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Considerações sobre as audiências de conciliação no âmbito do processo administrativo federal

As audiências de conciliação no âmbito do processo administrativo federal podem se tornar um importante mecanismo para promover maior eficácia na apuração e julgamento de infrações ambientais.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Atualizado às 08:53

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Como é cediço, a edição do decreto federal 9.760, de 11.4.2019, promoveu alterações significativas no decreto federal 6.514/2008, que dispõe sobre o processo administrativo federal para apuração de infrações ao meio ambiente. Das alterações realizadas, inovou-se com a criação da possibilidade de se promover a conciliação no âmbito de tais processos administrativos instaurados para apuração de infrações ambientais, conforme prevê o artigo 95-A do decreto 6.514/2008.

Sobre o tema, vale citar também a instrução normativa conjunta 1, de 12.4.2021, do Ministério de Meio Ambiente, do IBAMA e do ICMBio. Editada para regulamentar os processos administrativos de apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente no âmbito federal, tal IN dispõe em seu artigo 42 sobre a possibilidade de realização de audiência de conciliação após a lavratura de auto de infração e os procedimentos para sua ocorrência.

Nesse sentido, deve a Administração Pública federal ambiental estimular a conciliação com o fim de encerrar os processos administrativos federais decorrentes de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Assim, lavrado o auto de infração, o autuado deve ser notificado para manifestar seu eventual interesse no agendamento de audiência de conciliação ambiental e, com a manifestação positiva, será suspenso o prazo para apresentação de defesa administrativa, até a sua realização.

Apesar de a conciliação ambiental ter sido instituída em 2019, por meio do referido decreto 9.760/2019, a pandemia causada pelo coronavírus resultou na suspensão dos andamentos das audiências de conciliação ao longo do ano de 2020, sendo que a sua retomada se deu somente no final do referido ano, com o reforço da possibilidade de sua realização por videoconferências.

Tal possibilidade, portanto, foi ratificada com a recente publicação da instrução normativa conjunta 1/2021, por meio da qual restou definido, em seu artigo 47, que a realização da audiência de conciliação ambiental deve ocorrer, preferencialmente, por meio eletrônico, possibilidade já prevista no artigo 98-B, § 5º, do decreto federal 6.514/2008. Essa disposição na nova norma, inclusive, em comparação à anterior instrução normativa conjunta 2/2020, por ela revogada, assim como algumas outras disposições, parecem estar se orientando por um aprimoramento do mecanismo da conciliação administrativa.

Isso porque, a implementação desse mecanismo das audiências de conciliação no âmbito dos processos administrativos de apuração de infrações ambientais ainda é recente, de modo que os procedimentos a ele relacionados, previstos no decreto 6.514/2008 e na instrução normativa conjunta 1/2021, poderão ser, eventualmente, adaptados/alterados, tendo em vista os efeitos práticos que vem sendo verificados e a condução adotada pelos órgãos ambientais.

Não há dúvida, no entanto, de que tal mecanismo é relevante e pode representar uma chance de se estabelecer um maior diálogo entre o autuado e o órgão ambiental, com o fim de, em face a uma conduta infracional, ser viabilizada uma solução consensual mais eficaz de resolução desses processos administrativos, de modo que se atenda aos interesses da sociedade e do meio ambiente, ali protegidos pela autoridade ambiental, mas que seja menos burocrática, mais célere e efetiva.

Contudo, convém mencionar que essa importante função que as audiências conciliatórias podem representar ainda fica limitada, se adotada uma interpretação mais restritiva da legislação vigente. Isso porque, o artigo 98-A, inciso II, do decreto 6.514/2008, e o artigo 59 da instrução normativa conjunta 1/2021 estabelecem que a audiência de conciliação deve ser realizada para (i) explanar ao autuado as razões de fato e de direito que ensejaram a lavratura do auto de infração; (ii) apresentar as soluções legais possíveis para encerrar o processo, tais como o desconto para pagamento, o parcelamento e a conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente; (iii) decidir sobre questões de ordem pública; e (iv) homologar a opção do autuado por uma das soluções de encerrar o processo.

A instrução normativa conjunta 1/2021 ainda estabelece, no artigo 67, que são soluções legais possíveis para encerrar o processo administrativo, nos casos de multa simples: (i) o pagamento com desconto; (ii) o parcelamento; e (iii) a conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.

Em complemento, o artigo 44 da mesma instrução normativa indica que não cabe na conciliação ambiental a produção de provas pelo autuado, ressalvada a apresentação, em audiências, daquelas pré-constituídas, que apontem para questões de ordem pública, especialmente a existência de vícios sanáveis ou insanáveis verificáveis de plano, mediante análise dos autos ou de provas pré-constituídas.

