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O intervalo do art. 253 da CLT e a reforma trabalhista

Há controvérsia sobre qual natureza jurídica das horas extras, e se a concessão parcial gera ao empregado ao total do período violado.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Atualizado em 22 de julho de 2021 16:56

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Mesmo caminhando para o quarto ano de vigência da nova legislação, há temas que ainda geram controvérsia entre empregados e empregadores, e que, obviamente, viram objeto de disputas judiciais, como é o caso das horas extras devidas em caso da ausência de concessão das pausas térmicas, previstas no Art. 253 da CLT.

A reflexão nasce, não de uma alteração no referido dispositivo (posto que este não sofreu alteração), mas sim, da alteração da redação do §4º do Art.71 do diploma celetista. Explica-se.

Ambos os dispositivos estão inseridos nos temas de maior destaque nos Tribunais Regionais do Trabalho e no TST, que é a duração do trabalho e os intervalos, e costumam "encarecer" a conta das empresas em demandas judiciais, tornando-se pontos de atenção nos programas de compliance e auditoria trabalhista.

O ponto focal da discussão é que, com a alteração do §4º, do Art. 71 da CLT, as horas extras decorrentes de violação do intervalo para refeição e descanso são devidas apenas sobre os minutos que foram violados, sendo mantido o adicional de 50%, sem os reflexos, haja vista a alteração de sua natureza jurídica de salarial para indenizatória. Por consequência lógica, para os contratos iniciados antes da reforma, os itens I e III da Súmula 437 somente tem efeito até a alteração legislativa, em caso de condenação judicial.

O Art. 253 da CLT reza que os empregados que labutam em câmaras frigoríficas, tem direito a usufruir de uma pausa de 20 (vinte) minutos a cada 1h40 (uma hora e quarenta minutos) de trabalho a serem computadas como hora de serviço, sendo que a inteligência contida na Súmula 438 do TST estendeu o direito aos empregados que laboram em ambientes artificialmente refrigerados, e não só nas câmaras, sendo que a redação do Anexo 9 da NR-15 também reconhece como insalubres, as atividades desempenhadas em ambientes artificialmente refrigerados.

Em que pese ambas as normas serem intervalares, temos aqui a primeira grande diferença, quando pensamos no caso de violação do direito: ao passo que no intervalo para refeição, do Art. 71 da CLT, há previsão legal para o pagamento de horas extras, o intervalo para recuperação térmica, contido no Art. 253, é previsto como hora trabalhada. Assim, o direito às horas extras pela violação do intervalo térmico foi construído pela jurisprudência.

Quando se faz uma leitura apressada, tal análise levaria até a crer que a condenação de empresas ao pagamento de horas extras, em caso de não concessão do referido intervalo, seria decisão que afrontaria o princípio da legalidade, insculpida no Art. 5º, II em Constituição de 1988, se tratando, assim, de mera infração administrativa, a ser apurada pelo Ministério da Economia. Mas quando pensamos que a Carta Maior ventila em seu Art. 7º, XXII que é direito do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, notamos que a construção jurisprudencial neste sentido foi corolário do princípio da proteção, que é basilar do direito laboral.

Então, tomando tais pressupostos como ponto de partida, mesmo a redação do Art. 253 afirmando que o intervalo será computado como jornada, o desequilíbrio entre as partes do pacto de labor e a condição de norma de saúde, higiene e segurança, deve prevalecer.

Superada a ideia de uma possível afronta legal, remanesce o questionamento: é devido apenas o período de pausa não concedido, de forma indenizada e acrescido do adicional de 50 %, utilizando-se, de forma análoga, o novo disposto no § 4º do Art. 71 da CLT? Ou aplica-se a Súmula 437 e seus itens I e III do TST, conferindo-se, portanto, natureza salarial e seus consectários legais, além do adicional de 50% e devido todo o período de 20 minutos de cada pausa violada?

