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A transparência no pequeno espaço

A transparência não deve ser somente de quem administra interesse, direitos e dinheiro de terceiros, mas também daqueles que votam programas ou autorizações, como dever primordial de fiscalizar, e como exemplo.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Atualizado às 13:41

(Imagem: Arte Migalhas)

Há boa teoria sobre associativismo, no mapa da experiência democrática, que precisa ser refletida e praticada, no país em que não foi massificada a conscientização politico-participativa.  Essa conscientização passa necessariamente pela capilaridade proveniente dos espaços ocupados por organismos associativos de natureza variada.  Nesses espaços situam-se representações de interesse econômico-financeiro, laboral, cultural, esportivo, e de direitos individuais, que se definem como classe ou categoria ou profissão, conferindo organicidade de vontade coletiva a cada vontade individual, em busca de uma construção comum. Sindicatos, associações, grupo de moradores, associações de pais e mestre, academias de letras, etc.

Tal a importância desses organismos juridicamente reconhecidos, que na época da Constituinte celebrava-os como verdadeiras mini -constituintes, porque justamente expressam interesses coletivos. E por falar no fruto dela, é com a Constituição de 1988 que  surge, expressamente, o seu principio e fundamento, que revolucionou a história constitucional do Brasil, o da dignidade da pessoa humana, obrigatória em qualquer reflexão.

Se no texto constitucional existem regras que garantam à cidadania o direito à informação, pessoal e daquilo que possa lhe interessar, ele consagra uma única vez a palavra transparência, como diretriz do sistema nacional de cultura. No entanto, leis posteriores, legislação infraconstitucional, fê-la comum, tal como na Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11) e na da responsabilidade da gestão fiscal (Lei 101/00), com o objetivo supremo de melhorar, mediante o dever da transparência, a gestão pública.  

Assim espaços associativos são espaços para discussão e debates de problemas comuns, à luz da regência de nosso pacto de convivência, que é a Constituição, sendo que debates e discussão aprofundam a consciência da participação, na solução daquilo que de imediato se coloca no horizonte da solução possível, naquele espaço interno, no qual uns executam o que pela lógica a maioria decide e fiscaliza, criando-se a prática da participação.

Esses órgãos de representação têm assim uma função pedagógica, de todos em beneficio de todos, de todos ensinando todos, já que expressam reciprocamente a experiência de sua vida, crença, vontade, opinião livre, que se interagem num ensino reciproco baseado na realidade objetiva.

Nesses espaços o pressuposto é o do sentimento da solidariedade, independentemente de natural diferença ideológica, politica partidária, de etnia, condição econômica ou cultural ou posição social. É um convívio com que há de mais diferente.

Essa prática acaba situando cada um no seu lugar naquele pequeno espaço, mas projeta sua preparada conscientização para opinar, propor, criticar, aplaudir o que acontece nos negócios públicos da sua cidade, seu país e o mundo, em permanente mutação.

Assim a organicidade associativa, se tem a solidariedade como elo de sua força, tem o imperativo da transparência, para servir de luz à sustentação do crescimento/desenvolvimento da entidade, com as politicas que possam ser votadas pela maioria, e executada por quem se elege para executá-las.

Nesses espaços de conscientização e experiência inaugural na senda democrática o que sobreleva é a liberdade de opinião e o respeito ao outro, por ventura discordante.

Essa clareza de opinião é a base da critica construtiva, que necessita saber, como tem direito de saber dos escaninhos de cada espaço organizado, como conselho ou como diretoria executiva. Aquele e o seu dever de fiscalizar, e essa como executora da vontade coletiva.

A clareza nesse aspecto tem um nome. Ela se chama mesmo transparência, posto que negócios associativos e negócios públicos precisam de controle social, assim como as instituições e os poderes de quaisquer governos. A clareza gera o sentimento de confiança, responsável pela legitimidade dos atos associativos e dos atos dos poderes públicos.

