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A LGPD e a sustentabilidade do setor de saúde

A saúde no Brasil é universalizada constitucionalmente, ou seja, todos têm direito de acesso à saúde consoante artigo 196 da Constituição Federal.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Atualizado às 12:41

1.Introdução

O presente artigo tem como finalidade demonstrar que a Lei Geral de Proteção de Dados ("LGPD") tem a capacidade de auxiliar o setor da saúde a equalizar uma série de desafios assistenciais, no que diz respeito à atenção a saúde e financeiros, viabilizando iniciativas para a diminuição de despesas, sempre em observância dos melhores interesses do próprio titular de dados pessoais que, no fim, se beneficiará com o equilíbrio do setor da saúde, seja suplementar ou público.

A LGPD não veio para impedir negócios ou inviabilizar a inovação, sendo esses princípios assegurados na própria lei, mas tem provocado reações equivocadas em alguns agentes de mercado. Pretendemos esclarecer como o setor de saúde, que trata muitos dados pessoais sensíveis, pode ao mesmo tempo cumprir a LGPD e endereçar os enormes desafios na saúde que um país como o Brasil possui.

2. Números do setor da saúde

A saúde no Brasil é universalizada constitucionalmente, ou seja, todos têm direito de acesso à saúde consoante artigo 196 da Constituição Federal1, o que deve ser garantido pelo Estado. A iniciativa privada, para auxiliar o Estado a dar vazão nesta demanda, recebeu a permissão constitucional para prestar serviços de saúde, conforme artigo 199 da Constituição Federal.2

Atualmente, a cobertura assistencial realizada pelo poder público atende a 75% da população brasileira. Conforme o Portal da Transparência da Controladoria Geral da União3, no ano de 2019, o orçamento direcionado à saúde pública foi de R$ 143 bilhões de reais, sendo que as despesas executadas atingiram o valor de R$ 114 bilhões de reais. No ano de 2020, segundo a mesma fonte, o orçamento foi de R$ 187 bilhões e as despesas contabilizaram R$ R$ 150 bilhões.

Os outros 25% da população estão atrelados ao auxílio assistencial da iniciativa privada, que investiu R$ 90 bilhões de reais, com um custo assistencial de aproximadamente R$ 130 bilhões de reais até setembro de 20194. A associação (CONAHP) encomendou um estudo em 2018 que avaliou a evolução dos gastos da saúde suplementar entre 2013 à 2018. Neste estudo foi demonstrada uma evolução surpreendente dos gastos assistenciais no período citado acima de R$ 83 bilhões de reais, sendo que o fato principal para esta evolução é a maior frequência dos beneficiários, conforme abaixo:

"O fator que mais contribuiu para o crescimento dos gastos totais do sistema de saúde suplementar foi a frequência de uso, que passou de 22,8 para 29,6 eventos por beneficiário por ano, o que representa um crescimento de 5,4% ao ano. A maior utilização se concentra nas categorias de exames e terapias, seguidos por outros atendimentos ambulatoriais."

Assim, enquanto no setor público a despesa cresce paulatinamente ano após ano, no setor privado verifica-se que, não obstante atenda número expressivamente menor do que o setor público, acaba tendo uma evolução de gastos muito mais expressiva ao longo do tempo, o que causa um impacto financeiro muito grande ao sistema.

Tal conclusão se torna ainda mais latente quando da análise do mapa assistencial da saúde suplementar, que registrou até junho de 2019 o expressivo volume de 1,57 bilhão de procedimentos, conforme números divulgados pela ANS5. Com esta evolução de gastos, projeta-se inclusive um cenário alarmante para 2030 cujos gastos previstos, caso os padrões se mantenham, será de R$ 238 bilhões de reais, conforme estudo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar.6

Estes números são alavancados muito em razão de alguns fatores populacionais, como é o caso do maior controle de natalidade e aumento da qualidade de vida, acesso a tratamento, entre outros fatores, que propiciam maior envelhecimento da população brasileira. Com isso, naturalmente surgem enfermidades que fazem com que o idoso tenha a necessidade de utilizar o sistema de saúde.

Além disso, verifica-se na população brasileira uma prevalência de doenças crônicas que hoje já representam 72% da taxa de mortalidade, considerando, inclusive que entre os idosos pelo menos 69% possuem alguma doença crônica. As doenças crônicas são caracterizadas como de trato prolongado no tempo e que, muitas vezes, demandam acompanhamento assistencial contínuo até o falecimento do paciente.

Entre outras doenças como tabagismo e alcoolismo que ocasionam o surgimento de câncer e acidente vascular cerebral, o brasileiro ainda é acometido frequentemente por:

  • Obesidade: 15% da população, sendo que 48% estão acima do peso
  • Diabetes: 6,9% da população (Brasil é o 4º na lista mundial)
  • Hipertensão: 25% da população

No estudo realizado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, intitulado "Análise Especial "Caracterização dos beneficiários de alto custo assistencial - Um estudo de caso"7, podemos notar uma conclusão interessante de que aproximadamente dois terços (66,5%) dos gastos assistenciais são consumidos no atendimento de apenas 5% dos beneficiários de um plano de saúde.

Embora o estudo deixe claro que os números não representam necessariamente 100% do setor suplementar, uma vez que a análise foi realizada segundo dados de uma operadora de autogestão, verifica-se que é alta a preocupação do setor a respeito dos elevados custos assistenciais voltados ao tratamento da população acometida por doenças crônicas.

Nestes termos, verifica-se que o setor da saúde está há algum tempo se movimentando com algumas iniciativas, voltando sua atenção aos pacientes que são os maiores usuários do sistema, sobretudo os portadores de doenças crônicas, para tentar equalizar todos os números demonstrados acima, que são bastante nocivos à sustentabilidade do setor.

Como enfrentar esses desafios à luz da LGPD? De fato, a necessidade de tratar essa questão acima identificada no setor de saúde é urgente, pois o sistema pode colapsar caso essa situação não seja endereçada. Para quem é gestor da saúde suplementar em empresas ou de seu próprio plano de saúde, tem familiaridade com a realidade dos aumentos recorrentes e em percentuais muito elevados, ano após ano, nas contribuições dos planos de saúde.

Esse é um movimento, que agravado pela crise de empregabilidade da pandemia, tem levado cada vez mais pessoas a abandonar a saúde suplementar e retornar ao SUS, causando tanto o efeito negativo para o governo que precisa aumentar seus investimentos, quanto para aqueles que permanecem no sistema de saúde suplementar, que passam a ter menos adeptos para diluir os crescentes custos do sistema.

 

 - Clique aqui para conferir o artigo completo na íntegra.

__________

1 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação

2 Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

3 Disponível em: clique aqui Acessado em: 5.4.21

4 Disponível em clique aqui Acessado em: 5.4.21

5 Disponível em: <clique aqui> acessado em 5.4.21

6 Disponível em: clique aqui Acessado em: 5.4.21

7 Disponível em: clique aqui Acessado em 5.4.21

Helio Ferreira Moraes

Helio Ferreira Moraes

Conselheiro do M133. Sócio do PK - Pinhão & Koiffman Advogados.

Diogo Silva Marzzoco

Diogo Silva Marzzoco

Advogado da equipe de Proteção de Dados no Pinhão e Koiffman.

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