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O testamento como instrumento do planejamento sucessório

O testamento é um ato personalíssimo, não admite assistência, representação, tampouco procuração e, a partir dos 16 anos, é permitida a sua realização, sem a assistência dos pais, não havendo limitador de idade em relação à senilidade.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

Atualizado às 09:44

(Imagem: Divulgação)

Tenho certeza de que todos já ouviram falar em planejamento sucessório ou post mortem, principalmente neste momento em que estamos vivendo a pandemia do novo coronavírus, em que quase toda a população mundial parou para refletir sobre a finitude da vida.

Essa espécie de planejamento visa, em síntese, proporcionar a quem você ama uma situação futura desejada, confortável e previsível.

Para que isso ocorra, na forma que você imaginou, certamente você terá que praticar algumas ações e tomar algumas decisões para que tudo transcorra de forma serena, segura e eficiente.

E uma das primeiras perguntas que temos de nos fazer é: quando esse planejamento sucessório deverá ser preparado? Em que momento das nossas vidas?

A resposta é bem simples: agora!

Infelizmente, temos visto, diariamente, pelas diversas mídias, que a morte tem ceifado vidas de todas as idades.

A outra pergunta que temos de nos fazer é: de que forma devo me planejar, qual o instrumento mais apropriado para a minha situação?

Como todo planejamento, não existe uma única fórmula que servirá a todos. Esse planejamento deverá ser pensado de forma única, a fim de que atenda exatamente aos seus desígnios e às suas necessidades. Podemos dizer que esse planejamento deverá ser realizado sob medida ou, como se costuma dizer, tailormade.

Outro ponto importante é esclarecermos que o testamento se configura em uma das formas de nos planejarmos, é uma espécie. Existem inúmeras maneiras de se planejar! Planejamento sucessório é gênero. Podemos nos planejar celebrando contrato de doação, instituindo um bem de família, incorporando os bens a uma sociedade, contratando seguros de vida, reconhecendo um filho, entre tantas outras formas.

Mas, nesse artigo, vou falar, especificamente, sobre o testamento como instrumento do planejamento sucessório.

O testamento público é o ato (negócio jurídico unilateral) mais solene do nosso Código Civil, exigindo-se a leitura em voz alta e clara na presença das partes, ou seja, o Tabelião deverá ler o testamento, a um só tempo, ao testador e às duas testemunhas, além de outros requisitos expressos na nossa legislação substantiva, a fim de que aquele instrumento exista, seja válido e eficaz, após a morte do testador, segundo as diretrizes do artigo 1.864 e seguintes do Código Civil brasileiro.

O testamento é um ato personalíssimo, não admite assistência, representação, tampouco procuração e, a partir dos 16 anos, é permitida a sua realização, sem a assistência dos pais, não havendo limitador de idade em relação à senilidade. O que a lei sempre exige é a lucidez do testador, diferentemente do que mostra o imaginário social sobre limites de idades.

O testamento, além de personalíssimo, poderá ser alterado a qualquer tempo (vide art. 1.858, do Código Civil), ou seja, poderá ser revogado, sempre que o testador assim o desejar.

Com uma exceção de uma situação, o reconhecimento de filho, seja esse reconhecimento de filiação biológica ou socioafetiva, em relação a essa disposição específica, o ato não poderá ser revogado, a teor do disposto no art. 1.610, do Código Civil.

A regra é que o último testamento revoga os demais. No entanto, se as disposições não forem colidentes, poderemos ter vários testamentos de uma única pessoa.

O nosso Código Civil prevê as formas ordinárias de testamento, que são: (i) o testamento público; (ii) o testamento cerrado; e (iii) o testamento particular.

Por outro lado, prevê, ainda, as formas especiais de se testar, que são: (i) o testamento marítimo; (ii) o testamento aeronáutico; e (iii) o testamento militar.

Neste momento, limitar-me-ei a discorrer sobre as formas ordinárias, mais precisamente o testamento público.

A grande vantagem do testamento público é que esse instrumento, lavrado pelo Tabelião de Notas, trata-se de um documento dotado de fé pública, que faz prova plena, a teor do art. 215, do Código Civil brasileiro.

