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Audiência virtual e o risco à idoneidade da prova

Não há regramento na legislação trabalhista a disciplinar a forma, os meios e os requisitos de validade do ato a ser praticado.

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Atualizado às 10:09

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

Em março de 2020, o Brasil se deparou com o início de uma pandemia que perduraria por longo período, limitando a atividade jurisdicional devido à necessidade de distanciamento social. Os prazos processuais e audiências foram suspensas, tendo em vista a gravidade da condição sanitária verificada no país.

Com o tempo, foram expedidas portarias pelo Conselho Nacional de Justiça e Tribunais do país visando a retomada dos prazos processuais e das audiências de modo virtual. Com isso, inúmeras questões surgiram no debate jurídico, especialmente quanto às audiências designadas por meio virtual e a segurança jurídica do ato processual.

Analisando a questão sob o prisma do Direito do Trabalho, verifica-se a ausência de previsão legal na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) acerca da realização de audiências pelo meio virtual. Não há regramento na legislação trabalhista a disciplinar a forma, os meios e os requisitos de validade do ato a ser praticado.

O Código de Processo Civil (CPC), aplicado subsidiariamente ao Processo do Trabalho, traz previsão legal acerca da possibilidade da oitiva da parte (Art. 385, § 3º, CPC) e de testemunhas (Art. 453, § 1º, CPC) por meio virtual se residirem fora da comarca onde tramita o processo, porém, ainda assim, comparecendo perante o Juízo da comarca onde residem para prestar depoimento. Portanto, não há previsão legal para a realização de audiência de instrução integralmente em ambiente virtual, em suas residências, quando partes e testemunhas residam na comarca onde o processo esteja em tramitação.

Nesse sentido, o Art. 453 do CPC é expresso ao prever que as testemunhas prestam depoimento perante o juiz da causa, exceto as que prestam depoimento antecipadamente ou as que são ouvidas por carta precatória fora da comarca onde o processo tramita. O Art. 456 do CPC prevê que as testemunhas serão ouvidas separada e sucessivamente, primeiro as do autor e depois as do réu, competindo ao Juiz providenciar que uma não ouça o depoimento da outra, visando garantir a higidez e credibilidade da prova.

Tal circunstância visa garantir que haja incomunicabilidade entre as testemunhas, bem como evitar que seja ouvido o depoimento das partes e demais testemunhas, assegurando a higidez e credibilidade da prova. Contudo, o mesmo meio tecnológico que permite a realização de audiências por meio virtual poderá violar os preceitos legais, conferindo grande insegurança jurídica ao ato praticado.

Não há como garantir que uma testemunha estará impossibilitada de ouvir o depoimento das partes e testemunhas, ainda que inadvertidamente. Tal situação viola o princípio da segurança jurídica, especialmente em virtude da impossibilidade de o magistrado controlar a integralidade das ações dos participantes de uma audiência virtual, de modo que poderá haver diversos questionamentos acerca da validade da prova produzida, retardando a tramitação do processo em virtude de potenciais arguições de nulidades que porventura venham a ser reconhecidas em instâncias superiores.

Some-se a isso o fato de partes e de testemunhas eventualmente não possuírem acesso aos meios tecnológicos necessários para a realização da solenidade, tais como pacote de internet com ampla disponibilidade dados e com velocidade compatível para suportar o tempo de duração de uma audiência, sequer sendo razoável que tal ônus seja exigível de testemunhas que não possuem interesse no resultado final do processo.

Assim, a celeridade processual e a duração razoável do processo devem ser princípios e objetivos do Poder Judiciário, porém, encontrando limites e jamais se sobrepondo à indispensável segurança jurídica dos atos processuais praticados e da produção de prova idônea e incólume. 

Bruno Bevilaqua Tussi

Bruno Bevilaqua Tussi

Advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho e sócio do escritório Silveiro Advogados.

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