Não há hipótese de pessoa ser titular de algum poder em associação privada, ou nas instituições públicas e poderes institucionais, e ficar absolutamente livre de controle social. Controle social compreende-se como o controle da sociedade, único eficiente para que não surja a deletéria solidariedade corporativa, protetora disfarçada dos interesses da corporação, seja civil ou militar.

A transparência nos negócios públicos encontra sua raiz no império do principio da publicidade, que é constitucional, e cuja redução deve ser por lei formal. Enquanto que a transparência dos negócios privados, resulta dos princípios sociais, que configuram a chamada boa-fé objetiva, cujas raízes são os princípios éticos e morais, e que devem valer para todos os contratos, inclusive para os contratos plurilaterais, que são os contratos associativos.  O conceito de publicidade e o conceito de transparência se complementam, em defesa da gestão eficiente, sempre controlável e fixada em limites legais.

A transparência não deve ser somente de quem administra interesse, direitos e dinheiro de terceiros, mas também daqueles que votam programas ou autorizações, como dever primordial de fiscalizar, e como exemplo. Não se esquecendo de que os órgãos colegiados encerram o direito-dever de aprovar e desaprovar, propor, criticar, aplaudir, apresentar e votar planos estabelecer restrições ao órgão executor, exigir que o dever de informar seja cumprido rigorosamente. Aliás, ela é tão importante que, em regra, todo candidato, no período pré-eleitoral utiliza-se dessa palavra mágica, para alçar ao pretendido posto. Transparência. Mais a palavra democracia, que tem se tornado uma espécie viúva alegre disposta a se casar com qualquer adjetivo.

A não transparência, criada pela violação do principio e do dever de  informar, em regra conduz ao desvio de comportamento, que se chama corrupção, que não se restringe a dinheiro apropriado indevidamente, no bolso, cueca, mala ou paraíso fiscal. Aplicar uma lei de maneira contraria a sua letra ou ao espirito que a preside pode configurar uma corrupção.

A corrupção, mesmo prevenida pela necessária transparência associativa ou dos negócios públicos, não é fácil de defini-la, pois a gama de atos produzidos pelo gênio humano não abarca todas as possibilidades de sua ocorrência.

Há estudiosos que até prepararam listas de atos corruptivos, sendo comum a elas o único e o mais danoso que é suborno.

A corrupção é tão velha no comportamento humano, que "Aristóteles, Tomás de Aquino, Petrarca e Maquiavel distinguiram 'o ganho privado ou o interesse próprio de um governante do interesse comum ou próprio' (in O Direito Brasileiro Anti-CORRUOÇÃO NUMA ENCRUZILHADA, Fernando P. de Mello Barreto Fº, Migalhas, 2019).

E esse autor relembra que as organizações internacionais, surgidas após a 2ª. Guerra Mundial, levaram muitos anos para elaborarem documentos, que instrumentaliza à luta contra a corrupção. Ele diz: "O Brasil assinou três convenções internacionais sobre corrupção: A Convenção Interamericana contra a Corrupção da OEA (Organização dos Estados Americanos); a Convenção sobre Combate ao Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento), e a Convenção contra a Corrupção da ONU (Organização das Nações Unidas)". É certo que tais instrumentos internacionais ingressaram, após assinatura e reconhecimento dos poderes do Estado brasileiro, como legislação, que se aplica naturalmente no território pátrio.

Se o motivo real da corrupção é quase impossível de se apontar, a realidade nos impõe o dever de preveni-la ou combate-la onde quer que tenha potencial de surgimento, ou onde quer que ela se denuncie pelos desvãos da incoerência e da contradição.

Voltando-se ao espaço associativo, ele na verdade repete, em menor dimensão democrática, o espaço público da democracia participativa, sempre desejada e nunca inacabada, pressupondo em suas obrigatórias relações constitutivas o sentimento comum da solidariedade e do esforço comum da construção.

Feres Sabino

Feres Sabino

Advogado.

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