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O instrumento tributário deve ser um mecanismo de promoção de políticas públicas?

As empresas instaladas no Brasil possuem grande interesse na reformulação tributária, as principais previsões propostas estão apresentadas na PEC 45/2019, iniciativa do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) . Esses grupos econômicos dizem lidar com diversas e distintas interpretações, o que lhes causam grande insegurança jurídica.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Atualizado às 15:01

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

1. Introdução

A relação que permeia a relação entre Estado e contribuinte jamais foi uníssona. Contemporaneamente, os Estados obtêm recursos necessários para sua existência por meio do instrumento tributário, exigindo do particular uma parcela do sucesso1. Essa é a ideia de fiscalidade, ou seja, da obtenção de recursos para abastecimento dos cofres públicos.

Contudo, nem sempre a relação foi assim2: se hoje o tributo pode ser compreendido como o preço que se paga pela nossa liberdade, antigamente, representava justamente o oposto3.

E esse intrincado relacionamento não se restringiu à seara financeira. Para se ter uma ideia da premissa, lembre-se que momentos antes da Revolução Industrial, o Estado absolutista atuava e determinava regras econômicas. Com a insurgência da população francesa em 1789, novos ideais ganharam espaço, defendendo a não intervenção do Estado na economia. Aqui, surge o Estado liberal. Nesta mesma época, foram desencadeados problemas de trabalho, entre eles os acidentes devido à precariedade das máquinas e maus-tratos com os trabalhadores que eram desprovidos de quaisquer direitos. 

A partir desse momento, com as revoltas geradas por este modelo que entra em crise a partir do Século XX, percebe-se a necessidade da intervenção do Estado para atuar e garantir direitos fundamentais e sociais que neste período não estavam sendo preservados pelo Estado liberal.

Por sua vez, o modelo de Estado Moderno que tentava afastar o cunho intervencionista e que vinha buscando eliminar abusos de poder do mercado econômico, mostrou por outro lado, que com liberalismo e a perda da autonomia nacional, há uma concentração de poder em um pequeno grupo de empresas econômicas, desfavorecendo outras.

2. Fundamentação teóricas e discussões

O Estado liberal antecedeu o Estado social e adveio em um momento de ruptura com o poder norteador, a sociedade buscava assegurar os seus direitos à propriedade e de celebrar contratos. Em outros termos, desejava uma não intervenção: na economia ou na esfera individual, almejando a liberdade.

Com a evolução da sociedade e, por consequência, o impacto que estas modificações acarretam nos ordenamentos jurídicos, no caso brasileiro a Constituição Federal de 88 traz uma vertente de grande justiça social, com base em diretrizes para alcançar o bem-estar da sociedade, fim este, estabelecido pela Carta Magna, conforme se depreende do artigo 3º, do texto de 1988. Porém, da mesma forma é assegurada a livre iniciativa como valores de ordem econômica. Em outros termos, a atuação e intervenção do Estado devem ocorrer ao passo que, o individuo possa ter também a livre inciativa na economia.

Portanto, restará ao administrador público intervir apenas excepcionalmente na economia a fim de garantir o bem-estar social. Conforme previsão atual no Brasil, o Estado passa ser o interventor institucionalizado na economia. Quando o Estado intervém na regulamentação da atividade econômica, geram-se custos, pois o Estado não gera riqueza, pelo contrário, ele retira riqueza para que possa administrar a economia de forma a garantir direitos fundamentais e sociais como prevê o constituinte.

Cabe destacar, ainda, que existem três tipos de atuação do Estado na economia, à intervenção direta, a intervenção indireta e a intervenção mista. A primeira é prevista de forma subsidiária pela Constituição e prevê a atuação do Estado através de empresas estatais. A direta é realizada através de normas jurídicas, e a mista o Estado cria normas e empresas estatais para a administração econômica.

