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Os nefastos impactos tributários propostos para a Advocacia pelo Executivo Federal

Foi só em 1996, quando a lei 9.249/95 passou a tributar as sociedades, que o sinal foi trocado, com a isenção dos dividendos.

terça-feira, 6 de julho de 2021

Atualizado às 10:50

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

Neste artigo, pretendo abordar os nefastos impactos que os projetos de lei sobre o Imposto de Renda (PL 2337/21) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (PL 3887/20), encaminhados pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, terão sobre a advocacia, se aprovados como propostos.

De início, é de se pontuar que a desoneração fiscal dos dividendos pagos por pessoas jurídicas, introduzido pelo artigo 10 da lei 9.249/95, estimulou a formação de sociedades de advogados, e inclusive criou a base para viabilizar a criação das sociedades unipessoais de advocacia pela lei 13.247/16. Indiretamente, fortaleceu também a capacidade da advocacia cumprir sua honrosa missão prevista no artigo 133 da Constituição, por propiciar a criação de equipes permanentes, mais aptas a assessorar pessoas jurídicas e defender os direitos e interesses de cidadãos em um ambiente regulatório cada vez mais complexo e desafiador.

No que dialoga especificamente com a tributação das sociedades de advogados e demais sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada, convém lembrar que a legislação sempre buscou evitar a dupla tributação, pois o decreto-lei 2.397/87 previa a não incidência do imposto de renda na pessoa jurídica para considerar o lucro apurado automaticamente distribuído aos sócios, que então pagavam o imposto de acordo com a tabela aplicável à pessoa física. Foi só em 1996, quando a lei 9.249/95 passou a tributar as sociedades, que o sinal foi trocado, com a isenção dos dividendos.

Mesmo hoje, o modelo então existente para as sociedades profissionais remanesce para as sociedades cooperativas, que são isentas de IRPJ e CSSL, com a receita do ato cooperativo sendo tributada diretamente na pessoa física. Talvez seja esse o caminho para os advogados no novo ambiente regulatório: abandonarem as sociedades civis para se reunirem em cooperativas. Resta o desafio de reunir pelo menos vinte colegas para adequação à lei 5.764/71, ou a previsão de número menor, com a adição de um novo capítulo sobre cooperativa de advogados na lei 8.906/94.

Adentrando em dados empíricos, não logrei identificar o número de sociedades de advocacia ativas em todo o país, mas estatística divulgada pela OAB/PR em 21/12/20 aponta que a seccional contava com 74.829 advogados e advogadas, dos quais 23% estavam reunidos em 9.438 sociedades ativas. Dado que existem, em junho de 2021, 1,23 milhões de advogados e advogadas em todo o país, pode-se assumir, mantida a proporção paranaense, que cerca de 300 mil profissionais atuam em sociedades e serão impactados pela mudançao1.

Nas sociedades de advogados, os honorários são recebidos pela pessoa jurídica e constituem sua receita tributável, pelos regimes do Simples Nacional, do lucro presumido ou do lucro real, conforme o volume de receita anual. A opção pelo Simples Nacional depende do enquadramento como microempresa (receita anual de até R$ 360 mil) ou como empresa de pequeno porte (receita anual superior a R$ 360 mil e inferior a R$ 4,8 milhões). Podem optar pelo regime do lucro presumido aquelas sociedades com receita anual inferior a R$ 78 milhões, sendo obrigatória a adoção do lucro real para aquelas que tenham receita superior a esse valor.

A tributação das sociedades optantes do Simples Nacional se dá conforme Tabela IV da LC 123/06, que abrange cinco tributos (IRPJ, CSSL, PIS, COFINS e ISS), com alíquotas variando de 4,5% a 33% da receita bruta, após o desconto das parcelas fixas a deduzir de cada uma das seis faixas de apuração:

Receita Bruta em 12 Meses (em R$)

Alíquota

Valor a Deduzir (em R$)

1a Faixa

Até 180.000,00

4,50%

-

2a Faixa

De 180.000,01 a 360.000,00

9,00%

8.100,00

3a Faixa

De 360.000,01 a 720.000,00

10,20%

12.420,00

4a Faixa

De 720.000,01 a 1.800.000,00

14,00%

39.780,00

5a Faixa

De 1.800.000,01 a 3.600.000,00

22,00%

183.780,00

6a Faixa

De 3.600.000,01 a 4.800.000,00

33,00%

828.000,00

A tributação das sociedades optantes pelo lucro presumido se dá pela aplicação dos quatro tributos federais a uma parcela da receita - o lucro presumido - que é de 32% para as prestadoras de serviços. Já para as poucas sociedades de advogados tributadas pelo lucro real, a apuração dos tributos federais se dá sobre toda a receita, após deduzidos os custos e despesas permitidos pela legislação. Para esses dois últimos casos, diferentemente do que se vê no Simples Nacional, onde é apurado sobre a receita à uma alíquota de 5%, o ISS é apurado por valor fixo por advogado sócio ou empregado, por força do DL 406/68, que foi recepcionado pela Constituição de 1988 (STF, RE 940.769, julgado em 24/04/2019).

