MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Migalhas de peso >
  4. Da possibilidade de oposição de embargos de declaração para que a decisão embargada se adeque à jurisprudência vinculante superveniente

Da possibilidade de oposição de embargos de declaração para que a decisão embargada se adeque à jurisprudência vinculante superveniente

Os embargos de declaração podem servir para amoldar o julgado à superveniente orientação jurisprudencial vinculante que o STF, STJ e os Tribunais de Segunda Instância adotarem, em atenção aos princípios da razoável duração do processo e da economia processual.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Atualizado às 13:54

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No dia 5/5/20, a 1ª turma do Supremo Tribunal Federal - STF, quando do julgamento da Rcl 15724 AgR-ED, assentou que "são cabíveis embargos de declaração, com efeitos infringentes, para que a decisão embargada seja reajustada de acordo com a jurisprudência firmada em teses que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça adotarem" (Rcl 15.724 AgR-ED, relator(a): Rosa Weber, Relator(a) p/ Acórdão: Alexandre de Moraes, 1ª turma, julgado em 5/5/20, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-151  Divulg 17/6/20  Public 18/6/20).

Em outras palavras, o STF assentou ser cabível a oposição de embargos de declaração para que a decisão embargada se adeque à jurisprudência vinculante superveniente.

A referida decisão deu efetividade ao seguinte dispositivo do CPC/15:

"Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:

I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;"

Sobre o mencionado dispositivo legal, leciona Lucas Buril de Macêdo:

"Todavia, há uma novidade normativa relevante no CPC/2015: passam a ser cabíveis os embargos de declaração contra decisão que deixou de considerar precedente obrigatório relevante para a resolução da questão. Perceba-se: neste caso, pouco importa se a parte invocou ou não o precedente anteriormente - o que faria o uso dos embargos de declaração nada diverso do seu uso tradicional -, basta o juízo ou tribunal ter deixado de analisá-lo para que sejam cabíveis os embargos. Portanto, enquanto normalmente há uma análise da congruência entre a decisão e os argumentos da parte para decidir os embargos de declaração, nesta específica previsão pouco importa a omissão nas próprias razões do embargante, basta a efetiva existência do precedente para que o órgão julgador deva considerá-lo. Prevê-se uma omissão externa.

(...)

Assim, os embargos de declaração acabam servindo como um recurso menos burocrático e mais célere para atacar o "vício de fundamentação" consistente na desconsideração de precedente obrigatório proveniente de julgamento de casos repetitivos ou de incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento1."

Portanto, antes do trânsito em julgado, o STF assentou ser legítimo readequar o julgado anterior para ajustá-lo à posição do Plenário do STF. Por consequência lógica, tal entendimento também pode ser utilizado para adequar um julgado a um precedente firmado pelo STJ em sede de recurso especial repetitivo ou a um precedente de um Tribunal de Segunda Instância proveniente do julgamento de um IAC ou IRDR.

Contudo, entendemos que, antes de readequar o julgado anterior, necessário se faz consultar as partes, tendo em vista a seguinte previsão contida no art. 933 do CPC/15:

"Art. 933. Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias."

Cumpre ressaltar, por relevante, que o STJ também já aceitou essa tese, quando do julgamento do EDcl no AgRg no REsp 1.398.776/SC, senão vejamos:

"TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IPI. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR POR PESSOA FÍSICA PARA USO PRÓPRIO. NOVO POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL DO STF. REGIME DE REPERCUSSÃO GERAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DA FAZENDA NACIONAL ACOLHIDOS, CONFERINDO-LHES EFEITOS INFRINGENTES.

1. Os Embargos de Declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade ou eliminar contradição existente no julgado.

Excepcionalmente, o Recurso Aclaratório pode servir para amoldar o julgado à superveniente orientação jurisprudencial do Pretório Excelso, quando dotada de efeito vinculante, em atenção à instrumentalidade das formas, de modo a garantir a celeridade, a eficácia da prestação jurisdicional e a reverência ao pronunciamento superior.

2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 723.651/PR, em repercussão geral, reconheceu a incidência de IPI na importação de veículo automotor por pessoa física para uso próprio. Assim, em observância ao caráter vinculante da referida decisão, impõe-se a aplicação do novo entendimento.

3. Embargos de Declaração da FAZENDA NACIONAL acolhidos, com efeitos infringentes, para ajustar esse julgado ao entendimento firmado pelo STF, em sede de repercussão geral (RE 723.651/PR), e, consequentemente, negar provimento ao Recurso Especial do Particular, reconhecendo a legalidade da incidência do IPI sobre veículo importado por pessoa física, ainda que para uso próprio.

