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Afastamento da gestante na lei 14.151/21 e sua compatibilidade com as MPs 1.045 e 1.046 de 2021

Novas regras, aplicáveis às empregadas gestantes, contidas na lei 14.151/21. Também é alvo de análise a compatibilidade entre a referida lei e os riscos da adoção das MPs 1.045 e 1.046, na ocorrência da impossibilidade de trabalho não presencial da gestante empregada.

terça-feira, 18 de maio de 2021

Atualizado às 14:06

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

1. Contexto e noções preliminares

Em um momento de dificuldades econômicas e desgaste gerado pela ocorrência da pandemia decorrente do coronavírus e das medidas sanitárias restritivas, toda e qualquer alteração normativa, em especial as que impactam financeiramente, gera um ambiente de debate intenso.

As normas deste período pandêmico, não raro açodadas, pela pressa legiferante contêm uma série de imperfeições, atecnias, antinomias, lacunas. Para além disto, a sucessão de regras novas, por vezes, gera debates de compatibilidade entre as normas postas. A expressão de ideias e teses representam um tatear o escuro, esforço intelectivo necessário à evolução do Direito. Estas poderão ser confirmadas/acatadas ou não com o transcurso do tempo e maturidade dos debates e discussões, bem como pela atuação jurisdicional.

Decerto não há quem discuta a fundamentalidade da maternidade e da proteção à empregada gestante, mormente quando a tutela constitucional e o texto celetista resguardam a condição gestacional. Toda esta teia protetiva representa a célula da nossa sociedade, a família e sua renovação e preservação de nossa espécie. E mais, considerando que a pandemia ganhou maior dimensão em meados de março de 2020 e meses subsequentes, a proteção veio tardiamente e sem qualquer auxílio nos impactos financeiros.

Impende o registro que a maternidade tem caráter plurilateral e nenhum ordenamento deveria atribuir o ônus dos salários do período de afastamento para o nascimento da criança unicamente ao empregador, pois a demografia é assunto social, e não individual daquela gestante e daquele empregador.

2. O afastamento da empregada gestante, compreensão do texto da lei

A lei 14.151/21, dotada apenas de dois artigos, foi publicada pouco depois das Medidas Provisórias (MPs) 1.045 e 1.046. Estas últimas representaram uma nova roupagem das MPs 927 e 936, trazendo novo fôlego à atividade empresarial com alternativas mais flexíveis de gestão da força de trabalho diante das medidas restritivas de funcionamento das empresas e regras sanitárias governamentais.

Vejamos o que diz o texto da lei 14.151/21:

Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.

Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância. 

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. 

O afastamento compulsório da gestante, garantida sua remuneração, não representa uma licença remunerada. A legislação é cristalina ao colocar a empregada gestante à disposição do empregador para executar seu labor não presencial (por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância). O legislador não dispensou, na lei 14.151/21, a empregada gestante das obrigações laborais.

Outro aspecto fundamental, sobre a norma, consiste na garantia/direito da gestante receber a sua remuneração, mesmo afastada. Como a lei não contém palavras inúteis, regra de ouro da hermenêutica/interpretação, a garantia foi de remuneração e não de salário. A remuneração compreende o salário e gorjetas. E fazem parte do salário as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador, nos termos do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho.

A lei é compulsória para o empregadore, que recebeu a incumbência/dever jurídico de afastar sua empregada gestante do trabalho presencial. Ainda que esta prefira ou tenha mais interesse em permanecer prestando serviços na empresa, não poderá dispor deste direito (princípio da indisponibilidade/irrenunciabilidade de direitos trabalhistas), pois o legislador impôs uma obrigação e não uma opção. A disposição legal preconiza "a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho", caso fosse opcional, o legislador teria empregado o "poderá" ao invés do "deverá".

A legislação não faz distinção de tipo de empregada, sendo perfeitamente aplicável às empregadas domésticas e rurais que estejam gestantes, como também se aplica às empregadas avulsas por força de disposição constitucional. A norma também incide sobre as empregadas públicas. A lei, contudo, não se aplica às gestantes estatutárias, pois para elas o regime jurídico demanda uma lei específica.

A forma/tipo de contratação não interfere neste direito, seja o contrato indeterminado, determinado, experiência ou avulso, ainda assim, a gestante empregada tem direito ao afastamento. Por razoável, a discussão se este direito permanece até o contrato a termo findar ou se o prorroga artificialmente mistura-se com o direito à estabilidade gestante e segue as mesmas diretrizes.

Como a vacina (imunizante) não é garantia de proteção integral, a mens legis foi no sentido de proteger a gestante da contaminação decorrente da exposição no trabalho, ainda que vacinada. O afastamento cessa, tão somente, em havendo aborto ou nascimento, pois, após a licença maternidade, deve a empregada retornar ao labor (presencial).

As consequências de descumprir a norma são de três naturezas: 1) receber uma penalidade administrativa decorrente da fiscalização do trabalho; 2) o Ministério Público do Trabalho abrir procedimento e depois ingressar judicialmente buscando impor o cumprimento legal e a fixação de dano moral coletivo; 3) a própria empregada gestante ajuizar uma ação para garantir o direito ao afastamento ou diante do descumprimento, da situação concreta, inclusive pedir reparação de dano moral, conduta discriminatória, e rescisão indireta com pagamento do período estabilitário.

O cenário de descumprimento deliberado da norma posta, então, descortina-se como de alto risco e de passivo cuja mensuração é casuística e sem precedentes judiciais. Isto, sem abordar a questão social de manter uma empregada gestante exposta a uma doença cujas consequências gestacionais ainda são desconhecidas. O valor indenizatório pode ser vultoso.

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Dayse Coelho de Almeida

Dayse Coelho de Almeida

Advogada e consultora. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Autora do livro Direito do Trabalho e Coronavírus. São Paulo: Letras Jurídicas, 2020 e outras obras e artigos publicados.

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