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O que fazer quando acabar o auxílio emergencial?

A solução na efetiva busca da inclusão financeira

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Atualizado em 21 de janeiro de 2021 09:56

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No Brasil, um dos países mais afetados pela pandemia e com maior desigualdade no mundo, de acordo aos dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE) à AFP, a ajuda emergencial instituída pelo Governo Federal em decorrência da pandemia da covid-19 tirou da pobreza 12,8 milhões de brasileiros (pessoas que vivem com menos de 5,5 dólares por dia), e 8,8 milhões, da extrema pobreza (com menos de 1,90 dólar por dia)1, sendo considerado um dos mais generosos programas de estímulo econômico, devido à pandemia da covid-19, beneficiou um terço dos 212 milhões de brasileiros com aportes iniciais de 600 reais.

Trazendo as discussões sobre desigualdades sociais, Leyshon e Thrift (1995, p. 312), afirmam que "as relações sociais estariam tomadas de tal forma pelo processo de financeirização, que a participação de um indivíduo na sociedade a qual está inserido estaria intimamente relacionada ao nível de inclusão financeira que ela o proporciona, podendo por sua vez, chamar a colação ao conceito de "cidadania financeira".2

Como se tem verificado, o programa de auxílio emergencial promoveu a inclusão financeira, ainda que de forma circunstancial, temporária e limitada, onde, de acordo com o Professor Neri (2020), numa constatação do impacto regional do auxílio emergencial confirmou que "os maiores impactos foram no Nordeste, onde a queda atingiu 28,7%, e no Norte, com recuo de 25,12%. Embora menores, houve reflexos também nas outras regiões do país. No Centro-Oeste, caiu 17,01%, no Sudeste, 9,67%, e no Sul, 9,32%.Conforme o estudo, as diferenças são explicadas pela maior importância da renda do Bolsa Família expressa em valores per capita mensais nas regiões mais impactadas. No Nordeste, é de R$ 16,6 e no Norte, R$ 14,7. No Sul, é de R$ 2,64 e no Sudeste, R$ 3,94."3 Portanto, mesmo que de forma assistencial, o programa promoveu uma forte inclusão financeira, contudo, com data prevista para acabar pois não é fundado na sustentabilidade econômica. Assim, podem e devem ser incrementadas outras formas alternativas para a solução da crise, como programas de incentivo a redução da exclusão financeira a exemplo do Grammen Bank, o qual temos, no Brasil, o programa CrediAmigo do Banco do Nordeste do Brasil (BNB).

O Grammen Bank brasileiro, possui uma metodologia de acompanhamento e orientação voltada para facilitar a fuga da pobreza, a qual inclui dispor de um conjunto de informações confiáveis relativas ao cliente, ao crédito, ao tipo de negócio e à sua localização. O programa se autofinancia e não recebe benefícios fiscais, já que o funding é de mercado, tendo uma gestão própria que produz balanços gerenciais específicos, devidamente verificados por auditoria externa. Todas as demais despesas administrativas são cobertas pelas receitas geradas através dos juros cobrados dos clientes. Não é um programa assistencialista e é tratado internamente como uma unidade de negócios, de acordo com Neri (2008, pp. 81-82).4

No Grammen Bank brasileiro se utiliza de um modus operandi similar de aval solidário, chamado de colateral social. Nessa modalidade o empréstimo é concedido a um grupo de amigos empreendedores interessados em obter o crédito, que morem ou trabalhem próximos e que confiem uns nos outros, que assumem a responsabilidade conjunta no pagamento das prestações. Assim, todos solidariamente respondem pelo crédito, sendo cada empreendedor avalista do outro. Se um dos amigos empreendedores do grupo não puder pagar, todos respondem e podem ter seus nomes na lista do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) como inadimplentes (NERI, 2008, p.87).5

Projetos, como este, podem ser uma alternativa financeira para a subsistência ou crescimento econômico para saída da pobreza. Assim, a redução da exclusão financeira pode ser considerada um importante instrumento de preservação direta ou indireta dos direitos fundamentais dos cidadãos, como forma de redução da pobreza, estimulando a economia através do consumo e do incentivo a produção.