Na perspectiva dos sócios, uma vez apurados os tributos em qualquer um dos três regimes, pode a sociedade remunerá-los por distribuição de dividendos, isentos de qualquer tributo, por meio de pro-labore, sujeito à 20% de contribuição previdenciária devida pela sociedade e à retenção de imposto de renda e contribuição previdenciária do advogado conforme tabelas próprias, ou por uma combinação de ambos (embora o pro-labore não seja obrigatório por lei, é recomendável que exista, para evitar que a RFB entenda como remuneração do trabalho, todo o dividendo distribuído e autue a sociedade2).

Feita essa breve síntese da situação atual, passo a avaliar o impacto conjunto de ambos os projetos de lei (3887/20 e 2337/21) sobre a remuneração dos advogados.

O PL 3887/20 cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) em substituição ao PIS e ao COFINS, com alíquota única de 12% (art. 8º) sobre a receita bruta de honorários (art. 7º), independentemente do regime tributário adotado pela sociedade (arts. 3º e 18). Embora o projeto preveja regime não cumulativo, permitindo o aproveitamento de crédito correspondente ao valor da CBS destacado em documento fiscal relativo à aquisição de bens ou serviços pela sociedade (art. 9º), as sociedades de advogados terão pouco a compensar por conta da natureza de suas atividades.

Sob outra perspectiva, ainda que a CBS adote o sistema de tributo sobre valor agregado, não compondo por dentro o preço do serviço, tal como o ISS, PIS e COFINS atuais, é de se ponderar que o repasse automático de um custo de 12% para clientes enfrenta desafios negociais não desprezíveis, não sendo equivocado supor que nem todas as sociedades conseguirão neutralizar o impacto financeiro desse novo tributo, fazendo com que, ao fim e ao cabo, absorvam a elevação do custo fiscal. Só para aquilatar o impacto nas sociedades sob regime de lucro presumido, a introdução da CBS de 12% eleva em mais de 1.000% a tributação hoje existente de PIS/COFINS, cuja alíquota efetiva global é de 1,168% da receita total (3% de Cofins + 0,65% de PIS sobre 32% da receita da sociedade). Semelhante impacto será observado naquelas optantes pelo Simples Nacional.

Se a perspectiva não era boa, ficou pior com o PL 2337/21, que passa a tributar os dividendos na fonte, o que impede, portanto, que haja restituição parcial por conta de deduções com educação, saúde etc. O texto revoga integralmente a isenção de imposto de renda sobre dividendos pagos por sociedades de advogados tributadas pelo lucro real. Para os dividendos pagos pelas sociedades que sejam microempresas ou empresas de pequeno porte, de que trata a LC 123/2006, sejam elas optantes do Simples ou do lucro presumido, há isenção parcial para distribuições até R$ 20.000 ao mês para cada sócio, com tributação do que exceder esse valor (lei 9.249/1995, art.  10-A, §§ 4º e 18, na redação dada pelo art. 3º do PL 2337/21).

Outro aspecto nefasto da lei, e que afeta as sociedades de advogados que têm familiares no quadro social, é a aplicação conjunta da faixa de isenção para todos os sócios que sejam pessoas ligadas, considerando-se como tal os sócios que sejam cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau (lei 9.249/95, art.  10-A, § 6º, na redação dada pelo art. 3º do PL 2337/21). Igual tratamento será dado aos advogados que, atuando em mais de uma seccional, sejam sócios de sociedades de advogados distintas, o que é permitido pelo art. 15, § 4º, da lei 8.906/1994. Para essas situações, a faixa de isenção também é somada (lei 9.249/95, art.  10-A, § 8º, na redação dada pelo art. 3º do PL 2337/21).

Adicionalmente, em caso de incorporação dos lucros ao capital social, se houver restituição aos sócios por redução do capital social nos cinco anos subsequentes ao aumento, haverá tributação e sem a faixa de isenção de R$ 20 mil, como também haverá a mesma tributação em caso de partilha do acervo patrimonial da sociedade em caso de sua dissolução (lei 9.249/95, art.  10-A, §§ 11 e 16, na redação dada pelo art. 3º do PL 2337/21). Se o sócio mantiver as quotas por cinco anos e, então, optar por aliená-las, terá que pagar o Imposto de renda sobre o ganho de capital (15%), porque o custo de aquisição será considerado zero (lei 9.249/95, art.  10-A, § 13, na redação dada pelo art. 3º do PL 2337/21). 

O projeto busca também cercar práticas alternativas de remuneração, como a entrega de bens e direitos da sociedade aos seus sócios, que será considerada pagamento de dividendos e tributada pelo valor de mercado ou pelo valor contábil, o que for maior. Como penalização adicional, se o valor de mercado for superior ao valor contábil, prevê o projeto que a mais-valia será tributada na sociedade como ganho de capital à 15% (lei 9.249/95, art.  10-C, § 5º, na redação dada pelo art. 3º do PL 2337/21). 

