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A incerteza das intimações dúplices: O que esperar do julgamento dos EAREsp 1.663.952/RJ pela Corte Especial do STJ

O STJ retomará o julgamento do EAREsp 1.663.952/RJ com o intuito de uniformizar o entendimento se deve ser considerado válido o ato que intima o advogado constituído via portal eletrônico do Tribunal ou aquele realizado via Diário da Justiça Eletrônico.

sexta-feira, 12 de março de 2021

Atualizado às 12:28

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

1. O recurso a ser analisado pela corte especial

No próximo dia 17 de março, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça retomará o julgamento do EAREsp 1.663.952/RJ. O recurso tem como objeto uniformizar a interpretação para as situações em que ocorre dupla intimação dos advogados constituídos em processos eletrônicos, isto é, nos casos em que os advogados são intimados de determinado ato processual através do portal eletrônico do Tribunal e, ainda, por meio do Diário da Justiça Eletrônico (DJe), qual seria o ato válido e a ser considerado para fins de prazos processuais.

Relembrando, o ministro Raul Araújo é o relator do recurso e, em fevereiro deste ano, apresentou voto, no qual defende prevalecer a intimação realizada por meio do portal eletrônico do Tribunal1. Em outros termos, o ministro fundamentou sua decisão de que deve ser observado o que dispõe o art. 5º da lei 11.419/062.

Oportuna a ressalva de que a discussão não é nova. Com efeito, o STJ já enfrentou a matéria em diversas oportunidades, sendo o entendimento majoritário que nas hipóteses de intimações dúplices dos advogados constituídos [portal eletrônico e DJe], a intimação da imprensa oficial deve prevalecer.

2. Intimação eletrônica vs. Intimação via DJe

Os atos processuais são comunicados via cartas (de ordem, rogatórias, precatórias e arbitrais), citação e intimações, sendo que esta última, como se verifica a partir do art. 269 do CPC, pode ocorrer por (a) meio eletrônico, (b) publicação oficial, (c) escrivão ou chefe de secretária, pessoalmente ou pelo correio, (d) oficial de justiça, ou, por fim, (d) via edital. O Legislador dispôs, no art. 270 do CPC, que "As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico", e, quando não possível, deve ser efetivada pela publicação no órgão oficial (CPC, art. 272).

Com a informatização do processo judicial, surgiu a Lei do Processo Eletrônico, a qual acrescentou o parágrafo único ao art. 237 do revogado CPC/73, que expressamente consignava a possibilidade de as intimações serem realizadas por meio eletrônico. A modalidade de intimação eletrônica, conforme arts. 4º e 5º, da Lei do Processo Eletrônico, pode ocorrer de duas formas: via DJe ou portal eletrônico do Tribunal.

A intimação via DJe é há muito utilizada na prática forense e dispensa contribuições a respeito. Por seu turno, a intimação por meio de portal eletrônico é mais "recente", que merece uma análise mais cautelosa.

Em primeiro lugar, importante observar a condição imposta para validade da intimação via portal eletrônico do Tribunal (conforme art. 5º da mencionada lei): a necessidade de cadastramento prévio dos advogados no sistema eletrônico do Tribunal. Posteriormente ao cadastro, a publicação via DJe estaria dispensada3.

Ocorre que surgiram interpretações divergentes na doutrina e na jurisprudência quando ambas as modalidades de intimações são realizadas, o que, para alguns, poderia influir na contagem dos prazos processuais4, o que, já adiantamos, não parece prosperar à luz da precisão do texto legal.

O STJ enfrentou esta problemática em algumas oportunidades, sendo formado entendimento consideravelmente firme que deveria ser preterida a intimação via portal eletrônica, quando também realizada a intimação do ato processual via DJe, sob o argumento de que o parágrafo segundo, do art. 4º, da Lei de Processo Eletrônico preceitua que "A publicação eletrônica na forma deste artigo substitui qualquer outro meio e publicação oficial".

No entanto, a despeito do posicionamento aparentemente majoritário, determinadas turmas do STJ5-6 caminharam em sentido oposto e entenderam, em consonância com a vontade do Legislador, segundo pensamos, que as comunicações eletrônicas destinadas aos advogados via portal do Tribunal devem ser consideradas como fonte oficial de intimação do ato processual e, assim, devem prevalecer em detrimento do ato publicado no DJe7.

Ainda neste aspecto, interessante observar, quando do julgamento do AgInt no AREsp 1.399.519/RJ, a posição adotada pelo Ministro Sanseverino, ao proferir voto, acompanhado por seus pares, muito bem fundamentado a nosso ver, ressaltando o entendimento predominante do STJ, inclusive da Corte Especial, porém defendendo a prevalência à intimação via portal eletrônico do Tribunal em caso de duplicidade de intimação.

O Relator ainda chamou atenção ao fato de ter sido apresentado projeto de lei8, perante a Câmara dos Deputados, objetivando acrescentar na Lei do Processo Eletrônico, especificamente no art. 5º, que, em casos como o em debate, deve prevalecer a publicação realizada via portal eletrônico do tribunal. Na justificativa da proposta legislativa, o Parlamentar destaca a "forte incongruência no STJ quanto ao mecanismo a ser adotado para fins de contagem de prazos, ou seja, se deve ser considerada a data da publicização do Dje ou a intimação eletrônica levada a efeito no Portal Eletrônico", o que ocasiona "portentosa insegurança jurídica".

