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A possibilidade da cumulação de ritos (expropriatório e prisão civil) no cumprimento de sentença que visa a cobrança de alimentos

Pela possibilidade da cumulação dos ritos (prisão civil e expropriação) porquanto tal unificação caminha pela eficiência, pela satisfação do credor, pela otimização do procedimento, pela economia e pela celeridade processual, enfatizando-se, ainda, que tal cumulação é faculdade da parte e não uma imposição legal.

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Atualizado às 08:54

(Imagem: Arte Migalhas)

Alimentos é um dos temas mais discutidos perante o Poder Judiciário, como bem apontam os Relatórios Analíticos "Justiça em números 2019" e "Justiça em números 2020" do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) 1, considerando a sua importância para manter, condignamente, a subsistência de outrem, seja por conta do vínculo de parentesco, seja por conta da conjugalidade (e de sua brusca ruptura), seja por conta de eventual responsabilidade civil.

É sabido que os alimentos possuem prioridade em sua cobrança, como ensina Silvio de Salvo Venosa 2 ao enfatizar que "o ordenamento procura facilitar a satisfação do credor de pensão alimentícia, colocando à disposição várias modalidades de execução. O aspecto da prisão do devedor é apenas um deles."

Tratando-se, especificamante, do cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos,  temos a possibilidade de uso de dois ritos de tramitação, quais sejam: (i) o rito da expropriação de bens (art. 528 §8º do CPC) e; (ii) rito da prisão civil (art. 528, caput, do CPC). Rememore-se que a prisão civil, em verdade, serve apenas como forma de coerção ao pagamento e não como punição pelo inadimplemento.

Amílcar de Castro é enfático ao entender que a prisão civil "é meio de experimentar a solvabilidade, ou de vencer a má vontade daquele que procura ocultar o que possui". Inclusive, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RHC 54.796-RJ, estabeleceu que a prisão do devedor de alimentos "é meio coercitivo adequado, previsto em todas as legislações cultas, para obrigar o devedor rebelde aos seus deveres morais e legais a pagar aquilo que, injustificadamente, se nega".

Dito isto, cumpre ponderar que com o advento do Código de Processo Civil, fez-se possível a utilização concomitante dos dois ritos de tramitação (expropriação e prisão civil) em um mesmo pedido de cumprimento de decisão/sentença, pois a vigente lei Instrumental delimita que a parte poderá optar por promover cumprimento de sentença pelo rito da expropriação de bens ou pelo rito da prisão civil, porém, não veda, não proíbe e tampouco impede, em hipótese alguma, que os pleitos específicos e inerentes aos demais tipos de cumprimento de sentença se apliquem em ambas as hipóteses de tramitação.

O que a lei determina é a impossibilidade de se admitir prisão civil quando da propositura do cumprimento de sentença pelo rito da expropriação de bens se versarem sobre a mesma verba exequenda. Verbis:

Art. 528 § 8o do CPC: O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.

Tanto é assim que a doutrina entende que o Credor de Alimentos pode, inclusive, optar por propor um único cumprimento de sentença visando à cobrança das verbas distintas (a limitação das 03 últimas pelo rito da prisão e todo o período anterior pela expropriação) em um mesmo instrumento:

No sistema do Novo CPC, a sistematização soa facilitadora: há espaço para promover um único cumprimento de sentença que veicule cobrança de prestações antigas e novas. Assim, o exequente sempre será, segundo o art. 528, caput, intimado pessoalmente para em 3 dias pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo. (...)

Até aí, o processo segue da mesma maneira para as prestações novas e antigas. A diferença é apenas a determinação da prisão civil, que não soa incompatível com a determinação de penhora no mesmo processo. É prudente que o mandado preveja as diferentes consequências para as diferentes prestações. 3

Nesse sentido, inclusive, foi a discussão do IRDR  0004232-43.2018.8.04.0000 de Relatoria do I. Desembargador Aristóteles Lima Thury proposto pela Defensoria Pública do Estado do Amazonas 5 no TJAM. Vejamos a tese firmada:

É possível a cumulação, nos mesmos autos, dos ritos da prisão e da expropriação para o cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos, nos termos do art. 531, §2º, do Código de Processo Civil.

Pelo teor da fundamentação , pode-se vislumbrar que os regramentos elaborados de forma distinta se aplicam de forma autônoma. Vejamos:

Claro está, pois, que os regramentos elaborados de forma distinta se aplicam de maneira autônoma, sendo certo, ainda, que as normas relacionadas ao procedimento de execução fundada em título extrajudicial são de aplicabilidade subsidiária ao procedimento de cumprimento de sentença, devendo o julgador, portanto, se socorrer de tais dispositivos apenas quando o procedimento especifico se demonstrar deficitário em determinado aspecto.

