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Resolução de conflitos envolvendo nomes de domínio ".br" pelo procedimento do sistema administrativo de conflitos de internet (SACI-Adm)

Em razão do grande volume, da facilidade e do baixo custo de registro, é comum vermos casos de fraudes e infrações marcárias.

terça-feira, 8 de junho de 2021

Atualizado em 9 de junho de 2021 08:11

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

O ".br" é um dos domínios de país mais utilizados em todo o mundo, com mais de 4,7 milhões de registros feitos por pessoas físicas e jurídicas. Atualmente, há mais de 130 tipos de domínios ".br" que podem ser registrados, como o mais famoso ".com.br" para atividades comerciais, o ".net.br", o "ong.br" para atividades não governamentais, o ".edu.br" para instituições de ensino e dezenas de outros para determinadas categorias de profissionais liberais (por exemplo, ".adv.br" e ".med.br") e de pessoas jurídicas (por exemplo, ".radio.br" e ".tur.br") e para cidades específicas (".fortal.br", ".manaus.br", ".sampa.br" e muitos outros). A lista atual com os tipos de domínios ".br" disponíveis pode ser conferida no site do Registro.br (https://registro.br/dominio/categorias/).

Em razão do grande volume, da facilidade e do baixo custo de registro, é comum vermos casos de fraudes e infrações marcárias, sobretudo quando indivíduos registram nomes de domínio idênticos ou similares a marcas de terceiros, até mesmo de grandes empresas, o que pode confundir ou induzir usuários da Internet a erro.

O Registro.br, que é o departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) responsável pelas atividades de registro e manutenção dos nomes de domínios ".br", disponibiliza a ferramenta Whois, por meio da qual é possível consultar quem é o titular de nomes de domínio. No entanto, muitas vezes o titular do nome de domínio é de difícil identificação ou localização, pois é possível inserir informações de contato falsas, desatualizadas ou inexistentes no momento do cadastro, o que dificulta a sua citação em processo judicial envolvendo algum nome de domínio.

Tendo em vista este tipo de dificuldade, o Registro.br implementou o Sistema Administrativo de Conflitos de Internet relativos a nomes de domínios sob o ".br" (SACI-Adm), que tem por objetivo a solução de litígios entre o titular de um nome de domínio ".br" e um terceiro que conteste a legitimidade do registro.

Caso a intenção de um titular de registro de marca seja impedir o uso de um nome de domínio idêntico ou similar a uma de suas marcas, seja pelo cancelamento do nome de domínio, seja pela transferência do domínio para si, muitas vezes a melhor solução é valer-se do mecanismo administrativo SACI-Adm.

O SACI-Adm

O SACI-Adm foi instituído em 30 de setembro de 2010 e é um procedimento conduzido por instituições previamente aprovadas pelo NIC.br.

Atualmente, há três instituições credenciadas pelo NIC.br para processar e decidir controvérsias do SACI-Adm: a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), a Câmara de Comércio Brasil Canadá (CCBC) e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI ou WIPO), que, na qualidade de provedoras do serviço de resolução administrativa de disputas, devem aplicar seus respectivos regulamentos aprovados pelo NIC.br, que estarão sempre em consonância com o regulamento geral próprio do SACI-Adm.

O procedimento administrativo de resolução de litígios pelo SACI-Adm

De acordo com as regras do SACI-Adm, qualquer pessoa que registrar um nome de domínio ".br" consente com os termos e condições do SACI-Adm ao firmar o contrato para registro, sujeitando-se a tal procedimento em caso de disputas.

O titular de uma marca depositada antes do registro do nome de domínio ou já registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) pode apresentar uma reclamação junto a uma das entidades credenciadas pelo NIC.br contra um nome de domínio de terceiro que seja idêntico ou similar à sua marca. Os titulares de marcas ainda não depositadas ou registradas no Brasil mas que sejam marcas notoriamente conhecidas em seus ramos de atividade, conforme o artigo 126 da lei 9.279/96 (lei da Propriedade Industrial), também podem apresentar a reclamação.

Além disso, a pessoa física ou jurídica que tiver direitos sobre um título de estabelecimento, nome empresarial, nome civil, nome de família ou patronímico, pseudônimo ou apelido notoriamente conhecido, nome artístico singular ou coletivo, ou mesmo outro nome de domínio anterior também é parte legítima para ingressar com o procedimento no SACI-Adm contra o registro de um nome de domínio infrator.

Em todos esses casos, o requerente deve indicar se prefere que o nome de domínio em questão seja cancelado ou que lhe seja transferido. Recebida a reclamação pela instituição credenciada, terá início o procedimento SACI-Adm, e o titular do nome de domínio em disputa será notificado por e-mail para, caso queira, apresentar resposta. Se o titular não apresentar defesa, a instituição credenciada deverá comunicar esse fato ao NIC.br no prazo máximo de 10 dias após o decurso do prazo.

Após a comunicação ao NIC.br sobre a revelia, este deve contatar o titular do domínio pelo endereço de e-mail cadastrado no Whois do Registro.br, informando acerca da existência do procedimento e alertando-o de que, se o titular não se manifestar em 24 horas, o domínio objeto da disputa será suspenso.

Encerrada a fase de instrução, o painel de especialistas ou um único especialista indicado pela instituição credenciada, de acordo com a escolha do reclamante ao ingressar com o procedimento, proferirá decisão fundamentada que poderá negar provimento ao pedido da reclamação ou decidir pelo cancelamento ou pela transferência do domínio.

Requisitos da reclamação analisados pelo Painel Administrativo

Para obter êxito na disputa, o reclamante deverá expor as razões pelas quais o nome de domínio foi registrado ou estaria sendo usado de má-fé pelo seu titular.

