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Insegurança tributária na extinção de empresa off shore

No campo tributário, encontramos típico caso de hibridismo em recentes autuações federais fundamentadas na solução de consulta Cosit 678/17, resultando numa nova espécie de tributação nos casos decorrentes de liquidação de participação societária no exterior.

sexta-feira, 26 de março de 2021

Atualizado às 12:19

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Hibridismo é fenômeno existente em diversos campos do conhecimento. Na gramática, corresponde à palavra resultante da mistura dos vocábulos de duas ou mais línguas.

Na biologia, está presente na junção de dois seres de espécies diferentes, os quais cruzados entre si formam um novo ser, chamado de híbrido, e que devido à incompatibilidade de genes é estéril. É o caso da mula (cruzamento entre cavalo e jumenta).

No campo tributário, encontramos típico caso de hibridismo em recentes autuações federais fundamentadas na solução de consulta Cosit 678/17, resultando numa nova espécie de tributação nos casos decorrentes de liquidação de participação societária no exterior, qual seja: ganho de capital (GCAP) sujeito ao carnê-leão (27,5%).

Colocando em termos bastante práticos, um contribuinte que detém participação em sociedade off shore deve declarar o custo de aquisição em sua DIRPF, em reais (BRL), nos termos do art. 25, § 3º, da lei 9.250/95.

No momento em que tal participação societária é alienada, tributa-se a diferença recebida a maior como ganho de capital (15% a 22,5%), sendo relevante verificar a origem dos recursos que geraram o ganho, na medida em que: (I) se a origem for moeda estrangeira, a variação cambial é isenta; e (II) se a origem for moeda nacional, a variação cambial é tributada (art. 10, VII, da IN RFB 1.500/14, e arts. 4º e 14, II, da IN SRF 118/00).

Ocorre que, a partir de caso envolvendo o Regime de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), a Receita Federal entendeu que na liquidação de empresa off shore, com a devolução do capital ao sócio em dinheiro, não haveria que se falar em alienação e, portanto, regime de tributação pelo GCAP.

Ou seja, entendeu-se que o dinheiro integralizado pelo sócio na empresa nunca mudou de titularidade, por isso que sua devolução não se enquadraria como espécie de alienação. Nos termos da Cosit 678/17, "na devolução do capital em dinheiro não existe alienação, pois o capital devolvido não havia deixado de ser propriedade do acionista/quotista/titular."

Assim, ausente o conceito de alienação, não haveria que se falar em tributação pelo ganho de capital (lei 7.713/88, art. 3º, §§ 2º e 3º).

Nessa perspectiva, o dinheiro então deixou de ser uma espécie de bem fungível, para se tornar um terceiro gênero, não compreendido nem na categoria de bens, nem de direitos: talvez uma novidade no direito brasileiro, uma ficção jurídica criada apenas para a interpretação de regras tributárias mais onerosas!

Com isso, nos casos de liquidação de participação societária com devolução do capital em dinheiro, não se aplicaria o regime jurídico do ganho de capital (15% a 22,5%), passando-se para o regime de rendimento sujeito ao carnê-leão (27,5%).

E nos termos da indigitada Cosit 678/17, a base de cálculo desse rendimento seria a "diferença positiva entre o valor devolvido do capital em dinheiro de pessoa jurídica situada no exterior e respectivo valor da participação acionária."

Ou seja, a Cosit acabou criando um regime jurídico híbrido em que, apesar de não se tratar de hipótese de ganho de capital, mas rendimento submetido ao carnê-leão, considera o custo de aquisição e toma por base de cálculo o ganho de capital.

Eis aí a nossa mula tributária: apesar de não se tratar de ganho de capital (15% a 22,5%), tributa-se como ganho de capital, mas sob a tabela progressiva (27,5%)!

E pior, nas autuações fiscais que se sucedem a partir daí, tributa-se à 27,5% toda a variação cambial apurada pela diferença do custo de aquisição da participação em reais e o montante devolvido ao sócio em reais, sem sequer se preocupar quanto à origem dos recursos, o que revela grave impropriedade, sobretudo nos casos regularizados no âmbito do RERCT, onde sequer se questiona a origem nacional ou estrangeira.

Portanto, diferentemente da biologia, nossa mula tributária parece não ser estéril, gerando filhotes interpretativos como a Solução de Consulta Disit 3.008/19 e as diversas autuações que se sucedem, a ver pelo Acórdão 2202-004.849, da 2ª TO da 2ª Câmara da 2ª Seção do CARF, ainda pendente de julgamento final junto à CSRF.

Dois últimos pontos, enfim, merecem destaque: (I) a Cosit 678/17 em nenhum momento determinou a tributação do próprio capital, ou da variação cambial sobre o capital devolvido no âmbito do RERCT; e (II) é irrelevante e absolutamente desnecessário o debate instaurado em torno da isenção contida no § 4º do art. 22 da lei 9.249/95, pois não se aplica à liquidação e devolução de participação off shore.

A distribuição de lucros acumulados em empresa off shore para o sócio pessoa física no Brasil, não há dúvidas, é tributada a 27,5%.

Rodrigo Massud

Rodrigo Massud

Sócio do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados.

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