A posição adotada no julgamento de referido IRDR apenas confirma a a inexistência de restrição ou limitação ao credor alimentício sobre os ritos que materializam a sua pretensão creditícia. Vejamos:

De se destacar, ainda quanto ao artigo de lei em testilha, a inexistência de qualquer limitação ao credor alimentício que possa denotar eventual imposição para que busque a satisfação do crédito apenas por um dos meios ofertados pela legislação processual, forçando-lhe a ajuizar procedimento autônomo caso escolha proceder pelo rito que possibilita a prisão do devedor alimentício. Tal compreensão negativa decorre do núcleo essencial da norma insculpida no texto em análise, que, como já ressaltado, ordena o processamento do procedimento executivo nos próprios autos que outrora fora proferida decisão de mérito acobertada pela coisa julgada material.

A lei Instrumental fornece, em verdade, faculdade ao Credor Alimentado para optar pelo rito que melhor lhe aprouver, sendo possível, portanto, a cumulação dos ritos em prol da eficiência e da satisfação da pretensão, como delimitam os princípios constitucionais do Código de Ritos e também a Carta Magna (art. 5º, inciso LXXVIII).

O Tribunal da Cidadania 6, inclusive, já se posicionava pela possibilidade da cumulação de ritos antes mesmo do Novo Código de Processo Civil. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também já se manifestou sobre o assunto ainda que de forma superficial 7.

Anteriormente o TJ/SP já havia se posicionado 8 pela impossibilidade da cumulação dos ritos sob o fundamento de que o "procedimento híbrido" acarretaria "tumulto processual". No entanto, o I. Desembargador Carlos Alberto Garbi 9 ponderou que "não há qualquer impedimento legal para a cumulação de ritos" ainda na égide do CPC/73".

O acórdão do IRDR do TJAM é enfático ao defender que os procedimentos "devem correr em conjunto, no âmbito dos mesmos autos, porque assim determinar o art. 321, §2º, do CPC, no que tange ao cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade da obrigação de prestar alimentos".

E nem se diga que há violação ao art. 780 10 do CPC, porquanto o procedimento do cumprimento de sentença é exatamente o mesmo para ambas as situações, bastando que no mandado de citação/intimação sejam pormenorizados quais os valores estão sendo cobrados sob o rito expropriatório e quais valores estão sendo cobrados pelo rito da prisão civil.

Com o devido respeito, não nos parece que dividir as cobranças da verba alimentar, de um mesmo credor para com um mesmo devedor otimize o procedimento. O contrasenso é evidente uma vez que a máquina judiciária é acionada para cobrar valores diferentes da mesma pessoa e em favor do mesmo credor. Lado outro, a celeridade, a economia processual e a eficiência da satisfação executiva ficam prejudicadas com tal desmembramento. Como bem ponderado pelo Relator do supramencionado IRDR, "a autorização legislativa em questão tem o condão de simplificar o acesso do jurisdicionado ao Poder Judiciário, possibilitando, no bojo dos mesmos autos, que pedidos diversos, ainda que inexista relação entre si, sejam processados em conjunto, observando-se a peculiaridade procedimental atinente a cada pleito aduzido."

Em tempos difíceis como os atuais, a cumulação dos pedidos se faz ainda mais necessária posto que a prisão dos devedores de alimentos foi temporariamente obstaculizada por conta da questão sanitária da Covid, como dispõe a lei 14.010/20 e as Resoluções 62 e 78 do CNJ.

Conclui-se, portanto, pela possibilidade da cumulação dos ritos (prisão civil e expropriação) porquanto tal unificação caminha pela eficiência, pela satisfação do credor, pela otimização do procedimento, pela economia e pela celeridade processual, enfatizando-se, ainda, que tal cumulação é faculdade da parte e não uma imposição legal.

 ________

1 Relatório. disponível aqui. - Acesso em agosto de 2021.

2   VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2015. P. 435.

3 TARTUCE, Fernanda. Processo Civil no direito de família: teoria e prática. 3ª ed. ver. Atual. ampl. - São Paulo: Método, 2018.

4 A questão submetida ao julgamento foi: A possibilidade de cumprimento de sentença de alimentos com cumulação de ritos de prisão e expropriação nos mesmos autos do processo que a sentença foi proferida, nos termos do art. 531, § 2º, do Código de Processo Civil.