A partir de uma interpretação mais restritiva de tais dispositivos legais, é possível adotar o entendimento de que as únicas soluções possíveis para o encerramento do processo em sede de conciliação, caso não seja verificada uma questão de ordem pública, listadas no artigo 59, § 1º, da instrução normativa conjunta 1/2021, seriam o pagamento com desconto, o parcelamento ou a conversão da multa simples, o que aponta para um rol de opções muito limitadas para a solução dos processos de apuração de infrações.

Considerando esse entendimento, não seria possível, portanto, discutir em sede de audiência conciliatória o mérito da autuação, mas, tão somente, as opções limitadas de o autuado encerrar definitivamente o processo, declarando a sua desistência de impugnar judicial e administrativamente a autuação e sua renúncia a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundamentariam as referidas impugnações, conforme estabelecem o artigo 98-C, inciso IV, alínea 'a', item 2, do decreto 6.514/2008 e o artigo 43, inciso II, da instrução normativa conjunta 1/2021.

Tal imposição das normas limitaria as possibilidades de acordo entre o órgão ambiental e o autuado, na medida em que outras soluções legais poderiam ser adotadas para, igualmente, encerrar o processo administrativo de forma mais célere, porém com eventual discussão acerca das peculiaridades, dos fatos e do mérito envolvendo a suposta conduta infracional, sem deixar de promover a cabível proteção e reparação do meio ambiente.

Ademais, outro aspecto que desestimula o autuado a optar por uma das soluções legais indicadas no artigo 67 da instrução normativa conjunta 1/2021 para encerramento do processo administrativo, é que elas ensejam a reincidência. Isso porque, na hipótese de ser lavrado novo auto de infração contra o autuado, inevitavelmente será aplicada a reincidência prevista no artigo 11 do decreto 6.514/2008, tendo em vista o que estabelece o artigo 94, § 1º, da instrução normativa 1/2021, de acordo com o qual se considera julgado o auto de infração cuja multa é paga, parcelada ou convertida (soluções legais indicadas no referido artigo 67).

De outro modo, caso se adote uma interpretação mais ampla dos artigos 98-A, inciso II, do decreto 6.514/2008, e 59 da instrução normativa conjunta 1/2021, é possível que a audiência de conciliação se torne um mecanismo ainda mais relevante para a resolução de conflitos administrativos.

Como dito, da leitura de tais artigos é possível inferir que um dos objetivos da audiência de conciliação seria apresentar as soluções legais possíveis para encerrar o processo. Desse modo, ideal que se considerasse o desconto, o parcelamento e a conversão como hipóteses de solução dos processos (rol exemplificativo), e não as únicas opções do autuado e do órgão ambiental para encerramento dos processos.

Seguindo por essa linha de entendimento de tais normas, seria possível ampliar o escopo do debate instaurado pela audiência de conciliação para permitir a avaliação das circunstâncias específicas e do mérito de cada caso e, com isso, buscar uma composição que proteja de forma eficiente o meio ambiente.

E esse resultado é compatível com a diretriz prevista no artigo 55, inciso IV, da instrução normativa conjunta 01/2021, que estabelece que a conciliação deve se pautar na economia processual e celeridade, visando ao encerramento do processo em seu início, sempre que possível.

Importante destacar também que, ainda que outras soluções de encerramento do processo administrativo de apuração de infração sejam consideradas, avaliando-se, inclusive, as peculiaridades de cada caso, a realização de conciliação ambiental nesses termos não significaria prejuízos ao meio ambiente, na medida em que sua obrigação de reparar o dano ambiental, caso aplicável, não poderia ser afastada, conforme estabelece o artigo 98-C, § 2º, do decreto 6.514/2008 e artigo 61, § 4º, instrução normativa conjunta 1/2021.

Ante essas considerações, verifica-se que, a depender de como forem implementadas pelos órgãos ambientais, as audiências de conciliação no âmbito do processo administrativo federal podem se tornar um importante mecanismo para promover maior eficácia na apuração e julgamento de infrações ambientais, tornando concretas as ações de fiscalização promovidas, sem, de modo algum, deixar de promover a proteção do meio ambiente e assegurar a reparação do dano ambiental, quando este for verificado.

                          

Maria Clara Rodrigues Alves Gomes

Maria Clara Rodrigues Alves Gomes

Pós-graduada em Direito Processual Civil e graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É especializada em Meio Ambiente e Sociedade pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. É advogada do Milaré Advogados desde 2004.

Stella Kusano

Stella Kusano

Graduada em Direito pela Fundação Getúlio Vargas. É advogada do Milaré Advogados desde 2017.

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