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Orçamento impositivo e o "abuso" do poder legislativo orçamentário

Uma analogia entre o orçamento impositivo e os abusos dos poderes político e econômico, como formas de comprometimento da isonomia, representatividade e legitimidade do processo eleitoral.

terça-feira, 27 de julho de 2021

Atualizado em 10 de agosto de 2021 09:32

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A Constituição Federal de 1988 restabeleceu a prerrogativa do poder Legislativo de emendar o projeto de lei orçamentário anual, assim os legisladores voltaram a ter o poder de interferir na despesa a ser executada, prevista na peça orçamentária. Desde então, a cada nova legislatura e a cada exercício orçamentário-financeiro nossos representantes vem ampliando esse poder, sendo o mais recente exemplo dessa ampliação às aprovações das EC's 86/2015 e 100/2019, que tornaram obrigatórias as execuções das emendas individuais e de bancada.

As emendas orçamentárias são produzidas quando o orçamento é apreciado nas casas legislativas e no decorrer dessa etapa do ciclo orçamentário, os parlamentares possuem o direito de propor o remanejando e alteração das dotações das programações encaminhadas no texto original do poder Executivo.

Em razão dessa prerrogativa, é possível que senadores(as) e deputados(as) Federais que concorram a reeleição obtenham vantagem sobre aqueles candidatos sem mandato, em razão dos primeiros poderem destinar recursos do Orçamento Geral da União para seus estados, beneficiando diretamente o conjunto de seus eleitores, por meio das emendas individuais e de bancadas, cujas as execuções são obrigatórias.

As emendas individuais são tidas por alguns autores como "pork barrel". Essa expressão é usada na literatura mundial para designar o particularismo legislativo, quando deputados(as) e senadores(as) fazem uso de políticas de caráter distributivo para angariar os votos das pessoas beneficiadas. A literatura defini tal procedimento como "pork barrel spending", que significa políticas distributivas cujos benefícios e beneficiários dos recursos públicos concentram-se em determinada área ou zona eleitoral. Cabe destacar, também, certo perfil clientelista que ainda parece existir na relação político e eleitor no Brasil, fenômeno que pode ser potencializado através do uso eleitoral dos recursos orçamentários oriundos das emendas individuais e de bancadas.

Destaca-se também, que o orçamento impositivo pode ser considerado uma afronta ao princípio constitucional da impessoalidade presente no art. 37 da Constituição Federal de 1988, quando o legislador faz uso das emendas individuais como forma de promoção pessoal, ao fazer propaganda e divulgação do seu nome na condição de autor da destinação de dotações orçamentárias, para atender demandas, mesmo que legítimas, do seu Estado. Esta ação reiterada a cada exercício orçamentário, pode beneficiar o parlamentar, enquanto candidato, trazendo indesejável desequilíbrio nas eleições.

Em relação ao processo eleitoral a imposição de execução das emendas individuais vai em direção contrária de medidas usadas nos últimos anos para eliminar desigualdades no pleito para a escolha dos representantes do povo, como por exemplo o fim do financiamento de campanhas por pessoas jurídicas, aprovado em 2017, que alterou o artigo 31, inciso II, da lei 9.096/1995.1

Além das críticas às emendas parlamentares, relacionadas ao incentivo à prática de corrupção e utilização pouco efetiva do erário, a desigualdade entre candidatos com e sem mandato, pode ser potencializada em razão da imposição de execução das emendas, comprometendo a isonomia de candidaturas, a representatividade, normalidade e legitimidade do processo eleitoral.

Cabe também uma analogia entre as consequências e efeitos do Orçamento Impositivo e as condutas de Abuso de Poder Econômico e Abuso do Poder Político no processo eleitoral, uma vez que a utilização de recursos do Orçamento Geral da União por deputados(as) e senadores(as), pode exercer influência sobre o voto do eleitor, impactando na renovação das casas legislativas, podendo definir os candidatos que serão eleitos.