O IRDR foi admitido no dia 25/09/2019, julgado no dia 15/10/2019 e referida decisão transitou em julgado no dia 24/01/2020, sendo que a sua baixa definitiva se deu no dia 30/01/2020. É o Tema 4 do TJAM.

6 PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. NEGATIVA DE SEGUIMENTO PARCIAL AO RECURSO ESPECIAL NA ORIGEM. JUÍZO DE ADMISSÃO PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL NO TRIBUNAL A QUO. NÃO VINCULAÇÃO DO STJ. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO LEGAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. TRANSGRESSÃO AO ARTIGO 557 DO CPC/73 NÃO CONFIGURADA. ANÁLISE DA MATÉRIA PELO ÓRGÃO COLEGIADO NO JULGAMENTO DO AGRAVO INTERNO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. ARTIGOS 732 E 733 DO CPC/73. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DOS RITOS PREVISTOS NESSES DISPOSITIVOS. [...] 4. É possível a cumulação dos ritos previstos nos arts. 732 e 733 do CPC/73, sendo o do art. 733 do CPC/73 destinado à cobrança das três últimas prestações e o do art. 732 do CPC/73 dirigido às parcelas pretéritas. Precedentes. 5. Agravo em recurso especial não conhecido. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido pela contrariedade aos arts. 732 e 733 do CPC/73. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.604.735 - PB, Rel. (Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 27/09/2018)

7 . A tese de que não pode haver cumulação de pedido de prisão e de expropriação de bens em execução de alimentos, num mesmo e único procedimento, não impede que, iniciado o procedimento com pedido de prisão e descoberta, quatro anos depois sem pagamento da dívida e sem prisão, a existência de rendimento do devedor, desde logo se determine constrição judicial do bem e ato contínuo se determine o desmembramento do procedimento, a fim de que parte da dívida continue sob o rito da prisão e outra parte, sob o rito da expropriação. Caso concreto em que a decisão de constrição é mantida, mas com determinação de que se realize o desmembramento. Decisão mantida. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, com determinação. (TJSP; AI 2220086-13.2019.8.26.0000; Ac. 13334536; São José do Rio Preto; Oitava Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Alexandre Coelho; Julg. 19/02/2020; DJESP 27/02/2020; Pág. 2536)

8 AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DECISÃO AGRAVADA QUE, EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DO JULGADO, DETERMINOU AO EXECUTADO A APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS PARA A ANÁLISE DO PEDIDO DE GRATUIDADE PROCESSUAL, REFERIU QUE O TÍTULO EXECUTIVO SE ENCONTRA JUNTADO AO PROCESSO E DETERMINOU A APRESENTAÇÃO DE DUAS PLANILHAS PARA CONFRONTAR COM AS APRESENTADAS PELA EXEQUENTE. Insurgência do Executado. Parcial acolhimento. Documento juntado com a exordial que denota a existência de título executivo judicial a amparar o cumprimento do julgado, o que também é corroborado com o fato de que o Executado não nega ter realizado os pagamentos no valor de R$ 200,00. Eventual irregularidade que pode ser sanada pela Exequente com a juntada da respectiva decisão judicial e certidão de trânsito em julgado. Inadmissibilidade de cumulação de execução sob o rito da prisão civil com o de expropriação de bens. Inteligência do artigo 780 do CPC. Procedimento híbrido que acarreta tumulto processual. Exequente que deverá optar pelo rito que pretende prosseguir na presente execução e ingressar com outra execução para as demais prestações alimentícias. Recurso parcialmente provido, com determinação. (TJSP; AI 2248604-13.2019.8.26.0000; Ac. 13185887; Brodowski; Terceira Câmara de Direito Privado; Rel. Des. João Pazine Neto; Julg. 14/08/2014; DJESP 23/01/2020; Pág. 5290)

9 TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, Agravo regimental 0126649-59.2013.8.26.0000/50001, rel. Des. CARLOS ALBERTO GARBI, j. 09/09/2014, v.u.)

10  Art. 780 do CPC. O exequente pode cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, quando o executado for o mesmo e desde que para todas elas seja competente o mesmo juízo e idêntico o procedimento.

Vanessa Mori de Oliveira

Vanessa Mori de Oliveira

Advogada no escritório MLD - Mário Luiz Delgado Sociedade de Advogados. Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito - EPD (2016). Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP (2020). Pós graduanda em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP (2021).

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