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STF afirma ser inconstitucional o reconhecimento de Direito Previdenciário decorrente de relação concubinária

O caso analisado no referido julgamento trata de pedido de concessão de pensão por morte por companheira de falecido, com quem teria convivido por aproximadamente três anos, sendo que o falecido era casado nessa época, circunstância que caracteriza a relação como sendo de concubinato.

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Atualizado às 07:50

(Imagem: Arte Migalhas)

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento virtual finalizado dia 2 de agosto de 2021, apreciando o tema 526 da repercussão geral, fixou por maioria a seguinte tese: "É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável".

O caso analisado no referido julgamento trata de pedido de concessão de pensão por morte por companheira de falecido, com quem teria convivido por aproximadamente três anos, sendo que o falecido era casado nessa época, circunstância que caracteriza a relação como sendo de concubinato.

O acórdão recorrido havia deferido o pleito de recebimento de pensão por morte, o que se daria em concorrência com a viúva. 

Ao analisar o RE 883.168, o relator, ministro Dias Toffoli, ponderou não ser possível o reconhecimento de direitos previdenciários derivados de relação concubinária. Para tanto, referiu-se a recente julgamento com tese de repercussão geral fixada no RE 1.045.273:

Nesse caso precedente, os ministros do STF analisaram a seguinte questão:

Um homem manteve simultâneas relações equiparáveis à união estável com uma mulher e outro homem. Esta relação homoafetiva teria perdurado por mais de dez anos.

Após a morte do companheiro, a mulher foi a juízo e obteve o reconhecimento judicial da união estável. Posteriormente, o outro parceiro também questionou judicialmente sua relação, tendo sido reconhecida em primeiro grau sua união estável.

Instado a decidir a questão, o Supremo Tribunal Federal assentou que:

"A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro."

Eis a ementa desse julgado:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 529. CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RATEIO ENTRE COMPANHEIRA E COMPANHEIRO, DE UNIÕES ESTÁVEIS CONCOMITANTES. IMPOSSIBILIDADE.

1. A questão constitucional em jogo neste precedente com repercussão geral reconhecida é a possibilidade de reconhecimento, pelo Estado, da coexistência de duas uniões estáveis paralelas, e o consequente rateio da pensão por morte entre os companheiros sobreviventes - independentemente de serem relações hétero ou homoafetivas.

2. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL tem precedentes no sentido da impossibilidade de reconhecimento de união estável, em que um dos conviventes estivesse paralelamente envolvido em casamento ainda válido, sendo tal relação enquadrada no art. 1.727 do Código Civil, que se reporta à figura da relação concubinária (as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato).

3. É vedado o reconhecimento de uma segunda união estável, independentemente de ser hétero ou homoafetiva, quando demonstrada a existência de uma primeira união estável, juridicamente reconhecida. Em que pesem os avanços na dinâmica e na forma do tratamento dispensado aos mais matizados núcleos familiares, movidos pelo afeto, pela compreensão das diferenças, respeito mútuo, busca da felicidade e liberdade individual de cada qual dos membros, entre outros predicados, que regem inclusive os que vivem sob a égide do casamento e da união estável, subsistem em nosso ordenamento jurídico constitucional os ideais monogâmicos, para o reconhecimento do casamento e da união estável, sendo, inclusive, previsto como deveres aos cônjuges, com substrato no regime monogâmico, a exigência de fidelidade recíproca durante o pacto nupcial (art. 1.566, I, do Código Civil).

4. A existência de uma declaração judicial de existência de união estável é, por si só, óbice ao reconhecimento de uma outra união paralelamente estabelecida por um dos companheiros durante o mesmo período, uma vez que o artigo 226, § 3º, da Constituição se esteia no princípio de exclusividade ou de monogamia, como requisito para o reconhecimento jurídico desse tipo de relação afetiva inserta no mosaico familiar atual, independentemente de se tratar de relacionamentos hétero ou homoafetivos.

5. Tese para fins de repercussão geral: A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico constitucional brasileiro.

6. Recurso extraordinário a que se nega provimento".

Em que pesem considerações outras, como a divergência manifestada pelo eminente ministro Edson Fachin no RE 883.168, que ao divergir, propôs a tese de que: "É possível o reconhecimento de efeitos previdenciários póstumos à viúva e companheira concomitantes, desde que presente o requisito da boa-fé objetiva", me parece correto o posicionamento adotado pela excelsa Corte.

Conforme explicitei em artigo publicado em 2009 no informativo Migalhas, intitulado União Estável x Concubinato, "não é demais lembrarmos que o artigo 1.723 do Código Civil estatui que 'é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família'.

De outro lado, prevê o artigo 1.727 do Código Civil que 'as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato'.

Ora, a lei é clara e não dá margens a diferentes interpretações.

Para caracterização da união estável é indispensável que entre homem e mulher haja convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família.

Por ter como objetivo a constituição de família é que a lei previu expressamente (conforme § 1º do art. 1.723 do CC) que 'a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente'.

Em razão disso, existindo prova de uma das partes ser casada e com seu cônjuge sempre ter convivido, nunca dele tendo se separado, seja de fato ou de direito, impróprio é rotular de união estável uma eventual relação simultânea ao casamento.

Em tal situação, nada obstante estarmos diante de um fato que contraria a boa moral, em termos jurídico, quando muito, poderíamos dizer tratar-se de um concubinato impuro ou impróprio, nunca de uma relação de união estável. E por se tratar de concubinato, não há que se falar em direito a alimentos."

Naquela ocasião, fiz expressa referência ao julgamento do recurso extraordinário 397.762-8, relatado pelo eminente ministro Marco Aurélio, cuja ementa ilustra as considerações acima tecidas, dispensando maiores digressões.  Com efeito, assim se encontra redigida a ementa:

"Companheira e Concubina - Distinção. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. União Estável - Proteção do Estado. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato."

Diante disso, enquanto houver a distinção entre os institutos, uma vez caracterizado o concubinato, tal como nos casos acima mencionados, impossível o reconhecimento de direitos dele derivados.

Renato de Mello Almada

Renato de Mello Almada

Advogado, sócio do escritório Chiarottino e Nicoletti - Advogados. Relator da 23ª turma disciplinar do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Membro Associado do Instituto Brasileiro de Direito de Família.

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