendeu que não existiria prova de que os termos de uso do Instagram previam uma sublicença implícita, especificamente para a incorporação de conteúdos por terceiros6. Ainda, a juíza afastou a hipótese de uso legítimo, pois considerou que a reprodução da fotografia, que não é o foco principal da reportagem, tem finalidade meramente ilustrativa do assunto tratado.

Interessante pontuar que essa decisão no caso McGucken v. Newsweek LLC et al foi utilizada como fundamento para que a juíza do caso anterior Sinclair v. Ziff Davis, LLC revisse sua opinião, após pedido de reconsideração apresentado pela parte autora7.

Na sequência, e pretendendo esclarecer questões envolvidas na interpretação de seus termos de uso, o próprio Instagram se manifestou no sentido da inexistência de sublicenciamento para incorporação de conteúdo da plataforma. Como resultado, evidenciou que a corriqueira prática de incorporação de conteúdo pode ter consequências indesejadas oriundas de violação de direitos autorais8.

No Brasil, os contratos de licenciamento de direitos autorais, como o firmado entre o Instagram e os criadores de conteúdo, são regidos pela lei 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais, "LDA"), na qual se estipula que, não havendo especificações quanto à modalidade de utilização dos direitos licenciados, esta deve ser interpretada de forma restritiva, limitando-se à utilização "indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato" (artigo 49, caput, e inciso VI).

Logo, em tese, também para o direito brasileiro, eventual sublicenciamento deverá ser previsto de forma explícita, constando do contrato expressamente as formas de utilização da obra (sub)licenciada, não havendo espaço para autorizações implícitas de uso.

De outro lado, a depender da situação concreta, é importante considerar as exceções decorrentes do Capítulo IV da LDA9 e da Convenção de Berna (conforme estabelecido pela chamada "regra dos três passos"10), reconhecida pelos Tribunais como matéria de defesa11.

Diante disso, é necessário cautela na utilização de conteúdo de terceiros hospedados pelo Instagram, para que se evite episódios como o vivenciado pela revista Newsweek. De toda sorte, nota-se que ainda não há uma solução definitiva para situações como essa, sendo necessária uma avaliação minuciosa dos elementos presentes em cada caso concreto.