O regulamento do SACI-Adm traz exemplos de circunstâncias que devem ser demonstradas para fins de comprovação da má-fé do titular do nome de domínio, como:

a) o titular registrou o nome de domínio com o objetivo de vendê-lo, alugá-lo ou transferi-lo para o reclamante ou para terceiros;

b) o titular registrou o nome de domínio para impedir que o reclamante o utilize como um nome do domínio correspondente;

c) o titular registrou o nome de domínio com o objetivo de prejudicar a atividade comercial do reclamante;

d) ao usar o nome de domínio, o titular intencionalmente tenta atrair, com objetivo de lucro, usuários da Internet para o seu site ou para qualquer outro, criando uma situação de provável confusão com o sinal distintivo do reclamante.

A título de exemplo, menciona-se um caso do SACI-Adm decidido pelo Centro de Solução de Disputas, Mediação e Arbitragem em Propriedade Intelectual da ABPI (CSD-ABPI) envolvendo o nome de domínio www.amex.com.br (Caso ND202046).

Na ocasião, a empresa American Express, titular de diversas marcas com a expressão AMEX no Brasil e no exterior, iniciou um procedimento via SACI-Adm requerendo a transferência do nome de domínio www.amex.com.br, registrado por terceiro que não possuía qualquer relação com a empresa ou com a marca. Ao se entrar no site, o usuário era automaticamente redirecionado para páginas duvidosas não relacionadas à American Express.

No caso, a reclamante demonstrou que o nome de domínio fora registrado e utilizado de forma a gerar confusão com sua marca AMEX, a qual estava sendo utilizada sem qualquer autorização.

O reclamado deixou de demonstrar seu legítimo interesse com relação ao nome de domínio e não comprovou ser titular de quaisquer direitos sobre a marca utilizada no nome de domínio por ele registrado.

Para um reclamante, é impossível, ou no mínimo dificílimo, demonstrar que o titular do domínio não possui direitos ou interesses legítimos sobre a marca contida no nome de domínio, pois os reclamantes não dispõem de meios para produzir provas da inexistência de direito alheio. Isso porque, para tal comprovação, o reclamante precisaria ter acesso a informações que são de conhecimento único ou estão sob controle do próprio titular do domínio.

Por isso, o regulamento do SACI-Adm dita, em seu artigo 10(c), que o ônus de comprovar a existência de direito ou interesse legítimo recai sobre o titular do domínio. Em outras palavras, o reclamado, como matéria de defesa, é quem deve demonstrar que possui direitos ou interesses legítimos sobre o domínio em questão, o que não foi demonstrado no caso da disputa envolvendo o domínio www.amex.com.br.

Além da reprodução indevida da marca AMEX, também foi comprovado que o nome de domínio estava sendo utilizado de má-fé, preenchendo, assim, o requisito previsto no Artigo 3, parágrafo único, item (d) do regulamento do SACI-Adm, na medida em que fora criado para operar um site que oferecia informações não oficiais sobre os cartões da American Express, passando-se pela American Express, para obter mais acessos, coletar dados de terceiros e veicular anúncios, bem como para redirecionar os usuários da Internet a outros sites aparentemente fraudulentos.

Assim, o CSD-ABPI reconheceu que o registro do nome de domínio poderia induzir consumidores a erro quanto à origem da página bem como poderia aumentar o tráfego de internautas em seu site, tirando proveito da reputação da reclamante e da marca AMEX.

Neste caso, a má-fé do reclamado também foi comprovada pela constatação de que ele também era titular de quase 500 outros nomes de domínio que, em sua maioria, refletiam ou continham marcas famosas de terceiros ou variações (como marcas com letras faltando, duplicadas ou trocadas).

Algumas pessoas têm como conduta reiterada o registro de nomes de domínio idênticos ou semelhantes a marcas famosas de terceiros, e então tentam revendê-los para as empresas proprietárias de tais marcas, ou de outra forma se beneficiam indevidamente de tal prática (por exemplo, incluindo anúncios em tais sites), o que constituiu forte indício de má-fé. O mesmo titular do nome de domínio www.amex.com.br, inclusive, já havia figurado como reclamado em outros procedimentos do SACI-Adm, que resultaram na transferência ou no cancelamento de outros domínios pelo mesmo motivo.

Essa prática de registrar nomes de domínio formados por marcas famosas de terceiros ou por termos semelhantes sem a devida autorização do titular da marca ou justificativa razoável é chamada de cybersquatting (registro de nome de domínio com a reprodução de uma marca conhecida no mercado com o intuito de enganar consumidores e vender o nome de domínio ao titular da marca) ou typosquatting (registro de domínios semelhantes a marcas conhecidas mas com erros de digitação, com o fim de atrair consumidores ao site). Esses dois tipos de práticas são considerados como má-fé no registro e uso do nome de domínio.

Por fim, a partir da análise de todos os elementos acima, o CSD-ABPI decidiu pela transferência do nome de domínio www.amex.com.br para a American Express, fazendo cessar a infração marcária e solucionando a disputa em questão de forma efetiva e em apenas alguns meses.

Conclusão

A partir do caso mencionado como exemplo, percebe-se que o procedimento SACI-Adm é um importante meio de resolução de conflitos envolvendo nomes de domínio e, além de possibilitar a solução de controvérsias de forma célere, contribui para o combate a práticas de má-fé e a fraudes no registro de nomes de domínio que reproduzem ou contêm marcas conhecidas.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2021. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS

Gustavo Gonçalves Ferrer

Gustavo Gonçalves Ferrer

Associado de Pinheiro Neto Advogados.

Adriana Tourinho Moretto

Adriana Tourinho Moretto

Associada de Pinheiro Neto Advogados.

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