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Marco Legal das Startups: conquistas e decepções

A regulamentação foi um passo importante, mas faltou ousadia para tratar de questões fundamentais.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Atualizado às 07:55

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O mercado de startups ganha cada vez mais importância no Brasil. A estimativa é que, nos últimos cinco anos, o setor tenha crescido 300%, segundo dados da Associação Brasileira de Startups (Abstartusps). Sua relevância social tornou-se inquestionável, o que levou à necessidade da regulamentação do setor. Assim, no início de junho, após dois anos de tramitação no Congresso Nacional, foi sancionada a LC182/21, que ficou conhecida como Marco Legal das Startups. A nova lei representa um primeiro passo, mas faltou coragem para abordar campos que impactariam de forma definitiva a expansão das startups no país, principalmente das empresas mais novas e com menos poder de investimento.

A definição legal das startups, clara e objetiva, e o reconhecimento dessas empresas como parte do ecossistema de inovação do Brasil certamente são medidas importantes para o desenvolvimento do setor. Outro fator que deve acelerar os investimentos e aquecer ainda mais o mercado são os dispositivos que dão maior segurança ao investidor anjo. Com a nova lei, quem investir em uma startup será remunerado por seus aportes, mas não precisa se tornar sócio, nem se preocupar com possíveis passivos da empresa, desde que não faça parte da administração. Essa segurança jurídica aliada a taxa Selic baixa, torna as startups uma boa opção de investimento, para quem busca maior rentabilidade e não tem aversão a risco.

Outra vitória foi a simplificação para se constituir como Sociedade Anônima (SA), modelo mais adequado para atrair investimentos e que permitirá às empresas atuar com livros digitais. As startups também ficarão dispensadas de publicações impressas, podendo fazê-las na internet, o que reduz custos. Mas, a bola fora foi o corte da proposta inicial de incluir startups estabelecidas como SAs no regime Simples Nacional. Com isso, não ficam sujeitas a uma regra fiscal especial, o que penaliza, em especial, as de menor capital. O novo Marco Legal perdeu a oportunidade de apresentar soluções importantes para reduzir a alta carga tributária brasileira para essas empresas e alavancar ainda mais este ecossistema. Hoje, a maioria dos empreendedores têm dificuldade em se manter e muitos possíveis empreendedores não têm condições de sequer abrir seu negócio e implementar seus projetos inovadores.

Por outro lado, um golaço da nova lei foi a criação de normas que facilitem o acesso das startups a licitações de órgãos públicos, por meio de uma modalidade especial para contratar pessoas jurídicas, com o objetivo de testar soluções inovadoras. Antes, a burocracia estatal representava uma importante barreira para a expansão nesse mercado. Espera-se que a nova regra impulsione as govtechs.  Além disso, o resultado das concorrências deixa de ser focado apenas no menor custo, mas também passa a considerar a qualidade do serviço e o potencial de realização do mesmo.

A criação de um ambiente regulatório experimental, que permite a testagem de novidades com mais liberdade de atuação, os chamados sandboxes regulatórios, é outra mudança positiva. Antes, com setores regulados por normas rígidas, ficava difícil inovar. Com a nova lei, as agências reguladoras poderão suspender temporariamente para as startups determinadas normas exigidas das empresas que atuam no setor. No período, o regulador observa e monitora o desenvolvimento da nova solução e seu possível impacto no mercado. Ao fim da fase experimental, o projeto pode ser autorizado ou não a atuar de forma plena, e novas regulações podem ser criadas. Espera-se que, desta forma, agências reguladoras e startups possam construir juntas soluções e regulamentações.

Além de não trazer soluções para a questão tributária, o texto final deixou de tratar das normas referentes às relações trabalhistas. Hoje, por questões financeiras, grande parte das startups não possui condições de contratar funcionários no regime CLT. Em sua maioria, essas empresas optam por contratar os profissionais como Pessoas Jurídicas (MEI). Uma boa solução foi excluída da versão final da lei: a proposta de stock options (opções de ação). Com o instrumento, a empresa poderia oferecer participação societária ao funcionário, o que ajudaria a atrair mão de obra qualificada, já que as startups têm dificuldade em oferecer um salário competitivo, à altura de grandes corporações.

Entre acertos e erros, o novo marco legal das startups representa um avanço, que precisa ser lapidado. Saímos do zero e podemos andar mais rápido para solucionar, sobretudo, as questões tributária e trabalhista. É preciso um pouco mais de ousadia, ouvindo os representantes do setor. O Brasil só tem a ganhar.

Felipe de Araújo Monteiro

Felipe de Araújo Monteiro

Head de Inovação e Startups; Graduação em Direito pela PUC-SP; Graduação em Relações Internacionais com ênfase em Marketing e Negócios pela ESPM. Associado ao escritório Kasznar Leonardos.

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