O abuso de poder político ocorre nas situações em que seu detentor faz uso da sua posição para influenciar na decisão de voto do eleitor. É definido como ato de autoridade praticado em detrimento da liberdade do eleitor em decidir em quem vai votar com base em suas convicções. Já o abuso do poder econômico, em legislação eleitoral, ocorre com o uso, anteriormente ou durante a campanha, de recursos materiais ou de pessoas que tenham valor econômico, buscando o benefício de determinado partido, candidato ou coligação.

Os abusos do poder político e econômico são condutas vedadas praticadas no período eleitoral, que podem ensejar, entre outras punições, à inelegibilidade do candidato por oito anos, nos termos da LC 64/19902.

A reflexão necessária é avaliar em qual medida cabe à analogia entre as condutas definidas como abuso do poder político e econômico e a utilização dos recursos oriundos das dotações orçamentárias objeto das emendas parlamentares de execução obrigatória - orçamento impositivo - como um tipo de conduta que também deveria ser combatida, podendo ser considerada como um tipo de "abuso" do poder legislativo orçamentário, já que parece ser inegável a potencial influência do orçamento impositivo sobre o processo eleitoral.

O perfil de alocação das dotações das emendas parlamentares, sobre tudo as individuais, possui profunda característica de política distributiva, o que pode conduzir a concentração de benefícios e beneficiados, porém os custos dessa operação são divididos por toda a sociedade. Cabe ressaltar ainda, a recorrente ineficiência da execução das ações que devem ser empreendidas com os recursos das despesas inseridas na lei orçamentária através das emendas, já que, como regra, seus autores parecem não considerar qualquer tipo de planejamento, princípios ou regras para alcance da finalidade da aplicação dos recursos públicos, que deve ser o bem coletivo.

Os legisladores privilegiam regiões onde obtiveram melhor votação ou municípios nos quais o administrador é do mesmo partido ou do mesmo grupo político, e por vezes desconsideram se o município possui capacidade e está apto para receber e executar os recursos, de modo apropriado e se o fim social que deve visar o benefício coletivo será efetivamente alcançado.

As eleições, o poder do voto e o modelo de representação do nosso sistema, são três dos maiores pilares da nossa Democracia e qualquer ameaça a eles deve ser rechaçada. Mesmo que legítima, a atuação dos senhoras e senhores congressistas durante o ciclo do Processo Legislativo Orçamentário mostrasse temerária, uma vez que avança, a cada ano, a interferência do poder Legislativo quando impõe, a cada exercício, a obrigatoriedade de execução de parte das dotações de despesas previstas na lei orçamentária. Há que se avaliar se não estamos diante de uma forma de "abuso" legislativo orçamentário, em razão do possível comprometimento da isonomia entre candidatos, da representatividade, da legitimidade e do desequilíbrio que o instituto do orçamento impositivo pode causar ao sufrágio brasileiro.

Ainda que outros quesitos influenciem na decisão do eleitor, de certo a interferência ou não do orçamento impositivo na escolha dos nossos representantes poderá ser melhor avaliada após o resultado das eleições de 2022, quando poderão ser observados, de maneira mais efetiva, os efeitos da execução obrigatória dos vultosos recursos das emendas individuais, de bancadas e, até, dos recursos das emendas de relator, essas últimas motivo de mais uma grande polêmica em torno do tema.

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1 BRASIL. PLANALTO. Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995. 2021. Acesso em: 15 jul. 2021.

2 BRASIL. PLANALTO. LC 64, de 18 de maio de 1990. 2021. Acesso em: 15 jul. 2021.

Jó Carneiro da Rocha Menezes

Jó Carneiro da Rocha Menezes

Assistente Técnico na Câmara dos Deputados, Bacharel em Direito, Técnico em Contabilidade e pós-graduando em Orçamento Público no Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), Escola de Governo do Senado Federal.

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