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Em defesa da constitucionalidade e responsabilidade fiscal

Em 2019 o CNJ registra a transferência de R$ 80 bi aos cofres públicos, equilibrando, assim, o custo do Judiciário, de R$ 100 bi/ano. O crescimento, tanto da despesa quanto da receita, se deu em razão de sucesso no incremento de sua eficiência jurisdicional, que a todos beneficia.

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Atualizado às 09:53

(Imagem: Arte Migalhas)

Considerações adicionais têm de ser feitas a respeito do aumento no valor das condenações judiciais da União. Aumento este que foi acompanhado de ingresso, na mesma proporção, de valores pagos ao erário em razão da atuação judicial. Em 2019 o CNJ registra a transferência de R$ 80 bi aos cofres públicos, equilibrando, assim, o custo do Judiciário, de R$ 100 bi/ano. O crescimento, tanto da despesa quanto da receita, se deu em razão de sucesso no incremento de sua eficiência jurisdicional, que a todos beneficia.

Três correntes se propõem a resolver o impasse orçamentário. Incialmente aventou-se a promulgação de PEC que, entre outros pontos, prevê contingenciamento de receita e parcelamento de precatório. Sucessivamente, cogita-se propor ao CNJ aprovar resolução que criaria um teto dos precatórios, postergando o saldo remanescente a exercícios subsequentes. Por fim, o Congresso começa a considerar a possibilidade de retirar essa despesa do teto de gastos, alternativa que conta com apoio de economistas de notória capacidade técnica e que já ocuparam os mais diversos cargos no âmbito do Governo Federal.

Emendas similares à PEC 23/2021 foram sistematicamente declaradas inconstitucionais pelo STF (ADIs 2356, 2362, 4357 e 4425). Eventual aprovação repetiria as mesmas violências ao texto constitucional que o STF reconheceu haver nas ECs 30/2000 e 62/2009, a desestabilizar a autoridade da Constituição. É do voto do Min. Luiz Fux que se identifica "o absurdo quadro patológico de descumprimento de decisões judiciais, acenando com a promessa vã, porquanto já desmentida pela história, de que um suposto pagamento ocorrerá no futuro (remoto!)" (ADIs 4357 E 4425). Isso porque, também na fala do Ministro Luiz Fux, "De que serve uma sentença condenatória incapaz de surtir efeitos práticos? A resposta é simples e direta: nada."

Melhor sorte não merece a pretensão de ser aprovada pelo CNJ resolução que imponha teto ao pagamento dos precatórios. A ideia seria corrigir monetariamente o saldo de precatórios existente quando da criação do teto de gastos, em 2016. O valor encontrado - R$ 38,5 bilhões - seria pago em 2021. O restante seria transferido para o exercício seguinte e daí por diante. Dados publicados por consultores técnicos da Câmara e do Senado registram que, em dez anos, o estoque de precatórios não pagos poderia superar a marca de um trilhão de reais. Em vinte anos, esse montante poderia superar os cinco trilhões de reais. Para além de irresponsável do ponto de vista fiscal, a proposta também não encontra agasalho jurídico. Não se pode, em um Estado de Direito, alterar o texto constitucional por meio de Resolução. Sequer o CNJ tem competência para tanto, ao qual é deferido apenas "controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes" (art. 103-B, 4º da CF). Impossível crer que esse órgão, que tem por missão "zelar pela autonomia do Poder Judiciário" (art. 103-B, 4º, I da CF), chancele limitação ao pagamento de precatórios, justamente retirando da jurisdição a sua autonomia, independência e efetividade.

Proposta alternativa de EC, já debatida perante o Congresso Nacional, visa reconhecer que as despesas com precatório não se submetem ao teto de gastos, tal como se dá com as despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral. A solução se mostra adequada sob os pontos de vista jurídico e técnico-orçamentário. Por isso, tem sido bem recebida pela comunidade econômica. Nomes de peso e das mais diversas linhas econômicas, que ocuparam cargos de enorme responsabilidade perante o Governo Federal, já se manifestaram em favor dessa alterativa. Cuida-se de Amaury Bier, Pedro Parente, Maílson da Nóbrega, Carlos Kawall, Eduardo Guarida, Daniel Goldberg, Armínio Fraga, Mansueto Almeida, dentre outros. Além de correta pelos ângulos institucional e fiscal, a medida abre espaço de aproximados R$ 20 bilhões no teto de gastos do orçamento federal, que praticamente atinge os R$ 26 bilhões necessários à efetivação de importantes programas sociais como o Bolsa Família, no patamar de R$ 300.

A quantia remanescente poderia vir de outras fontes, tais como acordos com estados credores do FUNDEF, simpáticos à possibilidade de parcelamento de seus precatórios, nos termos da lei 14.057/2020. Sabe-se, aliás, que há encontro previsto para essa semana entre o Governador de Pernambuco, Paulo Câmara, e o Ministro Luiz Fux, justamente para tratar deste tema.

Enquanto as duas primeiras propostas não encontram respaldo jurídico e, tampouco econômico, essa última alterativa, que visa retirar as despesas judiciais do limite do art. 107 ADCT, é juridicamente adequada e representa a alternativa mais responsável sob a ótica fiscal. Esse nos parece ser o único caminho a evitar que o Brasil incorra em estoques colossais de dívida e receba o carimbo de mau pagador.

Renato de Mello Jorge Silveira

Renato de Mello Jorge Silveira

Instituto dos Advogados de São Paulo, professor titular de Direito Penal na Faculdade de Direito da USP

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