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Fixação de honorários

A obstinação dos magistrados em afastar norma expressa (art. 85, §2º do CPC) e utilizar da equidade para evitar suposto enriquecimento ilícito do advogado.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Atualizado às 11:04

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O atual Diploma Processual alterou substancialmente a disciplina dos honorários sucumbenciais no ordenamento jurídico pátrio, certamente com vistas a coibir prática tão recorrente em se fixar honorários sucumbenciais em valores módicos, sem critérios e parâmetros.

Dentre as modificações e inovações, destaca-se o fato de que agora, sem qualquer margem para interpretação diversa, os honorários somente podem ser fixados por equidade de forma subsidiária, quando não for possível o arbitramento pela regra geral ou quando inestimável ou irrisório o valor da causa. Sobre o tema, leciona Rogerio Licastro Torres de Mello: "Há, de vez por todas, e concorde-se ou não com tal orientação, a tomada de posição acerca da regra elementar de fixação da honorária sucumbencial: os honorários de sucumbência devem ser fixados em percentuais (10% a 20%) sobre determinada expressão econômica da causa, sendo expressamente subsidiária a estipulação por equidade".1

De fato, "não é exagero dizer que o art. 85, com dezenove parágrafos, trouxe a solução para boa parte das polêmicas"2 envolvendo as verbas sucumbenciais. Além da definição de novo critério para cálculo dos honorários em causas envolvendo a Fazenda Pública e a criação dos honorários de sucumbência recursal, o CPC definiu como regra a fixação de honorários sobre o valor da condenação principal, do proveito econômico ou do valor atualizado da causa, somente se admitindo o arbitramento por equidade quando for "inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo" (art. 85, §8º do CPC).

Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior:

De forma contrária ao posicionamento adotado pelo Código revogado, que admitia com largueza o arbitramento por equidade, a legislação atual determinou a aplicação, em regra, dos critérios objetivos previstos nos §§ 2º e 3º 'independemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou extinção do processo sem resolução do mérito' (art. 85, §6º). Assim, ainda quando a ação não resultar em condenação ou nas ações constitutivas e declaratórias, o juiz deverá observar aqueles critérios. Até mesmo nas sentenças contrárias à Fazenda Pública, a lei nova evitou o emprego do arbitramento de honorários por critério de equidade.
[...]
Deixarão de ser aplicados os limites em questão (máximos e mínimos) quando a causa for de valor inestimável, muito baixo, ou quando for irrisório o proveito econômico (art. 85, §8º). Apenas nessas hipóteses, o juiz fixará os honorários por apreciação equitativa, observando os critérios estabelecidos no §2º do art. 85. Isso se dará para evitar o aviltamento da verba honorária.3

Não remanesce - ou ao menos não deveria subsistir - qualquer dúvida de que, em havendo valor de condenação, proveito econômico imediatamente auferível e que não se mostre irrisório, ou, ainda, que o valor da causa não seja "muito baixo", os honorários sucumbenciais devem necessariamente ser fixados entre 10% a 20%, nos exatos termos do disposto nos artigos 85, §2º do CPC.

Havendo texto expresso de lei que obriga determinada conduta em determinado caso, deve a deliberação legislativa ser observada pelo Poder Judiciário, sendo raros os casos em que se autorizam o afastamento legal no caso concreto - como nas hipóteses de inconstitucionalidade ou aparente conflito de normas.

No caso da discussão acerca dos critérios de fixação dos honorários, no entanto, não há qualquer colisão entre direitos fundamentais para se autorizar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Havendo norma jurídica expressa que regula a matéria (art. 85, §2º do CPC), deve ela ser aplicada de maneira irrestrita até mesmo em observância aos parâmetros da segurança e certeza jurídicas.

Apesar da clareza ímpar do dispositivo em comento e dos critérios para sua interpretação, não são poucas as decisões que, ratificando entendimento consolidado sob a égide do Diploma Processual revogado, vêm afastando a aplicação da lei com base em equivocadas - e indevidas - interpretações do artigo 85 segundo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para arbitrar honorários por equidade quando a aplicação da regra (§2º do 85) possa levar ao 'enriquecimento sem causa' do advogado do vencedor, nos casos em que as bases de cálculo dos honorários sejam elevadas em relação às peculiaridades do caso concreto.

É notório o esforço de se defender interpretação que, com o devido acatamento, é evidentemente contrária a mens legis, tão somente com o fim de negar reconhecimento e remuneração ao advogado da parte que se logrou vencedora na ação judicial. Não se pode tolerar o aviltamento dos honorários em nenhuma hipótese, merecendo ainda mais repúdio o arbitramento por equidade em valores módicos quando os honorários, em consonância com texto expresso de lei, obrigatoriamente deveriam ser calculados sobre a condenação, o proveito econômico ou o valor da causa - que resultaria, ao final, em quantia muito superior ao fixado por equidade.

