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El reino medio e suyas capitanias (algunas aún hereditarias)

Antes es para ti, que para cualquiera de estos aventureros.

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Atualizado às 09:23

(Imagem: Arte Migalhas)

A história da conquista da América tem certo padrão, mas apresenta diferenças sensíveis com relação a alguns países, a mesma observação se fazendo quanto às suas instituições (ou melhor, a falta delas em muitos casos). No tocante aos Estados Unidos, por exemplo, a terra foi tomada pelos imigrantes, que dentro de um tempo relativamente curto e às suas próprias custas, avançaram do Atlântico até o Pacífico, levando os índios e os búfalos de roldão. Não havia dinheiro público envolvido.

Quando se fala em instituições a referência é feita quanto a alguma coisa estável no espaço e no tempo, a qual cria laços de confiança e de estabilidade, elementos essenciais para que se alcance adequado nível de segurança e certeza por parte do cidadão. Mas do lado de El Reino Medio a instituição que teria se formado é que não haveria instituições: tudo seria fugaz, como uma miragem no deserto. Mas as instituições podem ser como as bruxas: nós não as vemos, mas elas estão por aí, ou como se costuma dizer "Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay".

Me estendendo um pouco mais sobre essas instituições frequentemente não diretamente perceptíveis, isto acontece porque elas sempre estiveram presentes, mas não foram desafiadas a se mostrar. E um caráter das verdadeiras instituições está em que quando são atacadas, mesmo violentamente, elas tendem a se dobrar, mas não se quebram. Mas isso tem um limite. Quando um estado democrático de direito começa a ser desmontado como tal por algum sumo dirigente (e com a adesão de uma legião de interesseiros), se a sociedade não se colocar de peito aberto diante do ataque, as instituições podem desabar e, com elas, adeus à democracia.

Em relação a El Reino Medio, uma das nações das Américas, a coisa foi bem diferente do que no modelo norte-americano, havendo El Rey, pouco de depois de sua descoberta1, criado capitanias hereditárias, mediante uma determinada divisão aleatória das terras, cabendo aos respectivos capitães fazer a sua ocupação, explorar a terra e os seus bens e tirar o seu lucro sem se esquecerem da parte devida à sua alteza real. Os seculares habitantes eram um ativo a ser posto a trabalhar na modalidade de escravos, mas sua utilização com esse objetivo para a exploração da terra não surtiu o efeito esperado (mesmo porque boa parte deles morreu infectada pela doenças trazidas pelos colonizadores, até que se chegou alguma imunidade do relativamente pouco restante do rebanho2) e daí, mais tarde, veio a importação dos negros africanos, um negócio que rendia alto lucro e que reservou a El Reino Medio a medalha de ouro nessa atividade, tardiamente encerrada (não tendo terminado da melhor forma, tendo em conta, como se sabe - ignominia maior - que os escravos libertos foram largados à própria sorte).

Examinando-se o que acontece séculos depois, ainda podemos afirmar que o modelo das capitanias segue rígido e forte em certos segmentos da sociedade de El Reino Medio, atingindo os três poderes da Resprivada (porque, na verdade, não se cuida, no fundo, de uma República, ou só se for de bananas). Por exemplo, pratica-se o nepotismo em qualquer setor, sempre que se pode e, quando se procura coibi-lo, eis que, senão quando, alguém apresenta um projeto de lei para sancionar a sua durabilidade, quiçá eterna, sem ficar minimamente corado. Nepotismo é uma modalidade de capitania hereditária.

El Rey que na atualidade (des)governa El Reino Medio é o titular principal da distribuição de capitanias e entre elas ele entende como tal a Corte Máxima, cujos membros deseja sejam seus solícitos serviçais. Fazendo um pouco como Montesquieu, que olhou para a corte congênere nos Estados Unidos da América, vemos muitas diferenças e algumas semelhanças em relação a El Reino Medio. No primeiro caso trata-se de uma instituição que se apresentaria como independente e sólida, imune aos avanços de algum monarca. Mas, quando ela é examinada com cuidado, vê-se que as nomeações de juízes têm se dado em favor dos interesses do partido do governante de plantão, nomeando-se conservadores ou democratas segundo o poder de quem tem a caneta. E o último governante descaradamente desejou transformá-la em uma capitania, sem sucesso.  

Mas no caso acima o efeito de tais escolhas se dá, fundamentalmente, com relação aos respectivos programas dos mencionados partidos. Por exemplo, os conservadores se colocam de maneira geral contra o aborto e os democratas a favor (dito aqui de forma bem simples). Ali não existe, ao menos ao que se percebe, a fulanização de quem é indicado. A relação de causa e efeito entre interesses do eleitor e do eleito não se tem dado como favas contadas.