Considerando a ausência de alteração legislativa e a atual, apresentamos abaixo nossas expectativas do que pode advir do julgamento.

4. A expectativa

Em que pese o entendimento majoritário do STJ, esperamos a adoção do posicionamento minoritário de que nas situações de intimações dúplices, prevaleça, sobretudo diante do disposto no art. 5º da Lei do Processo Eletrônico, aquela realizada pelo portal eletrônico do Tribunal.

Não podemos deixar de pontuar, inobstante seja louvável a intenção do STJ de uniformizar9, mais uma vez, a interpretação desta divergência, e, assim, eliminar a inegável segurança jurídica que assola atualmente os jurisdicionados, ainda mais importante é que esta (nova) uniformização mantenha-se estável e coerente, afinal, como Alexandre Freire10 já apontou, "A espera deve ser sempre de algo estável, íntegro e coerente".

Resta agora, sobretudo aos advogados atuantes na jurisdição contenciosa, aguardar a decisão colegiada da mais alta Corte para matéria infraconstitucional, e, assim esperamos, eliminar os sentimentos de insegurança e incerteza.

_________

1 Clique aqui. Acesso em 10/3/21.

2 Simplesmente denominada de Lei do Processo Eletrônico.

3 Sob este aspecto, Daniel Mitidiero afirma: "A intimação pelo Diário da Justiça Eletrônico não se confunde com a intimação pelo Portal Eletrônico. O advogado pode se cadastrar para receber comunicações eletrônicas pelo Portal. Nesse caso, como regra específica, as comunicações pelo Portal dispensam as comunicações pelo Diário" (MITIDIERO, Daniel. Processo Civil. 1. ed. em e-book. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2021. Capítulo IV, n.p.). Em sentido semelhante: ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil: teoria do processo e processo de conhecimento. 2. ed. em e-book baseada na 17. ed. impressa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2017. Item 13, n.p.

4 O Prof. Cruz e Tucci entende, com razão, não ser passível de dúvidas ou interpretação diversa de que a intimação via portal eletrônico do Tribunal prevalece sobre aquela realizada via DJe. Acesso em 10/3/21.

5 A título exemplificativo, trazemos alguns julgados recentes de diversas turmas do Eg. STJ: AgRg no AREsp 1.681.231/RJ. Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz. 6ª turma. Julgado em 2/3/21; AgInt nos EDcl no AREsp 1.659.603/RJ. Rel. Min. Sérgio Kukina. 1ª turma. Julgado em 23/2/21; AgRg no AREsp 1.770.623/RJ. Rel. Min. Laurita Vaz. 6ª turma. Julgado em 15/12/20; AgInt na AR 6.597/DF. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. 2ª seção. Julgado em 29/9/20; AgRg no AREsp 1.482.488/RJ. Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro. 6ª turma. Julgado em 23/6/20; AgRg no AREsp 1.580.202/RJ. Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (desembargador convocado do TJ/PE). 5ª turma. Julgado em 10/3/20.

6 Pontuamos, ainda, que ao se analisar o inteiro teor dos acórdãos atinentes ao tema, chega-se ao acórdão que julgou, em 14/6/16, o AgRg no AREsp 629.191/RJ, da terceira turma e sob relatoria do Min. Moura Ribeiro.

7 Destacamos, nesse sentido, alguns julgados do Eg. STJ: EDcl no AgInt no AREsp 1.281.774/AP. Rel. Min. Paulo De Tarso Sanseverino. 3ª turma. Julgado em 16/3/20; AgInt no AREsp 1.330.052/RJ. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. 4ª turma. Julgado em 26/3/19; AgInt no AREsp 1.227.973/RJ. Rel. Min. Sebastião Reis Júnior. 6ª turma. Julgado em 5/6/18; AgInt no AREsp 903.091/RJ. Rel. Min. Paulo De Tarso Sanseverino. 3ª turma. Julgado em 16/3/17; AgRg no AREsp 525.228/SP. Rel. Min. Gurgel de Faria. 5ª turma. Julgado em 4/8/15.

8 Projeto de lei apresentado em pelo Deputado Federal Aureo Ribeiro, em 8/5/19, sendo autuado sob o 2.576/19, que atualmente se encontra na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

9 MÜLLER, Júlio Guilherme. O Papel Fundamental do Superior Tribunal de Justiça no Contexto do Estado Democrático de Direito: reflexões a partir do interesse público de uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional. In: Revista de Processo. São Paulo: Ed. RT, 2014, n. 238; FARIA, Márcio Carvalho. As Funções das Cortes Superiores, os Recursos Excepcionais e a Necessária Revisão dos Parâmetros Interpretativos em Relação à Lealdade Processual (parte um). In: Revista de Processo. São Paulo: Ed. RT, 2015, n. 247.

10 FREIRE, Alexandre. Precedentes Judiciais: conceito, categorias e funcionalidade. In: A Nova Aplicação da Jurisprudência e Precedentes no Código de Processo Civil/2015: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim. Dierle Nunes, Fernando Gonzaga Jayme e Aluisio Mendes (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017. Item 3.3, n.p.

Lucas Ribeiro Vieira Rezende

Lucas Ribeiro Vieira Rezende

Advogado do escritório Kasznar Leonardos | Propriedade Intelectual, com atuação em Contencioso Cível e Propriedade Intelectual. Graduado em Direito pela PUC/SP. Especialista em Direito e Economia. Mestrando e pós-graduando em Direito Processual Civil na PUC/SP.

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