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Tristeza é pouco... A morte repentina de Antonio Carlos Malheiros!

A presença de sua ausência, sem qualquer sombra de dúvida, será sentida por um exagerado séquito de Amigos!

quarta-feira, 17 de março de 2021

Atualizado às 18:54

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Logo pela manhã da quarta-feira, 17, fui surpreendido, assim como muitos outros colegas, pela lamentável notícia do falecimento do fraterno Amigo Antonio Carlos Malheiros!

Na vida, há pessoas que transitam sem deixar muitos simpatizantes, há outras que morrem ensejando o pranto de parentes e amigos e há, ainda, um reduzido número de seres humanos, cujo  falecimento produz enorme consternação entre parentes, amigos, fãs, admiradores e até mesmo em quem não os conhecia... Entre estes encontra-se o velho Malha!

Não há, com toda certeza, na nossa comunidade jurídica, quem não esteja de luto pelo seu inesperado falecimento!

Franciscano da gema, da turma de 1973, marcou época nas Arcadas, pelo coleguismo e, também, por demonstrar fidalguia, carinho e amizade aos professores. Meu pai o tinha como aluno predileto... Na verdade, a admiração germinada na Faculdade era mútua, protraindo-se por décadas...

Antonio Carlos, durante o curso universitário, foi estagiário e depois colega de seu ilustre irmão, Lauro Malheiros Filho, no escritório da Rua Riachuelo, 73, no mesmo edifício em que localizadas as afamadas bancas de advocacia do Professor Noé Azevedo e de Theotonio Negrão. 

Inspirado no aprendizado seguro e ético que obtivera, vibrava com o exercício profissional da advocacia. Malheiros confessava, com frequência, que adorava advogar! E, de fato, abraçou a profissão com deliberado empenho e entusiasmo, chegando inclusive a integrar durante vários anos o Conselho Diretor e a Diretoria da prestigiosa Associação dos Advogados de São Paulo.

Foi lá, na sede da Francisco Cruz, no início da década de 90, que eu o conheci mais de perto, tornando-me seu amigo e admirador. Jamais se aborrecia ele nas discussões, às vezes acaloradas, do Conselho, mesmo quando eventual e raramente ficava vencido.

Foi também conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, na Seção de São Paulo, e do Instituto dos Advogados de São Paulo.

Antonio Carlos Malheiros dedicou-se a vida toda em prol das pessoas desfavorecidas, sobretudo como Presidente da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo. Homem de opinião, tinha marcante posição política em busca de um Brasil mais justo e igualitário. Malheiros foi também ativo militante dos Direitos Humanos, engajado em sucessivos projetos sociais, tendo sido, em diversas ocasiões, homenageado por seus inúmeros trabalhos voluntários.

Era ele um dos contadores de histórias da Associação Viva e Deixe Viver, sendo um de seus fundadores em 1997, da qual foi diretor.

Depois de 30 anos de efetivo exercício da advocacia, em 2004, ingressou pelo quinto constitucional, na classe dos advogados, como juiz do 1º Tribunal de Alçada Civil.

Todos os seus amigos podem atestar que o caráter afável e sincero de Antonio Carlos Malheiros, como pessoa humana digna, não sofreu mutação alguma, mínima que fosse, quando abandonou a beca, passando a vestir a toga... Certo dia um advogado do interior, sem muita experiência, chegou no prédio do Pátio do Colégio para sustentar no período da tarde. O julgamento tinha ocorrido pela manhã. Sabendo do desapontamento do advogado, o Dr. Malheiros, a despeito de o caso já ter sido julgado, convidou-o a tomar um café em seu gabinete e ouviu calmamente os argumentos do causídico, apenas para lhe dar a atenção merecida!...

Promovido na carreira, como desembargador, atuando na 3ª Câmara de Direito Público, deixou o seu nome inscrito nos umbrais do Tribunal de Justiça bandeirante. Iluminava as sessões com a sua simpatia, fazendo questão de cumprimentar, não apenas os seus pares, mas igualmente os advogados presentes e, em especial, os funcionários.  O advogado da tribuna podia contar que em momento algum seria surpreendido por qualquer ato ríspido provindo do desembargador Malheiros, muito pelo contrário.

Integrando o Órgão Especial do Tribunal de Justiça, Malheiros mostrava inequívoca independência e destemor. Chegou a ficar solitariamente vencido em vários julgamentos e nem por isso recebeu crítica de seus pares. Era deveras respeitado e honrou o quinto da advocacia na Corte paulista.

Apreciava um bom charuto e boa música... Lembro-me, no retorno de uma viagem de lazer a Nova Iorque, de sua satisfação em me contar que estivera, numa noite, no bar do hotel Carlyle, assistindo de corpo e alma a apresentação da banda de Woody Allen. Demonstrava, com aquele indefectível sorriso espontâneo, a inebriante sensação de alegria que experimentara durante o show...

Malheiros recebeu, em 2016, a mais alta comenda outorgada pela Câmara Municipal àqueles que prestam serviços à comunidade paulistana: a Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo.

Em tal ocasião, o então Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, asseverou: "Malheiros é professor da solidariedade, um campeão das olimpíadas da fraternidade. Não é um simples desembargador, é um homem com dom de julgar, ajudar e é referência a todos nós. Você é um exemplo a seguir. Que Deus lhe dê em dobro, em triplo, o que faz à Magistratura e a todas as pessoas".

Viveu intensamente!

Era "plúrimo": filho exemplar, advogado militante, excelente colega, grande magistrado, solidário ao próximo, enfim, um homem fora dos padrões que exornam a personalidade da maioria das pessoas. Jamais ouvi de sua boca qualquer palavra desabonadora em relação a quem quer que fosse! Era, por certo, de outro planeta, como bem detectado pelo advogado Marcelo Feller, em missiva enviada, em 2016, ao Malheiros.

A presença de sua ausência, sem qualquer sombra de dúvida, será sentida por um exagerado séquito de Amigos!

José Rogério Cruz e Tucci

VIP José Rogério Cruz e Tucci

Advogado, professor titular sênior da faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e ex-presidente da AASP.

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