E o que isso implica dizer?

Isso quer dizer que o testamento público confere extrema segurança e somente será declarada a sua nulidade ou anulabilidade se provado algum vício que o atinja.

Para se lavrar um testamento público, é necessária a presença de duas testemunhas. No entanto, essas testemunhas, a princípio, não precisarão confirmar o testamento em juízo.

Em se tratando de um testamento particular será necessária, ao menos, a presença de três testemunhas, o testador deverá ler o testamento na presença dessas testemunhas, que deverão, após a morte do testador, confirmar o testamento em juízo.

Outra vantagem do testamento público é que você poderá perder a certidão do seu testamento, ou esta poderá sofrer algum dano que a deteriore, no entanto, isso não será problema, pois basta se dirigir ao Tabelionato que lavrou o testamento em questão e pedir uma nova certidão, vide inciso II, do art. 425, do Código de Processo Civil.

Essa nova certidão terá o mesmo valor do original.

Diferentemente do que ocorre com o testamento particular, que, uma vez perdido ou deteriorado, não poderá ser reproduzido.

Outro equívoco frenquente das pessoas é achar que o testamento é um ato muito caro, somente acessível aos ricos. Trata-se de um engano. O testamento público segue uma tabela estadual de valores. E, aqui no Estado do Rio de Janeiro, esse valor é de R$ 708,00, se o testamento for lavrado dentro das dependências do cartório; e R$ 1.046,00, se lido fora do cartório. Como podemos perceber, esses não são valores avultantes.

É bom também que se esclareça que o testamento não impede a alienação de determinado bem, ao contrário do que muitos imaginam.  Se uma pessoa deixar para outra um bem em testamento, essa disposição testamentária não impedirá que o testador disponha daquele bem. O testador não precisará obter a aquiescência do beneficiário do seu testamento, informá-lo, ou mesmo ser obrigado a alterar esse documento, pelo fato de ter vendido um bem testado.

O que vai acontecer em relação àquele bem que foi alienado (e deixado em testamento) é que, naquela disposição específica do testamento, esta perderá o seu objeto. O testamento não será nulo nem anulável.

Outro ponto positivo de se lavrar um testamento público é que não são exigidas as certidões de praxe, como sói acontecer com as escrituras públicas de alienação de bens imóveis, tampouco há incidência de qualquer tipo de tributo. Basta apenas o testador e as duas testemunhas apresentarem os seus respectivos documentos de identidade.

Agora, voltando ao tema planejamento sucessório, é bom que se deixe claro que o testamento não se restringe a questões patrimoniais. Por meio de um testamento, pode-se designar tutor para os filhos menores (parágrafo único, do art. 1.729, do CC), designar um curador especial para cuidar do patrimônio deixado ao menor (§2º, art. 1.733, do CC), destituir os pais dos menores do usufruto legal (inciso III, do art. 1.693, do CC), instituir bem de família (art. 1.711, do CC), substituir beneficiário em contrato de seguro (art. 791, do CC), reconhecimento de filiação biológica e socioafetiva, dispensar a colação de determinado bem (art. 2.006, do CC).

Todavia, se o testamento versar sobre questão patrimonial, teremos que observar a regra contida no art. 1.789, do nosso Código Civil, ou seja, se o testador tiver herdeiros necessários, cônjuge, descendentes e ascendentes, este somente poderá dispor da metade da sua herança.

A dúvida suscitada, atualmente, dá-se em razão do acórdão 878.694-RE, da lavra do ministro Luís Roberto Barroso, que equiparou os direitos sucessórios do cônjuge ao do companheiro.

Será o companheiro equiparado à condição de herdeiro necessário?

Apesar de o ministro Luís Roberto Barroso ter afirmado que o acórdão supracitado não se referiu ao art. 1.845, do Código Civil, porque não fora objeto do pedido do autor, essa discussão persiste no meio jurídico, i.e., o companheiro é ou não herdeiro necessário?

Há doutrinadores e juristas que entendem que o companheiro é herdeiro necessário e há outros que entendem que o companheiro não ostenta essa condição.

