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Em decisão do STJ, mulher casada volta a usar sobrenome de solteira!

Segundo a autora da ação, o sobrenome do marido acabou por se tornar o protagonista em sua identificação civil, deixando o seu sobrenome familiar em segundo plano, o que a incomodava, já que ela sempre foi conhecida pelo sobrenome paterno.

terça-feira, 20 de abril de 2021

Atualizado às 16:13

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em data recente, a 3ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu o pleito de uma mulher para retificação de registro civil para exclusão do sobrenome do marido, adotado no casamento, do qual ela alegou jamais ter se adaptado ao uso. 

O que torna a notícia inédita é o pedido ter ocorrido na vigência do casamento, e não no divórcio do casal, momento em que muitas mulheres optam em voltar a usar o nome de solteira. 

Segundo a autora da ação, o sobrenome do marido acabou por se tornar o protagonista em sua identificação civil, deixando o seu sobrenome familiar em segundo plano, o que a incomodava, já que ela sempre foi conhecida pelo sobrenome paterno. Além do que, os únicos familiares que usavam o patronímico familiar estavam situação de saúde muito delicada. 

Assim a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, entendeu legítimo o pedido da mulher, afirmando o seguinte: "Dado que as justificativas apresentadas pela parte não são frívolas, mas, ao revés, demonstram a irresignação de quem vê no horizonte a iminente perda dos seus entes próximos sem que lhe sobre uma das mais palpáveis e significativas recordações - o sobrenome -, devem ser preservadas a intimidade, a autonomia da vontade, a vida privada, os valores e as crenças das pessoas, bem como a manutenção e a perpetuação da herança familiar". 

A ministra ainda fez questão de ressaltar que o acréscimo do sobrenome do marido faz parte de uma tradição antiga quando a pessoa, em especial a mulher, abdica de parte significativa dos seus direitos de personalidade para incorporar o sobrenome do cônjuge após o casamento, transformando a sua própria genética familiar. 

Acrescentou ainda a ministra que "é indiscutível que a transformação e a evolução da sociedade em que vivemos colocam essa questão, a cada dia, em um patamar de muito menor relevância e, mais do que isso, a coloca na esfera da liberdade e da autonomia da vontade das partes, justamente porque se trata de uma alteração substancial em um direito da personalidade, indissociável da própria pessoa humana". 

A decisão é importante, pois mesmo sem uma previsão legal específica, mostra que o STJ tem flexibilizado progressivamente regras conservadoras ajustando-as à atual realidade social, desde que não haja risco à segurança jurídica, a exemplo do caso em questão. 

No mais, não devemos esquecer que o sobrenome que carregamos desde que nascemos são repletos de circunstâncias e histórias e não temos escolha em sua "aquisição"; já o sobrenome que podemos, por opção legal, adotar, são carregados de motivações, momentâneas ou não. Quanto a essa última possibilidade, pergunta-se: podemos nos arrepender, no meio do caminho, por um motivo maior? O STJ entendeu que sim. 

Pena que não possa ter sido objeto de simples alteração em sede cartorial, tendo sido necessário mover o Judiciário até suas instâncias superiores para tratar de um direito personalíssimo, sem repercussão na vida de outras pessoas, só na da autora do pedido. 

É preciso desburocratizar as questões que tocam a vida pessoal dos indivíduos, sem risco à segurança jurídica, pois como humanos somos mutáveis e livres. E a vida é imprevisível.

Ana Vasconcelos Negrelli

Ana Vasconcelos Negrelli

Sócia advogada do escritório Martorelli Advogados na área de Direito de Família.

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