Afirma Marçal Justen Filho que a "subsidiariedade é critério prevalecente a justificar a intervenção direta do Estado na economia. Todavia, seria legitima apenas quando a iniciativa privada for incapaz de solucionar de modo adequado e satisfatório certa necessidade."4 Ainda como dispõe o art. 173 da CF/88, pelo princípio da livre iniciativa, entende-se que o Estado somente pode atuar na presença do requisito de interesse público.

Por isso, o Estado deve intervir na economia de acordo com os limites percebidos na Constituição. Por ser o principal formulador de desenvolvimento social, o Estado é o maior legitimado a administrar a economia e a desenvolver medidas públicas, de forma que não haja excessos, desvios ou concentração de poder em um determinado grupo celetista da sociedade na regulação econômica.

3. Da Reforma Tributária

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/19 que tramita na Câmara de Deputados propõe mudanças significativas no sistema tributário nacional. Atualmente aguarda parecer da Comissão especial que discute os seus efeitos, para que em seguida possa ser decidida em Plenário da Câmara, do Senado e por fim ir para promulgação do Presidente da República.

Importante examinar algumas das ideias contidas na PEC.

A proposta foi apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) em abril de 2019 e trouxe em seu texto diversas modificações no conteúdo da Constituição Federal para alterar o sistema tributário atual sobre bens e serviços no Brasil. Uma das percepções gerais desta proposta são seus objetivos norteados em justiça fiscal e simplificação, que garante o respeito ao principio da capacidade contributiva, redução das desigualdades, geração de empregos e a livre iniciativa (fundamento nas cláusulas pétreas da CF/88). As principais previsões da PEC 45/19 estão entre:

  • Extinção de cinco tributos: Imposto sobre Produtos Industrializado (IPI),

Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISS), Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS).5

  • Criação de Tributos: Com a extinção dos cinco tributos, surgiria um imposto unificado chamado de Imposto Unificado sobre Bens e Serviços (IBS).6
  • Repartição da receita: A criação do imposto IBS viria para facilitar a vida do contribuinte que pagaria somente uma alíquota, entretanto o valor arrecadado seria rateado entre o poder federal, estadual e municipal.7
  • Gestão Unificada: A arrecadação e distribuição do IBS seria gerida por um comitê nacional com um representante de cada ente federativo.8
  • Devolução tributária para os contribuintes de baixa renda: A Emenda Constitucional tem uma proposta de devolução parcial através de transferência de renda por estes contribuintes.9
  • Transição entre modelos: a proposta prevê uma transição do modelo tributário atual para substituição por este modelo de IBS relativamente longo, de 10 anos sem que se corra o risco de desvalorização dos investimentos já realizados. Já a distribuição da receita para os entes federativos seria ainda mais longa, em média 50 anos.10

De acordo com a redação explicativa realizada no dia 22.8.17 pelas Comissões da Câmara Federal, a transição da nova lei com o objetivo centralizar o recolhimento IR expandido, IBS, Imposto Seletivo e depois distribuir a receita para os entes federativos, ocorreria em 15 anos, de forma que a arrecadação de contribuições (CSLL, Cofins, PIS/Pasep, Salário-Educação e Cide-Combustíveis) serão incorporadas aos impostos (IR, Imposto Seletivo) ou transformadas em transferências (FPU vindo do IBS) para depois serem repassadas. Pode-se pressupor ainda a redução da desigualdade social, redução de rigidez orçamentária dando maior flexibilidade a todos os entes federais, o qual melhoria significativamente o ambiente de negócios. A mudança ainda promete eliminar a guerra fiscal entre os Estados e Municípios, que com a unificação não teriam mais a diferença na tributação:

Um terceiro problema do modelo brasileiro resulta da cobrança predominantemente na origem do ICMS nas operações interestaduais e do ISS nas operações intermunicipais, contrariando o desenho do IVA, que é um imposto cobrado no destino. Este modelo estimulou a guerra fiscal entre estados e municípios - afetando o equilíbrio da estrutura federativa brasileira -, além de gerar um viés antiexportação no sistema tributário do país. (Despacho pela Comissões Permanentes PEC 45-A/2019, p. 18).