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1 Vide disposição contida na "Política da Plataforma": "Por fim, fornecemos a Plataforma do Instagram para ajudar transmissores e publishers a descobrir conteúdo, obter direitos digitais de mídia e compartilhar mídia usando incorporações da web." (Disponível aqui. Acesso em 14/8/2020)
2 Vide: "Não reivindicamos a propriedade do seu conteúdo, mas você nos concede uma licença para usá-lo. Nada muda com relação aos seus direitos sobre seu conteúdo. Não reivindicamos a propriedade do conteúdo que você publica no Serviço ou por meio dele. Em vez disso, quando compartilha, publica ou carrega conteúdo protegido por direitos de propriedade intelectual (como fotos ou vídeos) em nosso Serviço ou em conexão com ele, você nos concede uma licença não exclusiva, gratuita, transferível, sublicenciável e válida mundialmente para hospedar, usar, distribuir, modificar, veicular, copiar, exibir ou executar publicamente, traduzir e criar trabalhos derivados de seu conteúdo (de modo consistente com suas configurações de privacidade e do aplicativo). Você pode encerrar essa licença a qualquer momento excluindo seu conteúdo ou conta. No entanto, o conteúdo continuará aparecendo caso você o tenha compartilhado com outras pessoas e elas não o tenham excluído." (Termos de Uso, "Seus compromissos". Disponível aqui.  Acesso em: 14/8/2020).
3 McGucken v. Newsweek LLC et al, No. 1:19-cv-09617 - KPF (S.D.N.Y. June 1, 2020), que tramita perante a United States District Court Southern District of New York.
4 Na tentativa excepcionar sua conduta da incidência de direitos autorais, a Newsweek argumentou, a partir da doutrina do fair use, o "uso transformativo" da fotografia, ou seja, a atribuição de um novo significado a essa obra, capaz de distingui-lo do original.
5 Sinclair v. Ziff Davis, LLC, No. 1:18-cv-00790, que tramita perante a United States District Court Southern District of New York - KMW (S.D.N.Y. April 13, 2020). Nesse caso, o site Mashable (Ziff Davis) incorporou uma fotografia hospedada na conta de Instagram da fotógrafa Stephanie Sinclair. A fotógrafa alegou que não havia autorizado a reprodução de seu trabalho, ao passo que a Ziff Davis argumentou ter obtido o sublicenciamento da fotografia com base nos Termos de Uso do Instagram. Nessa decisão, a Corte concluiu pela ocorrência de sublicenciamento e, por entender que havia previsão contratual que solucionava a controvérsia, extinguiu o processo.
6 Segundo a juíza, não há prova nos autos de que a Newsweek tenha buscado uma sublicença específica junto ao Instagram, o que seria necessário para afastar quaisquer dúvidas a respeito do sublicenciamento. Portanto, não seria hipótese de extinção do processo. Vide McGucken v. Newsweek LLC et al, No. 1:19-cv-09617 - KPF (S.D.N.Y. June 1, 2020), que tramita perante a United States District Court Southern District of New York.
7 Sinclair v. Ziff Davis, LLC, No. 1:18-cv-00790, que tramita perante a United States District Court Southern District of New York - KMW (S.D.N.Y. June 24, 2020). A juíza esclarece que não havia considerado a necessidade de haver consentimento explícito para o uso de obra protegida por direitos autorais, conforme manifestado na decisão sobre o caso McGucken v. Newsweek LLC et al, apontando que as partes nada haviam dito nesse sentido. No entanto, pontuou-se que o argumento é forte o suficiente para motivar a reabertura do processo, que deveria continuar para que essa questão fosse discutida.
8 Vide: "'While our terms allow us to grant a sub-license, we do not grant one for our embeds API,' a Facebook company spokesperson told Ars in a Thursday email. 'Our platform policies require third parties to have the necessary rights from applicable rights holders. This includes ensuring they have a license to share this content, if a license is required by law'". Ars Technica. "Instagram just threw users of its embedding API under the bus". Notícia de 04/6/2020. Disponível aqui. Acesso em 14/8/2020.
9 Por exemplo, a LDA assegura, sem que seja caracterizada a violação de direitos autorais, a possibilidade de reprodução de obra plástica "sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores" (art. 46, VIII, da LDA).
10 A Convenção, da qual o Brasil é signatário originário (decreto 75.699, de 6 de maio de 1975), define a regra dos 3 (três) passos, segundo a qual o exercício do direito de autor é limitado se configuradas as seguintes situações: a) quando se estiver diante de certos casos especiais; b) quando a utilização não prejudicar a exploração normal da obra; c) quando a utilização não causar prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor.
11 Vide, por exemplo, caso avaliado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, envolvendo alegação de reprodução desautorizada de monografia, no qual se afastou a hipótese de plágio com base no número limitado de trechos reproduzidos: "Por se tratarem de apenas alguns trechos (cerca de seis parágrafos curtos e um quadro comparativo, pouco perto do livro que tem 64 páginas), entendo que (1) a reprodução não constitua o propósito do livro do Apelado, (2) não tire o interesse do público na monografia do Apelante, cujo teor continua em imensa maioria disponível apenas na obra do Apelante, (3) não prejudica interesse algum do Apelante, que, na verdade, teve seu trabalho reconhecido e divulgado pelo Apelado, autor já consolidado na área pelo que se verifica dos autos." (TJSP. Apelação nº 0011095-56.2012.8.26.0309. 7ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Luiz Antonio Costa, j. 6/10/2017).

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*Vanessa Ribeiro é sócia de Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.

*Jessica Satie Ishida é advogada de Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.

*João Vitor de Oliveira Rito é colaborador de Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.

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