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Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos: Inovações da lei 14.133/21

A lei estabelece que a multa será "calculada na forma do edital ou do contrato".

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Atualizado às 08:29

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

1. Infrações administrativas na lei 14.133/2021

Um só dispositivo da lei 8.666/93, o art. 87, disciplinava as infrações, as sanções e o processo. A lei 14.133/2021 trouxe alguns avanços. As infrações administrativas estão definidas de modo mais claro no art. 155, em doze incisos, atendendo, em parte, o princípio constitucional da tipicidade (art. 5º, XXXIX).

Entre as novidades, destaca-se a distinção entre a inexecução parcial do contrato (inciso I) e a inexecução parcial que cause grave dano à administração (inciso II), as quais serão sancionadas com penas diferentes. A prática dos atos lesivos do art. 5º da lei anticorrupção (lei 12.846/2013) também é considerada infração à lei 14.133/2021. Foi abolida a infração consistente na prática dolosa de fraude fiscal, constante no art. 88, I, da lei 8.666/93, o que nos parece correto. O ato é reprovável, mas deve ser reprimido por lei própria.

2. Sanções administrativas na lei 14.133/2021

As sanções administrativas, previstas no art. 156, são advertência, multa, impedimento de licitar e contratar e a declaração de inidoneidade. Em atenção ao art. 5º, XXXIX, da Constituição, seria desejável que o legislador estabelecesse uma correspondência mais precisa entre as infrações e as sanções. Não obstante, houve avanços em relação à lei 8.666/93.

A advertência é reservada para a inexecução parcial sem dano à administração. A multa poderá ser aplicada a qualquer infração ao art. 155 e não poderá ser inferior a 0,5% e nem superior a 30% do contrato, percentual que nos parece excessivo. Entende-se que a multa deveria ser limitada a 20%, uma vez que, para as infrações mais graves, a lei permite sua cumulação com as sanções de impedimento ou inidoneidade.

A lei estabelece que a multa será "calculada na forma do edital ou do contrato". Estes devem estabelecer parâmetros proporcionais às infrações, sendo ilegal a previsão de percentual fixo, que puna de modo idêntico condutas de gravidade distintas.

A sanção de impedimento de licitar e contratar por até 3 (três) anos prevista na lei 14.133/2021 é, de certa forma, a fusão entre a suspensão temporária por até 2 (dois) anos, prevista na Lei nº 8.666/93 e o impedimento por até 5 (cinco) anos, previsto na Lei do Pregão. Encerrando a uma disputa hermenêutica histórica acerca da extensão desta penalidade, o §4º do art. 156 é taxativo: "impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção". Assim, por exemplo, o impedimento imposto pela União não obsta a participação em licitações no âmbito dos Estados e Municípios.

Para infrações mais graves, como a apresentação de documento falso ou fraude, a lei contempla a declaração de inidoneidade, que obsta a participação de licitação no âmbito da administração direta e indireta de todos os entes federativos. O prazo mínimo é de 3 (três) anos e o máximo é de 6 (seis) anos.

3. O processo de apuração

O prazo de defesa foi ampliado para 15 (quinze) dias úteis. Embora a lei só mencione o direito à produção de provas ao tratar das sanções de impedimento e inidoneidade, é evidente que tal garantia aplica-se aos processos para apuração de advertência e multa, como emanação direta do art. 5º, LV, da Constituição.

A declaração de inidoneidade, dada sua gravidade e extensão, deve ser apurada por comissão formada por servidores estáveis e somente será aplicada por Ministro de Estado, Secretários Estaduais e Municipais ou pela autoridade máxima, no caso das autarquias.

Reproduzindo o que já constava no art. 12 do decreto 8.420/2015, o art. 159 prevê que as infrações simultâneas à Lei de Licitações e Lei Anticorrupção serão apuradas e julgadas conjuntamente. A aplicação concreta deste dispositivo deve suscitar dúvidas, porque os critérios de responsabilização são distintos. Na lei 14.133/2021, a responsabilidade é subjetiva e, na lei 12.846/2013, a responsabilidade é objetiva.

4. Dosimetria das sanções

Incorporando o art. 22, §2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o art. 156, §1º, prevê os fatores que devem ser considerados na dosimetria das penalidades: gravidade, peculiaridades do caso concreto, agravantes e atenuantes, os danos para a administração pública. Inovação salutar é a previsão de que a implantação ou o aperfeiçoamento de um programa de integridade influirão na fixação da penalidade.

5. O cabimento de recurso com efeito suspensivo

Contra as sanções de advertência, multa e impedimento, é cabível recurso, no prazo de 15 (quinze) dias úteis (art. 166). Como a declaração de inidoneidade já é aplicada por autoridade superior, é cabível pedido de reconsideração, no mesmo prazo (art. 167).

Inovação acertada é a que confere efeito suspensivo automático ao recurso e ao pedido de reconsideração (art. 168), evitando que a empresa sancionada sofra as graves restrições inerentes às penalidades antes mesmo do exaurimento da esfera administrativa.

6. Desconsideração da personalidade jurídica

Para esvaziar a efetividade da sanção, com frequência empresas punidas continuam licitando por meio outras companhias do mesmo grupo ou de familiares, em evidente confusão patrimonial. Para coibir atos desta natureza, o art. 160 da lei 14.133/2021 previu a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica e a extensão dos efeitos da sanção a administradores, sócios, sucessoras e empresas coligadas ou controladas. Naturalmente, para que isso ocorra a lei prevê a prévia observância do contraditório e ampla defesa.

7. Prescrição

A lei 8.666/93 era silente sobre o prazo prescricional. A lei 14.133/2021 prevê que a prescrição ocorrerá em 5 (cinco) anos, contados da ciência da infração pela administração.

8. Reabilitação

O art. 163 da lei 14.133/2021 admite a reabilitação da empresa punida com impedimento ou inidoneidade, desde que: I - repare o dano; II - pague a multa; III - tenha transcorrido no mínimo um ano da pena de impedimento ou três anos da declaração de inidoneidade; IV - cumpra as condições de reabilitação definidas no ato punitivo; V - conforme a gravidade do ato, implante programa de compliance. 

9. A possibilidade de solução de controvérsias pelos meios adequados

Uma das novidades mais saudadas da nova Lei de Licitações é a admissão dos "meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem" (art. 151).

Como já previa o art. 2º do decreto 10.025/2019, podem ser solucionados pelos meios adequados as questões relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, tais como reequilíbrio econômico-financeiro, indenizações, inadimplementos contratuais e, inclusive, penalidades.

10. Aplicação imediata e retroativa das leis mais benéficas 

Em atenção ao art. 5º, XL, da Constituição Federal, as normas sancionatórias da lei 14.133/2021 que forem mais benéficas aos acusados - como, por exemplo, as que conferem efeito suspensivo aos recursos - possuem aplicabilidade imediata e podem retroagir.

11. Uma esperança

Se bem aplicadas, as inovações da lei 14.133/2021 em matéria sancionatória podem, a um só tempo: a) propiciar o amplo exercício do direito de defesa pelas empresas acusadas; b) permitir a distinção das contratadas que eventualmente falharam em decorrência dos riscos inerentes à atividade empresarial e as que se comportaram de modo desonesto; c) possibilitar a imposição da pena administrativa adequada, necessária e proporcional à cada infração.

É o que se espera. Afinal, "o ideal de justiça não constitui anseio exclusivo da atividade jurisdicional. Deve ser perseguido também pela Administração" (STJ, MS 12.991, Min. Arnaldo Esteves Lima). 

 

Francisco Zardo

Francisco Zardo

Sócio e coordenador de Direito Administrativo do Escritório Professor René Dotti.

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