(EDcl no AgRg no REsp 1.398.776/SC, rel. ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª turma, julgado em 13/11/18, DJe 26/11/18)

Nesse mesmo sentido:

"PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA RECONHECIDA. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DE CONDENAÇÃO. NOVO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REVISÃO DO JULGADO. EMBARGOS ACOLHIDOS. EFEITOS MODIFICATIVOS.

1. Os embargos de declaração, como recurso de correção, destinam-se a suprir omissão, contradição e ambiguidade ou obscuridade existente no julgado. Não se prestam, portanto, para sua revisão no caso de mero inconformismo da parte.

2. É pacífico nesta Corte Superior que "o acórdão que apenas confirma a sentença de primeiro grau, sem decretar nova condenação por crime diverso, não configura marco interruptivo da prescrição, ainda que haja reforma considerável na dosimetria da pena" (AgRg no REsp 1.362.264/DF, rel. ministro Rogério Schietti Cruz, 6ª turma, DJe 13/5/15).

3. Na espécie, aplicada ao réu pena inferior a 2 anos de reclusão, a prescrição da pretensão punitiva ocorre em 4 anos (art. 109, V, do CP). Considerando que a publicação da sentença ocorreu em 30/08/2013, e não sobrevindo outro marco interruptivo no prazo de 4 anos, uma vez que o Tribunal a quo, em grau de apelação, apenas confirmou a sentença condenatória, foi declarada a extinção da punibilidade do recorrente e, por extensão, de outros corréus.

4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n.º 176.473, de Relatoria do Exmo. Ministro Alexandre de Moraes, pacificou novo posicionamento acerca do tema, fixando a premissa segundo a qual "[n]os termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o Acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1.º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta".

5. Necessidade de adequação da jurisprudência deste Tribunal ao entendimento firmado pela Suprema Corte, de modo que o acórdão que confirma a condenação seja considerado, também, marco interruptivo da prescrição.

6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para que seja afastada a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva anteriormente reconhecida.

(EDcl no AgRg no RHC 109.530/RJ, rel. ministro Ribeiro Dantas, 5ª turma, julgado em 26/5/20, DJe 1/6/20)

Por fim, é importante frisar que o STJ possui entendimento de que, havendo alteração de entendimento jurisprudencial, o novo posicionamento aplica-se aos recursos pendentes de análise, ainda que interpostos antes do julgamento que modificou a jurisprudência.

Nesse sentido:

"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. 1. FATO NOVO. INOVAÇÃO RECURSAL. 2. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. IRRELEVÂNCIA NO CASO. 3. PREFERÊNCIA DE CRÉDITO. COBRANÇA DE HONORÁRIOS CONTRATUAIS. CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR. EQUIPARAÇÃO AO CRÉDITO DE NATUREZA TRABALHISTA. PRECEDENTE DO STJ. 4. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

(...)

3.1. O STJ possui entendimento de que, havendo alteração de entendimento jurisprudencial, o novo posicionamento aplica-se aos recursos pendentes de análise, ainda que interpostos antes do julgamento que modificou a jurisprudência. Precedentes.

4. Agravo interno improvido.

(AgInt nos EDcl no AgRg no AREsp 540.190/MT, rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª turma, julgado em 30/11/20, DJe 4/12/20)

Em suma: excepcionalmente, os embargos de declaração podem servir para amoldar o julgado à superveniente orientação jurisprudencial vinculante que o STF, STJ e os Tribunais de Segunda Instância adotarem, em atenção aos princípios da razoável duração do processo (inciso LXXVIII do art. 5º da CF/88 c/c inciso II do art. 139 do CPC/15) e da economia processual, tendo em vista que, uma vez ajustada a decisão ao padrão decisório mediante a interposição dos embargos de declaração, eventual recurso interposto contra ela acabaria sendo objeto das técnicas de sumarização (arts. 932, incisos IV e V, do CPC/15) e riscos econômicos (custas e honorários recursais) próprios do procedimento recursal.

_________

1 MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. 3 ed. Salvador: JusPodivm, 2019, pp. 568/569.

Carlos Eduardo Jar e Silva

Carlos Eduardo Jar e Silva

Bacharel em Direito pela UNICAP - Universidade Católica de Pernambuco. Assessor Técnico Judiciário do TJ/PE. Membro do CIJUSPE - Centro de Inteligência da Justiça Estadual de Pernambuco.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca