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A obsolescência do voto obrigatório

O objetivo do artigo é demonstrar a obsolescência do voto obrigatório em virtude do precedente aberto nas últimas eleições municipais, em que os números revelaram uma abstenção vertiginosa de voto.

quinta-feira, 4 de março de 2021

Atualizado às 10:03

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

A Constituição Cidadã, em seu artigo 14, § 1º, preconiza que o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos e facultativos para os analfabetos, maiores de setenta anos e maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

Com efeito, o eleitor, obrigado a votar, que comparece a eleição e vota, exerce o seu direito de voto e, inclusive, a obrigatoriedade contida na Carta Magna.

Por outro lado, de acordo com o artigo 7º, caput, do Código Eleitoral, o eleitor que não comparece a eleição e, que depois, no prazo de 30 (trinta) dias após a realização da eleição, não justifica a sua ausência perante o juiz eleitoral, incorre no recebimento de multa.

Além do mais, de acordo com o § 1º do referido dispositivo, o eleitor que não possuir a prova de que votou, de que justificou ou, ainda, de que pagou a multa pela ausência, ficará impedido de (i) se inscrever em concurso público, (ii) receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou paraestatal, (iii) participar de concorrência pública ou administrativa, (iv) obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, (v) obter passaporte ou carteira de identidade, (vi) renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo e (vii) praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.

Inclusive, o eleitor que não exercer o seu direito de voto em 3 (três) eleições consecutivas, não pagar a multa ou não se justificar no prazo de 6 (seis) meses, a contar da data da última eleição a que deveria ter comparecido, terá o seu título de eleitor cancelado (vide artigo 7º, § 2º, do Código Eleitoral) "perdendo, pois, sua condição de cidadão"1.

Ocorre que, na prática, muitos eleitores, desinteressados pela política, acabam recorrendo à justificativa de voto e, caso a sua justificativa não seja acatada pelo juiz eleitoral, ao pagamento da multa que, por sinal, trata-se de uma penalidade sobremaneira branda, uma vez que o seu valor, de apenas R$ 3,51 (três reais e cinquenta e um centavos) por cada turno não comparecido, é irrisório.

Logo, vemos que a obrigatoriedade de voto é presente na Constituição, mas, entretanto, é facilmente obstada pelo cidadão - um forte indício da obsolescência do voto obrigatório, cujas regras, inclusive, estão previstas em um Código legislado durante o período do Regime Militar, no ano de 1965.

Prova disso, é que mesmo antes da COVID-19, era bastante comum os eleitores não comparecerem às eleições e justificarem a sua ausência e/ou pagarem a multa pelo não comparecimento.

Para se ter uma noção, nas eleições do município de São Paulo de 2016, o número de abstenções foi de 1.940,454 (um milhão, novecentos e quarenta mil e quatrocentos e cinquenta e quatro), o que representa 21,84% do eleitorado da cidade2; nas eleições presidenciais de 2018, o número de abstenções foi de 29.941,171 (vinte e nove milhões, novecentos e quarenta e um mil e cento e setenta e uma) para o primeiro turno, e de 31.371,704 (trinta e um milhões, trezentos e setenta e um mil e setecentos e quatro) para o segundo turno, números que representam 20,81% do eleitorado brasileiro3.

Ocorre que, com o advento da pandemia do novo Coronavírus, a situação ficou ainda mais alarmante, uma vez que o número de abstenção cresceu exponencialmente, de maneira que, nas eleições do município de São Paulo, o número de abstenções cresceu de 1.940,454 (um milhão, novecentos e quarenta mil e quatrocentos e cinquenta e quatro) para 2.632.587 no primeiro turno4, e 2.769.179 no segundo turno4, o que representa 30,05% do eleitorado da cidade.

Inclusive, o resumo geral das eleições municipais de 2020 elaborado pelo TSE aponta que 29,50% do eleitorado se absteve de votar5, revelando uma crescente de 8% em relação às eleições anteriores, de 2016.

A vertiginosa crescente no número de abstenções se deu, em grande parte, é claro, em decorrência da crise sanitária enfrentada pelo mundo que, a cada dia, ceifa milhares de famílias; noutra parte, no entanto, se deu em virtude da nova gestão do Tribunal Superior Eleitoral que, sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso - um juiz com histórico progressista que, inclusive, afirmou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo que "a gente começa a fazer uma transição. O modelo ideal é o voto facultativo e, em algum lugar do futuro não muito distante, ele deve ser (implementado)"7  -, facilitou em muito a justificativa eleitoral, tendo em vista que o eleitor que não apresentasse a justificativa no dia da votação, poderia apresentá-la virtualmente pelo aplicativo e-Título e pelo Sistema Justifica ou, ainda, de forma pessoal, como já antes era feito, pela entrega do formulário Requerimento de Justificativa Eleitoral em qualquer zona eleitoral em até 60 (sessenta) dias após cada turno da votação8.

Assim, o TSE, ao ampliar a justificativa eleitoral, abriu precedente jamais visto na história eleitoral brasileira, o que indubitavelmente impulsionará novas discussões a respeito do voto obrigatório que, por sua vez, poderá viabilizar futura alteração no corpo da Constituição, para que o hoje (e já quase obsoleto) voto obrigatório se torne de vez facultativo, uma vez que "o voto deve ser percebido pelas pessoas como um direito, não como uma obrigação"9.

E por falar na vontade popular (além daquela expressada no número de abstenções), o Instituto de Pesquisa Datafolha, ao coletar dados no período de 8 a 10/12/20, verificou que 56% dos entrevistados são contra a obrigatoriedade do voto, sendo o índice mais alto registrado desde 199410.

Conclui-se, portanto, que a obsolescência do voto obrigatório já está bastante avançada. Resta agora, aguardarmos a sua efetivação mediante proposta, votação e aprovação de emenda à Constituição nos termos do artigo 60 da lei Maior.

__________

1- GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. Grupo GEN, 2020. Fls. 658 (ebook)

2- TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL - SP. Eleições municipais 2016, São Paulo - SP: Comparecimento e abstenção por município. Disponível aqui. Acesso em: 23/02/2021

3- TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Divulgação de Resultados de Eleições. Disponível aqui. Acesso em: 23/02/2021

4- TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL - SP. Eleições Municipais 2020, São Paulo - SP: Resultado da totalização, 1º turno. Disponível aqui. Acesso em: 23/02/2021

5- TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL - SP. Eleições Municipais 2020, São Paulo - SP: Resultado da totalização, 1º turno. Disponível aqui. Acesso em: 23/02/2021

6- TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Resumo Geral. Disponível aqui. Acesso em: 14/12/2020

7- CONJUR. Segundo presidente do TSE, Brasil caminha para o voto facultativo. Acesso em: 23/02/2021

8- TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Justificativa eleitoral. Disponível aqui. Acesso em: 14/12/2020

9- SENADO, Agência. Especialistas analisam abstenção recorde nas eleições de 2020. Disponível aqui. Acesso em: 14/12/2020

10- FOLHA DE S. PAULO. Pesquisa Nacional. Disponível em: aqui. Acesso em: 23/02/2021

Pedro Henrique Fernandes de Souza

Pedro Henrique Fernandes de Souza

Acadêmico de Direito pela UNINOVE e estagiário trabalhista do escritório Teixeira Fortes Advogados.

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