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Convenção de condomínio pode vedar locação via plataformas digitais?

A mera disponibilização do imóvel em plataforma digital não configura atividade comercial e, via de regra, não traz nenhum prejuízo direto ao condomínio ou demais condôminos.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Atualizado às 15:49

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A 4ª turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) voltará, no próximo dia 13/4, a julgar o Recurso Especial 1.819.075/RS, o qual será de extrema importância para o mercado imobiliário no Brasil. O caso de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão terá necessariamente que estabelecer alguns parâmetros comportamentais no que tange à utilização de plataformas digitais para viabilizar locações de natureza residencial: (I) estaríamos realmente diante de contrato de locação por curta temporada ou de contrato atípico de hospedagem?, (II) a convenção de condomínio teria o poder de vedar ou limitar esse tipo de contratação?, (III) qual seria a posição contratual das plataformas digitais? e (IV) qual será a tendência de julgamento do Superior Tribunal de Justiça para assuntos que decorram da economia de compartilhamento, que é uma inegável tendência cada vez mais forte no mundo?

Não obstante o recente pedido de vista do ministro Raul Araújo, o que postergou a conclusão do julgamento iniciado em 10 de outubro de 2019, podemos perceber que o voto encaminhado pela relatoria estabelece uma coerente, moderna e importante interpretação do tema sob a ótica das novas matrizes econômicas de compartilhamento. É inegável que MERCADO LIVRE, UBER, AIRBNB, BOOKING.COM e outras plataformas digitais quebraram a cadeia de negociação convencional e estabeleceram uma nova dinâmica nas relações de consumo. Se por um lado o Poder Judiciário não pode ir na contramão dessa nova tendência mundial, existe sim a necessidade de maior normatização dessas atividades (sem burocratuização e inviabilização), fato que se reverterá para a sociedade civil, como um todo, por intermédio do prestígio da segurança jurídica para toda a cadeia afetada pelos novos negócios.  

Ao contrário do entendimento do TJ/RS, o ministro relator Luis Felipe Salomão votou muito acertadamente pelo provimento do Recurso Especial para afastar a tese de que, no caso concreto, o contrato firmado para cessão onerosa de imóvel promovido por intermédio da plataforma AIRBNB não se trata de contrato atípico de hospedagem (lei 11.771/08), mas sim contrato de locação residencial de curta duração. Nesse ponto, resta clara, ao menos para o Ministro Relator, a incidência normativa da Lei de Locações (8.245/91), tendo em vista que o art. 48 da lei 8.245/91 considera residencial e não deixa dúvidas o uso do imóvel por locatário para lazer por prazo inferior a 90 dias.

Outro importante ponto proposto pelo voto do ministro relator foi o estabelecimento de limites, de acordo com o princípio da razoabilidade, ao poder da convenção de condomínio ao vetar esse tipo de operação entre os seus membros. O entendimento posto, do qual compartilhamos é que a convenção de condomínio estaria violando arbitrariamente o direito legítimo de propriedade ao vedar condôminos no direito de locar residencialmente seus imóveis.

A mera disponibilização do imóvel em plataforma digital não configura atividade comercial e, via de regra, não traz nenhum prejuízo direto ao condomínio ou demais condôminos. Para legitimação de uma restrição legítima a um princípio constitucional seria necessária cabal comprovação de existência de prejuízo coletivo, o que nao é o caso. Por outro lado, resta evidente que nesse tipo de atividade o Locador do imóvel (e não a plataforma) responderá adequadamente junto ao condomínio pela ocorrência de situações gerais e posturas do hóspede locatário que estejam em desacordo os limites impostos pela convenção.     

Já com relação à posição das plataformas digitais em relações jurídicas derivadas, o voto da relatoria sugere medidas distintas: no plano processual, ao AIRBNB, foi deferida a participação como assistente simples (medida excepcional de participação de terceiro interessado com o objetivo de auxiliar no julgamento da corte) - e no plano material o ministro Luis Felipe Salomão acertadamente considerou a plataforma digital apenas como um meio de materialização e aproximação contratual. A plataforma digital não é sujeito de relação jurídica material nessa hipótese, afirmando ainda o Relator que "a locação realizada por tais métodos (plataforma virtual) é até mais segura - tanto para o locador como para a coletividade que com o locatário convive, porquanto fica o registro de toda a transação financeira e dos dados pessoais deste e de todos os que vão permanecer no imóvel, inclusive com histórico de utilização do sistema".

Por fim, o voto do ministro relator Luis Felipe Salomão ainda reconhece que a interpretação judicial deverá sim levar em consideração as novas formas sociais de contratação e o judiciário deverá estar atento para as questões jurídicas que possam decorrer da economia de compartilhamento.

Nas próximas semanas, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) está prestes a gerar um leading case que cuidará de definir parâmetros concretos para os usuários de serviços de compartilhamento na web. Os termos dessa decisão definirão e mostrarão ao mundo se o Brasil está preparado para absorver internamente um conceito novo, moderno e que se tornou uma grande tendência mundial, qual seja, o compartilhamento econômico de diversas atividades.

Hugo Filardi

Hugo Filardi

Bacharel em Direito pela UFRJ. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Sócio do escritório SiqueiraCastro.

Gustavo Gonçalves Gomes

Gustavo Gonçalves Gomes

Advogado. Doutor e mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Especialista em Relações de Consumo. Sócio do escritório SiqueiraCastro.

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