Por esta razão, o fato gerador dos tributos passaria a ser único e excluiria as 5670 legislações esparsas sobre tributação, o qual unificara a legislação como vimos em única. As alíquotas deixariam de ser variadas e seriam uniformizadas por cada ente, que teriam a mesma base cálculo de 25% de forma não cumulativa.

De acordo com o Centro de Cidadania Fiscal outra importante mudança seria o lançamento tributário por ofício, que começaria a ser realizado pelo comitê gestor e não mais de forma declaratória pelo contribuinte. Incentivos fiscais passariam a não mais existir, em decorrência de outra alteração pela PEC 45 deixando o sistema isonômico, desonerando exportações e investimentos, transparência sobre a carga tributária a todo cidadão e alta capacidade de arrecadação.

Precisamos falar que com a PEC 45/19 proposta pela Câmera de Deputados, o Senado Federal propôs a PEC 110/19 que vem regular também o imposto sobre bens e Serviços, o qual aguarda parecer na comissão especial.

As suas propostas são praticamente idênticas, mas apresentam diferenças em alguns principais pontos que veremos a seguir.

A competência Tributária do IBS pela PEC 110 é estadual, com poder de inciativa reservado aos representantes dos Estados e Municípios. Por ela, são substituídos nove tributos o IPI, IOF, PIS, Programa de Integração Social e Programa de Formação do Patrimônio Público (Pasep), COFINS, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS e o ISS.

A determinação da alíquota do IBS também fixa uma taxa padrão através de Lei Complementar, podendo ser também fixadas alíquotas diferenciadas a depender do bem ou serviço. Diferencia-se da PEC 45, pois esta é aplicada por meio de lei ordinária, onde cada ente fixa sua alíquota com base na alíquota de referência.

Outro grande diferencial é a concessão de benefícios fiscais sobre algumas atividades como, por exemplo, no consumo de alimentos, medicamentos, transporte público, educação e etc. Já que a PEC 45 não tem previsão permissiva para tal concessão.

Sobre a partilha da arrecadação do IBS, a PEC 110 prevê a divisão entre os entes federativos conforme porcentuais previstos na Constituição, o chamado repasse de cota-parte. A sua vinculação ficaria pelas despesas, mediante aplicação de porcentual de definição de entregas de recursos ou piso mínimo de gastos.

A transição do modelo atual para este modelo no tocante a cobranças de tributos seria de um ano, onde os entes cobrariam 1% de uma contribuição teste, e depois nos cinco anos seguintes seriam substituídos os atuais tributos pelo IBS. Já na transição de partilha desses tributos, a transição seria de 15 anos, com divisão das parcelas da receita de cada ente de acordo com sua participação.

A proposta das PECs trás um conceito novo e atual, o qual diversos países já têm adotado que é a simplificação tributária. O foco do legislador é diminuir o tempo gasto pelo contribuinte na hora de pagar o imposto, de forma a facilitar, esclarecer e destravar impasses econômicos.

Podemos perceber o ambiente desfavorável nos negócios quando compramos um produto significativamente mais barato que o nacional. Isso ocorre pela carga tributária desproporcional da indústria, deixando o Brasil em desvantagem no cenário internacional.

Por isso é que empresários tem apostado na reforma com objetivo de melhora drástica na economia brasileira. Há, portanto, que se vigiar na tendência da reforma numa grave pandemia, pois as mudanças podem ser irreversíveis em especial na redução da tributação da pessoa jurídica e aumento da pessoa física, ou seja, de nada adianta reduzir de um lado e aumentar de outro. Portanto, a reforma deve ser um diálogo exaustivo com análise de seus impactos futuros.11

Considerações Finais

Hoje, o Brasil acumula quase 100 tipos de tributos devidos, dentre eles: impostos, taxas e contribuições, que são necessários para a manutenção e regulamentação da vida em sociedade que é decorrente de um fato gerador o qual se utiliza a administração pública.

