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Ausência de juntada de cartões de ponto ou apresentação de cartões contendo horários uniformes

Ausência de comparecimento do reclamante à audiência que deveria prestar depoimento - Confissão recíproca

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Atualizado às 08:16

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No dia 17 de dezembro próximo passado foi publicada notícia no site do Tribunal Superior do Trabalho a respeito de dois julgamentos proferidos pela C. Corte, com o título "Controle de ponto inválido garante horas extras a empregado que faltou à audiência".

Um dos julgamentos foi prolatado nos autos do processo E-RR-3793-17.2010.5.02.0421 pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), sendo que "embora o empregado tenha faltado à audiência, os cartões de ponto apresentados pela empresa foram considerados inválidos", tendo em vista que as anotações eram simétricas ou britânicas.

No outro processo, RR-234-38.2014.5.01.0551, a 7ª turma deferiu as horas extras pleiteadas, considerando que a empresa "não apresentou os cartões de ponto". Em ambos os casos: (I) As Reclamadas possuíam mais de 20 (vinte) empregados; (II) os Reclamantes foram intimados para prestar depoimento em audiência de instrução e não comparecem; e, (III) foram aplicadas confissões recíprocas, condenando-se as demandadas ao pagamento de horas extras, presumindo-se correta a jornada declinada nas respectivas iniciais.

Conforme pode ser observado, a matéria debatida decorre de grande controvérsia instalada nos Tribunais do Trabalho, tanto que em razão de divergências de turmas no TST, o tema chegou à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1).

A premissa para assim decidir, que serve para as duas hipóteses, pode ser extraída do acórdão do processo E-RR-3793-17.2010.5.02.0421, quando foi fundamentado que:

Com efeito, o item I da súmula 338, dispõe que é ônus do empregador enquadrado no art. 74, § 2º, da CLT colacionar aos autos os controles de jornada dos empregados, sob pena de presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho alegada na petição inicial.

No caso de confissão recíproca, como a situação vertente, em que o Reclamante não compareceu à audiência em que deveria depor e a Reclamada não apresentou os controles válidos de frequência, nos termos do art. 74, § 2º da CLT, a questão deve ser dirimida à luz do critério da distribuição do ônus da prova.

Nesse cenário, o entendimento dominante nesta Corte é no sentido de que a pena de confissão ficta aplicada ao Reclamante não afasta a presunção de veracidade da jornada de trabalho, visto que a apresentação de controles válidos de frequência pela Reclamada antecede o momento de comparecimento à audiência e tal ônus decorre de imposição legal (art. 74, § 2º, da CLT).

Para melhor entendimento do tema, destaca-se que o artigo 389, do CPC, diz que caracteriza confissão "quando a parte admite a verdade de fato contrário ao seu interesse e favorável ao do adversário".

Enquanto que a súmula 74, I, do TST, dispõe que "aplica-se a confissão à parte que, expressamente intimada com aquela cominação, não comparecer à audiência em prosseguimento, na qual deveria depor".

O § 2º, do artigo 74, da CLT, em sua redação atual, determina que "para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, permitida a pré-assinalação do período de repouso."

Já os itens I e III, da súmula 338, do TST, estabelecem:

I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-súmula 338 - alterada pela res. 121/03, DJ 21/11/03)

(...)

III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. (ex-OJ 306 da SBDI-I DJ 11/8/03) (Destacamos).

Fixados os pontos do debate, entendemos que a tese que deve prosperar é da corrente, nesse momento, minoritária.

E para sustentação desse pensamento passamos de forma direta a enfrentar a polêmica instaurada.

De plano, realçamos que um dos princípios basilares do direito do trabalho é o da primazia da realidade, segundo o qual "a verdade dos fatos impera sobre o contrato formal, ou seja, caso haja conflito entre o que está escrito e o que ocorre de fato, prevalece o que ocorre de fato."

Outro princípio consagrado em nosso direito processual, e que está relacionado ao acima, é o da busca da verdade real.

Assim, na condução do processo e para formar o livre convencimento o magistrado deve apurar o que realmente aconteceu no conflito posto a julgamento de modo a evitar uma distorção ou alteração da realidade.

E nessa direção, o da busca da verdade real, é o que está inserido no comando da súmula, 338, do TST, seja no caso de não juntada dos cartões de ponto, seja na apresentação de cartões de ponto com registro de horários simétricos.

Temos então que diante da controvérsia apresentada pelo Empregador em contestação, quanto à jornada de trabalho citada na exordial, apesar da não apresentação ou da apresentação de documentos "inválidos", estas circunstâncias não geram presunção absoluta em desfavor do réu.

De fato, inexiste previsão legal no sentido de que, em uma ou outra situação, não seria admitida a produção de prova em momento processual posterior, encontrando-se o processo maduro para ser julgado em relação à questão, devendo prevalecer, portanto, a jornada indicada na peça de ingresso.

Ao contrário, a presunção é relativa, tanto é que assim restou apontado nos itens I e III, da súmula 338.

E em sendo relativa a presunção, o réu poderá produzir prova para comprovar as suas alegações quando da audiência de instrução e o autor deve comparecer para prestar depoimento, porque assim foi determinado.

Para tanto, o réu pode requerer o depoimento do autor durante a audiência de instrução ou produzir prova testemunhal (art. 845, da CLT).

Lembre-se que nas situações em discussão o autor deveria comparecer para prestar depoimento, sob pena se ser considerados verdadeiros os fatos indicados na defesa (súmula 74, I, do TST, que deve ser interpretada em conjunto com os artigos 385, § 1º, e 389, do CPC).

Efetivamente, "o objetivo do depoimento pessoal é esclarecer o Juiz acerca dos fatos da demanda e, concomitantemente, possibilitar à outra parte extrair a confissão real." Ora, com o simples comparecimento do autor em audiência o ônus da prova permaneceria com o réu.

Mas ao fazer a opção de descumprir a determinação judicial, na fase final da colheita das provas (audiência de instrução), aí sim aplica-se única e exclusivamente ao mesmo a penalidade imposta.

Em conclusão, em que pesem relevantes opiniões em sentido diverso, entendemos que, em conformidade ao disposto na legislação em vigor e, notadamente, nos itens I e III, da súmula 338, do TST, não há que se falar em aplicação de confissão recíproca em desfavor do réu nas hipóteses em análise.

Orlando José de Almeida

Orlando José de Almeida

Sócio do escritório Homero Costa Advogados.

Cristina Simões Vieira

Cristina Simões Vieira

Colaboradora do escritório Homero Costa Advogados

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