Anderloni et al. (2007, p.7)6 propõem um conjunto de definições para a exclusão financeira, sendo que a mais restrita delas partiria do conceito da existência de um conjunto universal de produtos e serviços financeiros tidos como essenciais, pois: "apesar de não ter um impacto no orçamento familiar, representariam, ao mesmo tempo, elementos essenciais para a vida de um indivíduo, sua subsistência, estabilidade e participação na vida econômica e social".

Neste sentido, como forma de contrapor a exclusão financeira, essa discussão nos leva a concluir que, a inclusão financeira é o caminho mais seguro, e também pode ser considerada uma forma direta ou indireta de promover a efetividade do artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que consagra "Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade", uma imposição que a maior parte dos Estados consagraram nas suas constituições.

Nestes termos, "o acesso universal a serviços financeiros básicos pode ser defendido como um direito humano. Sua contribuição é dupla. Por um lado, define o conteúdo deste direito, que chamarei de direito humano à inclusão financeira. Por outro lado, baseia-se em duas justificativas padrão de direitos humanos para defender esse direito. Primeiro, oferece um argumento baseado em interesses enfatizando o valor desse direito de realizar a autonomia individual. Em segundo lugar, elabora um argumento de dupla ligação com base na relação de apoio entre o direito proposto e dois outros direitos humanos bem estabelecidos, a saber, o direito a um nível de vida adequado e o direito ao desenvolvimento", de acordo com Queralt (2016, p.72 e ss)7.

Portanto, mesmo que de forma assistencial, a realidade é que o auxílio emergencial no período da pandemia expressou de forma muito evidente a proteção dos direitos humanos e a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana, nos termos da Constituição Federal Brasileira. Agora, o momento é de reflexão para a construção e ampliação de outras ou novas formas sustentáveis de inclusão financeira, a exemplo do Grammen Bank brasileiro, como forma de financiamento para a retomada do desenvolvimento sustentável e redução da pobreza, bem como, aproveitar as novas tecnologias e a digitalização dos processos dos serviços financeiros, para que se chegue as referidas metas de forma mais expansiva e eficiente.

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1 Disponível clicando aqui

2 LEYSHON, Andrew.; THRIFT, Nigel. Geographies of financial exclusion: financial abandonment in Britain and the United States. Transactions of the Institute of British Geographers, 1995, p.312.

3 Estudo aponta que auxílio emergencial tirou 13,1 milhões da pobreza Pesquisa se baseou em dados da PNAD Covid, do IBGE. Publicado em 26/8/20 - 16:07 Por Cristina Indio do Brasil - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro. Disponível: clicando aqui. Acesso:10.01.2021.

4 Cfr. NERI, Marcelo C. Microcrédito, o Mistério Nordestino e o Grammen Brasileiro. Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS. 2008.

5 Ibidem.

6 Cfr. ANDERLONI, L.; BRAGA, M. D.; CARLUCCIO, E. M. (Eds.). New frontiers in banking services: emerging needs and tailored products for untapped markets. Berlin, New York: Springer, 2007.

7 Cfr. QUERALT, Jahel. A Human Right to Financial Inclusion" in Ethical Issues in Poverty Alleviation, 2016.

Vanessa Cerqueira Reis de Carvalho

Vanessa Cerqueira Reis de Carvalho

Sócia do escritório Medina Osório Advogados. Doutoranda em Direito Financeiro e Econômico Global pela Universidade de Lisboa. Procuradora do Estado do Rio de Janeiro.

José Francisco Lumango

José Francisco Lumango

Doutorando em Direito Financeiro e Económico Global pela Universidade de Lisboa.

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