Se o artigo 85, §8º do CPC somente permite a apreciação equitativa para se evitar o aviltamento dos honorários, não há como tolerar que, fora das hipóteses taxativas, sejam proferidas decisões que reduzam ilegalmente os honorários sob o pretexto de suposto atendimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Felizmente o Superior Tribunal de Justiça, corte que tem a missão constitucional de outorgar sentido à legislação infraconstitucional federal e reduzir equívocos na interpretação da letra fria da lei4, sempre almejando extrair o sentido da norma protegida e consagrada pelo Poder Legislativo, já se manifestou em inúmeras oportunidades no sentido de que "diante da existência de norma jurídica expressa no Novo Código (CPC, art. 85, §2º), concorde-se ou não, descabe a incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade"[5] para arbitramento de honorários por equidade fora das hipóteses taxativas do §8º do Diploma Processual.

O acórdão da 2ª seção do STJ que enfrentou à exaustão a controvérsia relacionada à (im)possibilidade de fixação por equidade em causas em que a condenação, o proveito econômico ou o valor da causa supostamente são excessivos restou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JUÍZO DE EQUIDADE NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. NOVAS REGRAS: CPC/15, ART. 85, §§ 2º E 8º. REGRA GERAL OBRIGATÓRIA (ART. 85, § 2º). REGRA SUBSIDIÁRIA (ART. 85, § 8º). PRIMEIRO RECURSO ESPECIAL PROVIDO. SEGUNDO RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

1. O novo CPC/15 promoveu expressivas mudanças na disciplina da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais na sentença de condenação do vencido.

2. Dentre as alterações, reduziu, visivelmente, a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade, pois: a) enquanto, no CPC/1973, a atribuição equitativa era possível: (a.I) nas causas de pequeno valor; (a.II) nas de valor inestimável; (a.III) naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública; e (a.IV) nas execuções, embargadas ou não (art. 20, § 4º); b) no CPC/2015 tais hipóteses são restritas às causas: (b.I) em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando (b.II) o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º).

3. Com isso, o CPC/15 tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação dos §§ 2º e 8º do art. 85, ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria.

4. Tem-se, então, a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º).

5. A expressiva redação legal impõe concluir: (5.1) que o § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa; (5.2) que o § 8º do art. 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo.

6. Primeiro recurso especial provido para fixar os honorários advocatícios sucumbenciais em 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico obtido. Segundo recurso especial desprovido. 

Mesmo existindo precedente da Corte Superior, continuam surgindo inúmeros casos insistindo no afastamento da regra para se reduzir ilegalmente os honorários sucumbenciais devidos ao advogado.

De tão recorrente a situação a 2ª seção do STJ, que já discutiu o tema consoante acórdão citado alhures, afetou 2 (dois) recursos especiais6 em 17.03.2020 para julgamento sob a forma dos repetitivos e formação de precedente vinculante nos termos do disposto 927, III do CPC, definindo o seguinte tema: "a possibilidade de fixação de honorários advocatícios com fundamento em juízo de equidade, nos termos do art. 85, §§2º e 8º, do CPC/15".

Espera-se que a 2ª seção ratifique não apenas o próprio entendimento sobre a matéria, mas especialmente reconheça a evidente vontade legislativa de acabar com a prática tão recorrente de desonrar e violar o direito do advogado em ver reconhecido o exitoso trabalho ao longo da ação judicial com o arbitramento de justos honorários.

_______

1- MELLO, Licastro Torres de. Honorários advocatícios: sucumbenciais e por arbitramento. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

2- CRAMER, Ronaldo. Comentários ao Código de Processo Civil - Volume 1 (arts. 1º a 317). Cassio Scarpinella Bueno [coordenador]. São Paulo: Saraiva, 2017.

3- JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil - Vol.1. 59ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

4- MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

5- STJ. REsp nº 1.746.072/PR. 2ª seção. Min. Rel. do Voto Vencedor RAU ARAÚJO. j. 13.2.2019.

6- REsp 1.812.301/SC e 1.822.171/SC.

 

Flávia Pereira Ribeiro

VIP Flávia Pereira Ribeiro

Pós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa (2020). Doutora em processo civil pela PUC/SP (2012). Mestre em processo civil pela PUC/SP (2008). Especialista em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade Secovi/SP (2014). Membro do IBDP, do CEAPRO e do IASP. Membro do Conselho Editorial da Juruá Editora e da Revista Internacional Consinter de Direito. Diretora Jurídica da ELENA S/A. Sócia de Flávia Ribeiro Advocacia (desde 2008). Atuação no contencioso cível e imobiliário e consultivo imobiliário. Integrante da comissão de elaboração do PL 6.204/2019 - desjudicialização da execução civil.

César Augusto

César Augusto

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo; Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Pós-graduado em Direito Imobiliário na Universidade SECOVI/SP; Integrante do 2º grupo de estudos avançados em Processo Civil (GEAP) organizado pela Fundação Arcadas. Advogado no escritório Flávia Ribeiro Sociedade de Advogados.

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