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Consensualismo e produção antecipada de provas

A concretização da "cultura de paz" é estimulada por uma prova qualificada e útil, cuja finalidade não é, apenas, a preservação da prova, mas, precipuamente a autocomposição.

quinta-feira, 4 de março de 2021

Atualizado às 08:42

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

Consensualismo, busca de soluções acordadas, diminuição de litigiosidade. Estas, entre tantas expressões, revelam a intenção à pacificação. A "cultura de paz", com a qual me defrontei, pela primeira vez, nos idos de 2005, na fala de líderes budistas como Lama Ganchen Riponche, Lama Michel e Débora Tabacof, encontram vocação no Código de Processo Civil.

Iniciativas como a opção pela realização de audiência prévia de mediação ou conciliação, prevista no art. 319, VII do Codex Processual revelam a introdução de meios consensuais de solução no âmbito de processo adversarial, pois o Autor, apesar da propositura de uma ação judicial pode conceder a oportunidade à negociação conciliada, dando ao Réu, igualmente, a oportunidade de aderir à audiência prévia de mediação ou conciliação.

Mas, é relevante a presença dessa índole consensual na medida cautelar de produção antecipada de provas.

É sabido que o atual diploma regulador do processo civil adotou estrutura que não mais prevê o processo cautelar como procedimento autônomo, imantando-o na tutela de urgência, para abarcar no gênero da tutela urgente também as necessidades instrumentais acauteladoras do antigo "processo cautelar".

Todavia, a medida de produção antecipada de provas, prevista no art. 381 do CPC, manteve-se como medida autônoma e com contornos próprios, cabível nas hipóteses de risco de perecimento da prova, pela perda dos elementos necessários à comprovação dos fatos, mas houve a inovação

Parece-nos absolutamente relevante a disposição contida no artigo 381, II e III do CPC, pela dicção do dispositivo que prevê ser hipótese de admissão da prova antecipada aquelas situações em que "a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito" ou "(...) evitar o ajuizamento de ação."

Significa dizer que são duas previsões normativas inovadoras, que reafirmam a possibilidade de uma solução consensual, ressignificadas no âmbito da tutela jurisdicional. Ou seja, o art. 381, II e III do CPC descortinam um campo fértil para a construção e desenvolvimento da busca pela solução conciliada, especialmente por se encontrar sob o manto do contraditório judicial.

A prestação jurisdicional no âmbito da produção antecipada de prova, não apenas se desenvolve com a segurança da prova produzida sob a dialética do processo judicial, como é homologada pelo juiz, imprimindo a impossibilidade de rediscussão das conclusões probatórias, podendo ser proposta em caráter preparatório ou até incidentalmente em processo judicial ou extrajudicial.

Notadamente em se tratando de prova pericial técnica, revela-se muito adequada a sua produção antecipada, naqueles conflitos que envolvem controvérsias específicas, a exemplo de contratos de longa duração ou de execução de objetos complexos. Além de manter a higidez dos fatos, cuja dinâmica da execução contratual pode ultrapassar, a prova pericial ensejará balizas concretas para que as partes sejam motivadas ao consenso, com a segurança da prova homologada judicialmente.

Ainda, a produção da prova na forma do art. 381 do CPC, presta-se à interrupção da prescrição, consoante a aplicação do art. 202, I, V e § único do Código Civil e afigura-se como medida de baixo risco sucumbencial, pois a cautelar de produção antecipada de provas tem, por excelência aspecto teleológico instrumental, sem efeito satisfativo concreto.

Enfim, a concretização da "cultura de paz" é estimulada por uma prova qualificada e útil, cuja finalidade não é, apenas, a preservação da prova, mas, precipuamente a autocomposição, mencionada explicitamente no inciso II, e que decorre da expressão "evitar o ajuizamento da ação", prevista no inciso III do art. 381 do CPC.

Evane Beiguelman Kramer

Evane Beiguelman Kramer

Advogada do escritório Dal Pozzo Advogados.

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