Para chegar-se à uma conclusão, deve-se, de proêmio, partir do pressuposto de que o intervalo intrajornada é uma hipótese de suspenção do contrato de trabalho, posto que o intervalo para recuperação térmica, computa-se como hora trabalhada. Contudo, não se pode olvidar que ambas as normas são relativas à saúde, higiene e segurança do trabalho, o que envolve maior cautela em tal reflexão.

É prudente que as empresas com mais de 20 funcionários (conforme Art. 74, §2º da CLT), a fim de evitar passivo com as referidas horas, quanto para saúde e bem estar dos trabalhadores, promova a retirada dos trabalhadores do ambiente produtivo para fruição do intervalo, e que este seja contado a partir do momento em que o obreiro este em temperatura ambiente, além do registro da fruição dos referidos intervalos, tal como é feito com o ponto eletrônico regulamentado pelas Portarias 1510/2009 e 373/2011 do MTE, hoje incorporado pelo Ministério da Economia.

Um apontamento anterior e importante: se a empresa forneceu todos os EPI's (equipamentos de proteção individuais) aptos a elidir o agente penoso, de acordo com a função a ser exercida pelo trabalhador, é possível excluí-lo do direito ao gozo às pausas previstas no Art. 253 da CLT? Em que pese a inteligência trazida na Súmula 80 do TST, de que o fornecimento de equipamentos de proteção individual aptos a elidir o agende insalubre, exclui o direito à percepção do adicional de insalubridade, a resposta mais prudente é a negativa, haja vista que as atividades de risco III (alto) de acordo com o Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) - Instrução Normativa nº 66, de 1º setembro de 2020, do Ministério da Saúde.

Como dito, quando o tema chega ao judiciário, os empregados pleiteiam horas extras por todos os períodos violados e a natureza salarial, ao passo que, as empresas, caso haja condenação nas horas, defendem aplicação analógica do Art. 71, §4º.

Causou estranheza a alteração legislativa referente ao intervalo alimentar a atribuição de natureza indenizatória às horas extras, em caso de condenação judicial. Isto se dá pelo simples fato de que se há contraprestação pelo trabalho, a princípio, a hora trabalhada teria natureza salarial. Já o pagamento apenas do período violado, foi aceito com mais naturalidade, haja vista que o trabalhador recebia por horas que não haviam sido violadas.

Com relação aos intervalos térmicos, se o trabalhador foi retirado por determinado período da câmara fria ou ambiente artificialmente refrigerado, ainda que não atingidos os 20 minutos estabelecidos na norma, não parece razoável a condenação em horas extras por todo o período violado, mas tão somente do período que lhe foi suprimido. Isto porque, como dito, o caput do Art. 253 já informa não se tratar de hipótese de suspensão do contrato, ou seja, o trabalhador estaria recebendo sem contraprestação, uma vez que aquele período já faz parte de sua jornada normal, não se tratando de labor extraordinário.

Seguido esta linha de raciocínio, não parece haver impeditivo para a aplicação do §4º do Art. 71 para conferir a natureza indenizatória ao intervalo, em caso de violação parcial. Se o legislador conferiu a natureza indenizatória às horas do intervalo para refeição em descanso, que é hipótese de suspensão do contrato, e norma de saúde, higiene e segurança do trabalho, não parece razoável que se mantenha a aplicação dos itens I e III da Súmula 437 do TST.

Desta forma, o mais adequado seria alteração do Art. 253 da CLT, em consonância com o que se aplica no intervalo do Art. 71, uma vez que aquele dispositivo quanto a Súmula 438, não acompanharam a alteração legislativa, dando margem a ambos entendimentos.

Como o dever de mitigar os riscos inerentes ao trabalho é da empresa, o mais recomendado é que as empresas concedam o intervalo e monitorem rigorosamente a fruição pelos trabalhadores com marcação de ponto, a fim de evitar passivos trabalhistas indesejados.

Guilherme Tadeu Cruz Malta

Guilherme Tadeu Cruz Malta

Advogado. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP.

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