Em El Reino Medio o preenchimento de vagas de sua corte máxima, no entendimento dos diversos soberanos que por ali passaram, deveria acontecer segundo o modelo das antigas capitanias, mediante retribuição direta do favor da nomeação, segundo os interesses pertinentes àquele. E as indicações têm tido relação imediata, também, com a plataforma político/jurídica dos indicados, a partir das forças que os apoiam e que tenham o poder de fazer, entre outros efeitos, com que El Rey não seja merecidamente defenestrado. Por isso a bem lembrada frase apresentada no título deste artigo, feita pelo monarca de outro país da região ao seu querido filho.

Presente em lugar de destaque na atual constituição de El Reino Medio, a sua suprema corte tem um tratamento próprio, que a colocaria no patamar das verdadeiras instituições, adjutora privilegiada na defesa do chamado estado democrático de direito.  Daí que não seria de se esperar um comportamento de vassalagem do indicado em relação ao nomeador. Com o fim de se fazer um controle dos interesses pessoais de El Rey na indicação de um novo membro dessa alta corte, constituiu-se no Senado Federal o poder de homologar ou não o nome do candidato, segundo preceitos de capacidade jurídica e de isenção. Mas a receita não tem funcionado inteiramente a contendo, por alguns motivos particulares ligados, por sua vez, aos interesses pessoais dos próprios escrutinadores. A esse respeito sabe-se estatisticamente que eles mesmos ou pessoas relacionadas poderão eventualmente estar (ou já estão) nas mãos daquela corte, em vista inúmeros processos judiciais a instaurar ou já instaurados. Daí, adeus a um exame neutro. Afinal de contas, seguro morreu de velho.

Uma das práticas mais deletérias quanto a essas nomeações, que mostra a que elas vêm, está no périplo que o pré-candidato ou o já candidato a uma indicação faz previa e servilmente aos gabinetes dos senadores que deverão examiná-los, com intensidade e zelo maiores justamente quanto aos que aparentam ser inicialmente contra os suplicantes a uma vaga. Para coibir essa prática, a solução estaria tão somente no isolamento total do indicado numa solitária, sem interlocutores, correio ou internet até o dia do seu exame pelo colégio senatorial. Sonho de uma curta noite de verão...

Ou seja, nota zero para um sistema em relação ao qual a objetividade deveria ser a pedra fundamental. O mesmo acontece quanto à apuração da história jurídica do candidato, que tem sido um pormenor muito pequeno mesmo no exame daquele.

Particularmente à indicação presente em El Reino Medio, ela é o resultado da linha político/religiosa confessada pelo candidato e pelos relevantes serviços já prestados a El Rey. Isso é mais notório do que o fato de que a terra é plana, como todo mundo sabe. Se a indicação de que se trata fosse para valer nos quesitos imparcialidade e isenção, uma vez aprovado esse candidato, em grande quantidade de casos ele teria de ficar fora de campo, até que cada jogo em particular terminasse, em relação ao qual ele teria metido o seu bedelho bem antes que tivesse começado.

Mas quem desejar fazer uma aposta em tal sentido, deve antes buscar nos jornais fotos de intensa confraternização do candidato indicado com El Rey, que são o mais perfeito exemplo da subserviência materializada, o primeiro escondido no peito do segundo que a este acalenta com um abraço. A mais destacada dessas fotos mereceria uma escultura para que a sua imagem ficasse registrada material e indelevelmente pela eternidade afora, no museu da História Infame.

Isso nos leva ao nome da nação de que se trata, El Reino do Meio, que séculos depois de sua inauguração chegou até aqui, mas que daqui poderá disso não passar jamais, em vista da maldição das capitanias, hereditárias ou não. O pior de tudo é que se El Rey de agora for substituído, o El Rey que está na porta representará sem mais nem menos mais do mesmo, ou seja, trocar seis por meia dúzia.

Naquele país El Rey tem travado algumas escaramuças com a Suprema Corte que tem se mostrado como a instituição que dela se espera. As refregas se encontram em um crescendo, falando-se aqui da dinâmica musical. O ruido produzido por El Rey está aumentando progressivamente, já tendo se tornado extremamente desagradável. Qualquer hora dessas teremos um Waterloo, quando esperamos que as instituições o derrubem do cavalo.

As cartas estão com o senado. Hora de virar o jogo.

Oh, Reino Medio, idolatrado, parece que estás perdido! Do jeito que vai, se as instituições não se mostrarem fortes. nunca serás Reino Superior. E tome capitanias!

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1 Descoberta é modo de dizer, pois já se sabia da existência de terras do lado de cá, o que é provado pelo Tratado de Tordesillas, anterior a 1500.

2 Lembre-se ainda do desmonte das tribos de El Reino Medio, que retirou milhares de crianças dos seus pais nas aldeias e fez a sua internação forçada nas misiones, a pretexto de sua catequese, do que resultou a desestruturação de sua cultura com prejuízo que não se pode calcular, certamente uma causa remota do elevado índice de suicídios entre eles.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa

VIP Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa

Professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Coordenador Geral do GIDE - Grupo Interdisciplinar de Direito Empresarial.

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