Outras formas proibidas, que passam a ser consideradas distribuição disfarçada de lucros a sócios e a pessoas a eles ligadas, compreendem transações financeiras (o mútuo, se na data tiver a sociedade lucros acumulados apurados a partir de janeiro de 2022, ou o perdão de dívidas) e negócios favorecidos em geral, inclusive venda de bens abaixo do mercado ao sócio e vendas de bens à sociedade ou pagamentos de aluguéis, royalties, juros ou assistência técnica por aquela acima de valor de mercado. Para esses casos, o valor distribuído será considerado líquido para fins da incidência do IRRF de 20%, com o consequente reajustamento (gross-up) da base de cálculo (DL 1.598/77, art. 60, na redação dada pelo art. 4º do PL 2337/21). 

Igualmente, passam a ser considerados presumidamente distribuições disfarçadas de lucros os gastos incorridos em benefício dos sócios ou de pessoas a ele ligadas pela sociedade, não necessários às suas atividades, como a compra, leasing e aluguel de veículos e imóveis, ou o pagamento de despesas para sua manutenção, custeio ou manutenção; a compra de alimentos e outros bens; o pagamento de escolas, planos de saúde, clubes e assemelhados; e custeio de salários e encargos de empregados postos à disposição (DL 1.598/77, art.  62-A, na redação dada pelo art. 4º do PL 2337/21). 

O Poder Executivo tem sustentado em suas manifestações públicas que a proposta se justifica porque a maioria dos países tributa dividendos e que esse aumento é compensado pela redução da alíquota base de 15% de IRPJ para 12,5% em 2022 e 10% a partir de 2023. O argumento, obviamente, não se sustenta empiricamente, primeiro porque remanesce o adicional de 10% e foi ampliada a base de cálculo da CSSL, de 9%, o que cria uma alíquota média de 31,5% em 2022 e de 29% a partir de 2023. Segundo porque estudo da OCDE cobrindo 88 jurisdições mostra que a taxa média de imposto de renda (statutory corporate tax) apurada caiu de 28,6% em 2000 para 21,4% em 2018, tendo sido reduzida em 76 jurisdições, e majorada em apenas 6.

No que concerne aos dividendos, em sociedades de advogados, fica clara a bitributação, pois a remuneração da sociedade advém de honorários advocatícios que, pela Lei 8.906/1994, pertencem aos advogados. Se esses os cobram pela sociedade, é para melhor organizar e dividir o trabalho que prestam. O bis in idem tributário é evidente.

Impõe-se, portanto, rever os projetos de lei para reconhecer as particularidades das sociedades de advogados e demais sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada, para excluí-las do regime de tributação de dividendos.

_____________

1- Sugere-se ao Conselho Federal da OAB a consolidação e divulgação desses dados esparsos entre as seccionais, assim como a realização de um rápido censo sobre o regime tributário adotado pelas sociedades de advogados.

2- Ver Solução de Consulta COSIT 79, de 21/06/2021: Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias
SOCIEDADE UNIPESSOAL DE ADVOCACIA. No caso de o titular retirar da sociedade unipessoal um pró-labore, estão configurados os fatos geradores tanto da contribuição patronal da sociedade quanto a de seu titular (o advogado), enquanto contribuinte individual. O fato de a sociedade unipessoal de advocacia não ter empregados não afasta a incidência dessas contribuições. Se contratar empregados, deverá recolher: (i) na condição de empresa contribuinte: as contribuições incidentes sobre o total do pró-labore retirado por seu advogado titular e sobre o total das remunerações pagas aos empregados; e (ii) na condição de responsável: as contribuições devidas pelo contribuinte individual e pelo segurado empregado. Pelo menos parte dos valores retirados pelo advogado titular da sociedade unipessoal precisa ter natureza jurídica de pró-labore, sujeito à incidência de contribuição previdenciária. Se a discriminação entre o pró-labore e a distribuição de lucros não estiver devidamente escriturada, o montante integral será considerado pró-labore. No entanto, caso ele não retire valor algum, a base de cálculo é zero. Enquanto titular da sociedade unipessoal de advocacia, o advogado não é um autônomo. Logo, sua sociedade unipessoal não está desobrigada de recolher a contribuição patronal. SOLUÇÃO DE CONSULTA PARCIALMENTE VINCULADA À SOLUÇÕES DE CONSULTA COSIT N° 88, DE 29 DE JUNHO DE 2020, E Nº 120, DE 17 DE AGOSTO DE 2016. Dispositivos Legais: Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, art. 12, V, "f"; IN RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009, art. 51, I, III, "a", art. 63 e 65, II, "b", 1, art. 72 e 78.

Eduardo Szazi

Eduardo Szazi

Sócio de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados.

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