Neste contexto, há algum tempo uma discussão quanto à necessidade na reforma tributária. A seguir, apresentam-se algumas propostas: a PEC 110/19, proposta do Senado Federal que extingue nove tributos - IPI, IOF, PIS, PASEP, Cofiunsa, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS e ISS - e cria o Imposto sobre bens e serviços (IBS); a PEC 45/19, proposta da Câmera dos Deputados que unifica PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI em um único imposto; e a proposta do governo, por meio do projeto de lei 3.887/20, que prevê a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) em substituição ao PIS e à Cofins.

Pela exposição, as empresas instaladas no Brasil possuem grande interesse na reformulação tributária, pois dizem lidar com diversas e distintas interpretações o que lhes causam grande insegurança jurídica. E tem-se razão, é perceptível a necessidade de uma reforma, a fim de que as normas sejam unificadas, ficando assim, mais claras e objetivas quanto ao fato gerador do contribuinte, que clama por maior estabilidade, possibilitando assim maior investimento e maior potencialização no cenário econômico. Não se analisa aqui só o interesse empresarial, mas num cenário de maior empreendedorismo e expansão de negócios, verifica-se também um maior desenvolvimento social. 

Por mais que existam características e preferências pelo capitalismo por certos grupos econômicos, não podemos esquecer o fomento constitucional, cuja opção fez prevalecer os fins sociais. Dessa forma, a reforma tributária deve ser um mecanismo de medidas públicas, a fim de evitar abusos econômicos pelos interesses privados, pois, somente se afastando a autotutela é que se garante o interesse público e a essência constitucional.

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1 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 27

2 TORRES, Ricardo Lobo. A ideia de liberdade no estado patrimonial e no estado fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991.

3 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 27.

4 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 559

5 Baleia Rossi e outros. Proposta de Emenda Constitucional n. 45/2019, p.22

6 Baleia Rossi e outros. Proposta de Emenda Constitucional n. 45/2019. p.22

7 Baleia Rossi e outros. Proposta de Emenda Constitucional n. 45/2019. p.48

8 Baleia Rossi e outros. Proposta de Emenda Constitucional n. 45/2019. p.33

9 Baleia Rossi e outros. Proposta de Emenda Constitucional n. 45/2019. p.46

10 Baleia Rossi e outros. Proposta de Emenda Constitucional n. 45/2019. p.53

11 NETO, Celso de Barros. Reforma Tributária - PEC 110/2019, do Senado Federal, e PEC 45/19, da Câmara dos Deputados. p. 1 a 16.

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ESTRADA, Roberto Duque. Contribuinte esta cansado de tanta intervenção estatal na economia. Consultor Jurídico. 2014. 

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

LANA, Roberto Farto. O Princípio da Legalidade na intervenção do Estado mediante incentivos fiscais tributários. Âmbito Jurídico. 2011. Disponível clicando aqui. Acesso em: 6/11/20.

LEORATTI. Alexandre. Pandemia dificulta avanço das discussões sobre reforma tributária. Jota. 2020. Disponível em: clicando aqui. Acesso em 11/11/20.

MARNHO. Onofre Batista Junior. O reformismo tributário no afogadilho da pandemia.  Conjur. 2020. 

NETO, Celso de Barros Correia. Reforma tributária: Comparativo da PEC 45/2019 (Camera) e da PEC 110/2019. Câmera Legislativa. 2019. Disponível clicando aqui. Acesso em 15/12/20.

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SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2017.

SOUZA, Thiago. Reforma tributária: diferenças entre PEC 45 e sistema atual. Dotax. 2020. Disponível clicando aqui. Acesso em 15/12/20.

TORRES, Ricardo Lobo. A ideia de liberdade no estado patrimonial e no estado fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991.

Amanda Vitoria de Oliveira

Amanda Vitoria de Oliveira

Graduando Direito na Instituição Faculdade de Ensino Superior do Paraná. Colaboradora no Escritório Cleverson Marinho Teixeira em Curitiba.

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