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Candidato infectado pela Covid-19 tem direito a remarcação do teste físico em concurso público?

Breves comentários sobre a (i)legalidade das cláusulas de editais de concursos públicos que preveem a exclusão de candidato por contaminação da COVID-19.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Atualizado às 13:57

(Imagem: Arte Migalhas)

Após autorização recente da realização do Concurso Público da Polícia Federal pelo Supremo Tribunal Federal, inúmeros editais de concursos públicos, sobretudo de carreiras policiais - como forma de continuidade ao serviço público essencial - começaram a ser publicados em meio a pandemia do novo coronavírus, todos com cláusulas editalícias que resguardam a segurança dos candidatos e em respeito as normas sanitárias.

Ocorre que, nos concursos com etapas de teste de aptidão física, alguns editais trouxeram expressamente previsões no sentido de que o candidato que estiver acometido pela Covid-19, na data avaliação física, não poderá realizá-los, sendo, por conseguinte, excluído do concurso público.

É fato que tanto os candidatos, assim como o órgão público que realiza um certame público, devem observância às prévias regras editalícias, à luz do princípio da vinculação ao edital.

Acontece que a circunstância atual, impeditiva dos candidatos e da coletividade de um modo geral, qual seja, o acometimento pelo coronavírus, constitui verdadeira circunstância atípica jamais prevista pela sociedade, inexistindo, portanto, previsão similar que regulamente a matéria.

Não é por demais relembrar que a pandemia desencadeada pelo novo coronavírus, a qual, em aproximadamente um ano e meio, infectou e vitimou fatalmente centenas de milhares de pessoas no País e no mundo, revelou, dentre outras coisas, as fraquezas e virtudes do poder público, em especial do sistema público responsável por assegurar os direitos fundamentais à vida e à saúde contemplados nos arts. 5º, 6º e 196 da Constituição Federal. 2

É nesse contexto que se exige mais do que nunca, especialmente por parte das bancas responsáveis por executarem certames públicos, a implementação de regras com interpretações constitucionais que resguardem, acima de tudo, a equidade, o direito à vida e saúde dos candidatos concorrentes de um modo geral.

Desta feita, não se desconhece que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que questões pessoais não possibilitam ao candidato em concurso público, o direito de se submeter à prova de segunda chamada, ainda mais quando não prevista no próprio edital. 3

Porém, é de se observar no caso em comento um verdadeiro distinguishing, sobretudo por ser tratar de questão de saúde pública e de ordem sanitária coletiva.

Vale salientar que a referida decisão do Supremo - no ano de 2013 - se refere a situações individuais, como por exemplo, do candidato que uma semana antes do Teste Físico quebra uma perna, sofre um acidente, quebra um braço, desloca o ombro, ainda que durante a realização do TAF.

Em tais casos, o STF decidiu sim que o princípio da isonomia não possibilita que o candidato tenha direito de realizar prova de segunda chamada por conta de SITUAÇÕES INDIVIDUAIS E PESSOAIS, especialmente porque o edital estabelece tratamento isonômico a todos os outros candidatos.

 Entretanto, em relação a pandemia causada pelo vírus da COVID-19 - com centenas de milhares de mortes - o entendimento e interpretação deve ser outro, sobretudo por consideramos que a situação não é de ordem pessoal - individual do candidato - mas sim coletiva, de saúde pública, especialmente por estarmos vivendo em situação de calamidade pública em todo o país, de modo que a contaminação é praticamente impossível de evitar ou impedir.

Ora, não estamos tratando de um evento comum, do cotidiano social, previsível, mas sim extraordinário, estranho à vontade das partes, sem antecedentes na história mundial e de evidente interesse público, não havendo que se falar em quebra da isonomia para proteger o interesse individual do candidato em detrimento dos demais participantes.

Veja que os editais destes certames foram publicados em meio a pandemia da COVID-19, com normas atípicas que resguardam justamente a saúde e vida dos candidatos, conforme pode ser visto na logística de aplicação das primeiras etapas.

Porém, o mesmo edital utiliza o mesmo fundamento - pandemia - para prejudicar os candidatos, aduzindo que se o candidato contrair Covid será simplesmente excluído sumariamente do certame público, sem possibilidade de um novo reteste.

Com efeito, em razão deste amparo constitucional específico (saúde), principalmente por ser um dos ditames fundamentais, fato é que o contexto da pandemia não pode ser utilizado para ocasionar prejuízo aos candidatos, sob pena de malferir ainda mais o bom senso, a proporcionalidade e a razoabilidade.

Na prática, o não reconhecimento do direito de refazer o teste físico em data oportuna em virtude da infecção da COVID-19, compromete ainda mais a isonomia e equidade do certame público, sobretudo em virtude da infecção pelo vírus que deu origem justamente a pandemia da Covid-19.

Aliás, sobre o tema - ainda em discussão pelos tribunais - já se posicionou o Tribunal Regional Federal da 3ª Região recentemente em um certame público Federal, bem como o Tribunal de Justiça de São Paulo e do Amapá, onde ambos reconheceram a situação atípica e de calamidade pública sanitária, possibilitando aos candidatos o direito ao reteste físico.

Diante desse contexto, resta claro que inúmeros candidatos serão prejudicados por uma regra editalícia que afronta qualquer juízo de razoabilidade, de modo que as Bancas Examinadoras ao criarem outras exigências - por conta da pandemia - obrigatoriamente devem também trazer regras diferenciadas para pessoas infectadas pela Covid-19, fazendo, assim, jus a equidade, o bom senso e a isonomia de todos os participantes do certame em referência.

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1 Disponível aqui.
2 ADPF 754/DF, Relator: Min. Ricardo Lewandowski
3  RE 630733/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 15.5.2013.

Vamário Soares Wanderley de Souza

Vamário Soares Wanderley de Souza

Advogado. Escritor. Especialista em Direito Público e Penal. Sócio fundador do Escritório bewadv. Discente no LLM em Tribunais Superiores pelo IPD. Aprovado na Magistratura do Piauí.

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