Nessa hipótese, a função do Tabelião é agir de forma preventiva, vislumbrando a possibilidade de o juiz aplicar um ou outro entendimento em relação ao direito sucessório do companheiro.

O Tabelião deverá agir preventivamente também nas situações em que o testador acordou com o seu cônjuge, em pacto antenupcial, que ambos renunciarão reciprocamente à herança um do outro.  O mesmo ocorre em escrituras públicas de união estável, estabelecendo o regime da separação convencional e absoluta dos bens, com essa mesma disposição de renúncia recíproca à herança. Trata-se de um assunto altamente polêmico por força do disposto no art. 426 e art. 1.655, ambos do Código Civil brasileiro.

Sabemos que é livre a liberdade de contratar (art. 421, do CC), entretanto, infelizmente, nem sempre as partes cumprem o que fora acordado. Daí a importância de se prever em manifestação de última vontade, que, pelo menos, a totalidade da parte disponível reverterá em favor de quem o testador dispuser.

Portanto, a regra do ordenamento jurídico brasileiro é que 50% da herança pertencerão obrigatoriamente aos herdeiros necessários; e os outros 50%, considerada a parte disponível do patrimônio, poderão ser deixados para qualquer pessoa que o testador quiser dispor em favor.

Modus in rebus, o art. 1.801, também da lei substantiva, dispõe que determinadas pessoas não poderão ser nomeadas herdeiras tampouco legatárias. São elas: (i) a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento; (ii) as testemunhas do testamento; (iii) o concubino do testador casado. Em relação a esse item, temos, também, que no contrato de seguro (art. 793, do CC) e no contrato de doação (art. 550, CC), o legislador se mostra bastante moralista, ao proibir a contratação de seguro e de doação para a concubina ou o concubino; e (iv) o Tabelião, civil ou militar (...) perante quem se fizer (...).

Mencione-se, ainda, por oportuno, que, conquanto a nossa Constituição da República de 1988 preveja a igualdade entre os filhos, vide §6º, do art. 227, o testador poderá deixar a cota disponível do seu patrimônio para apenas um dos seus filhos.

A propósito, aquinhoar mais um filho do que o outro é muito comum nos testamentos.

Outra mudança muito salutar decorrente da pandemia foi a possibilidade de se praticar atos notariais no meio eletrônico.

A partir de maio de 2020, o Conselho Nacional de Justiça, por meio do provimento 100, previu a possilidade dos atos notariais eletrônicos.

Ou seja, a partir de maio de 2020, as pessoas poderão fazer testamentos, escrituras, procurações, tudo sem sair de casa!

Outro avanço importante se deu na esfera administrativa do nosso estado, ao possibilitar a eleição da via extrajudicial para realização do inventário, mesmo quando há testamento.

A lei 11.441/2007 possibilitou a realização de inventário extrajudicial, desde que não haja herdeiros incapazes nem testamento.

Entretanto, a Corregedoria-Geral da Justiça do Rio de Janeiro previu, nos seus arts. 286 e 297, a possbilidade da escolha pela via extrajudicial, ainda que haja testamento.

Contudo, o testamento terá que ter sido revogado, caduco, nulo ou cumprido.

Muitas pessoas por vezes deixavam de realizar um testamento público com receio de que a sua vida particular fosse devassada por terceiros interessados na sua futura herança ou mesmo pessoas curiosas, pois, sendo o testamento lavrado em Tabelionato, todos os atos são públicos, portanto, acessíveis a todos.

Com vistas a evitar esse tipo de situação, a Corregedoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro previu, no seu art. 369-A, que a certidão do testamento, antes da morte do testador, só poderá ser solicitada pelo próprio testador ou por procurador com poderes específicos.

Dessa forma, o testamento público, apesar de público, a certidão deste terá a sua publicidade mitigada em face do supracitado dispositivo contido na Consolidação Normativa. Vale ressaltar que se trata de regra estadual, ou seja, nem todos os estados da nossa Federação adotaram idêntico procedimento. 

Fernanda de Freitas Leitão

Fernanda de Freitas Leitão

Tabeliã do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro.

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