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Judiciário definirá polêmica sobre alienação fiduciária

Jessyca Lima e Caroline Vieira da Silva

Caso o entendimento do STJ seja pela prevalência do Código de Defesa do Consumidor nos processos de rescisão de contrato com cláusula de alienação fiduciária, é possível afirmar que haverá grandes prejuízos às empresas do ramo imobiliário.

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Atualizado às 09:05

(Imagem: Arte Migalhas)

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma importante decisão nos recursos especiais 1.891.498 e 1.894.504, que atinge diretamente o mercado imobiliário, considerando a afetação do Tema 1.095, a fim de consolidar o entendimento acerca da prevalência, ou não, do Código de Defesa do Consumidor em hipótese de resolução do contrato de compra e venda de bem imóvel com cláusula de alienação fiduciária em garantia.

A alienação fiduciária consiste no negócio jurídico em que o devedor transfere a propriedade do bem ao credor, a fim de garantir o cumprimento da obrigação pelo devedor, que permanece na posse direta do bem. Diante disso, durante a vigência do contrato, o devedor mantém a posse direta do bem e adquirirá a propriedade no momento em que efetuar o pagamento da dívida contraída.

O nosso ordenamento jurídico permite que os contratantes pactuem as cláusulas de forma livre e independente, fazendo constar no instrumento pactuado as cláusulas que julguem necessárias para a efetiva formalização do negócio jurídico, fixando as condições essenciais para a concretização da relação contratual, inclusive a inclusão ou não da cláusula de alienação fiduciária.

Além do incentivo ao mercado financeiro, a alienação fiduciária em garantia visa assegurar ao credor, em caso de inadimplemento contratual do devedor, a rápida retomada do bem e a devolução do capital emprestado. Isso porque, caso o devedor se torne inadimplente, a legislação confere ao credor mecanismos jurídicos para a retomada do bem.

Nesse sentido, em apertada síntese, nos termos da lei 9.514/97, em caso de rescisão contratual, o imóvel deverá ser leiloado e o credor terá o direito de receber o valor do débito mediante a venda extrajudicial do bem apreendido.

Assim, a depender do resultado do leilão extrajudicial, é que se definirá o eventual ressarcimento de valores ao devedor, ou seja, no contrato de alienação fiduciária, o credor tem direito de receber o valor do financiamento, o que pode obter mediante a venda extrajudicial do bem apreendido e o devedor tem o direito de receber eventual saldo apurado, mas não a restituição do que pagou durante a execução do contrato.

O leilão extrajudicial deve observar o disposto no artigo 26 da lei 9.514/97, sob pena de nulidade e o devedor deve ser constituído em mora através de notificação pessoal a fim de realizar o pagamento do débito e purgar a mora no prazo de 15 dias. Caso o devedor realize o pagamento, o contrato convalescerá, ou seja, permanecerá em vigor, ao passo que se não houver o pagamento no prazo estipulado o imóvel será levado a leilão, podendo o devedor exercer seu direito de preferência.

Entretanto, o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, prevê que nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, inclusive nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

Diante disso, caso seja aplicado o Código de Defesa do Consumidor nas ações que versem sobre rescisão de contrato com cláusula de alienação fiduciária, o credor não receberá o valor integral do débito, devendo ser atribuída a responsabilidade a uma das partes e sendo comprovada a culpa exclusiva do devedor, poderá ser aplicada multa a título de retenção em favor do credor, ou seja, o credor receberá parte do valor devido.

Nesse sentido, observa-se que de um lado, a lei consumerista defende a desistência do comprador no contrato de compra e venda, oportunidade em que terá direito de obter a devolução dos valores pagos com a retenção de multa que varia entre 10%  a 30% em favor do vendedor, podendo inclusive constar o percentual de retenção no contrato formalizado entre as partes. Do outro lado, defende-se que a lei da alienação fiduciária contempla regra especial, afastando a aplicação da norma geral prevista na legislação do consumidor, sendo certo que a restituição dos valores dependerá do resultado do leilão extrajudicial.

Desta forma, considerando a controvérsia tanto nos Tribunais, como na própria legislação, o Superior Tribunal de Justiça firmará o entendimento de qual instituto deverá ser utilizado nas ações de rescisão contratual com cláusula de alienação fiduciária.

O artigo 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil, regula a afetação de recursos repetitivos, ou seja, sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento através da seleção de recursos que tenham controvérsias idênticas e assuntos em constante debate, consolidando o entendimento jurídico para aplicação nas demais demandas.

 Ao afetar um recurso, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais, possibilitando a aplicação do mesmo entendimento jurídico a diversos processos, gerando economia processual e segurança jurídica.

Com a afetação dos Recursos Especiais 1.891.498 e 1.894.504 para o rito dos repetitivos, o colegiado suspendeu a tramitação, em todo o território nacional, dos processos que versem sobre idêntica questão jurídica, tanto em primeira e segunda instâncias, quanto no Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 1.037, II, do Código de Processo Civil.

Além disso, o ministro Marco Buzzi, relator dos recursos especiais afetados, relembrou que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 860.631, reconheceu por maioria dos votos, a repercussão geral da matéria relativa à possibilidade de, no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário, proceder-se à execução e à expropriação extrajudicial de imóvel concedido em alienação fiduciária, conforme previsto na lei 9.514/97.

Entretanto, ressaltou que no caso do julgamento dos recursos especiais em questão, não se questiona eventual ilegalidade do procedimento de execução extrajudicial do bem imóvel garantido por alienação fiduciária, mas sim, a forma de devolução dos valores financeiros pagos pelos devedores ao credor fiduciário, ou seja, o julgamento limitar-se-á a análise da aplicação do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor ou as disposições legais contidas nos artigos 26 e 27, da lei 9.514/97, a fim de decidir qual o instituto a ser aplicado nas demandas que envolvem o assunto.

A decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça desigual, quando da afetação da controvérsia em questão, considerando a necessária consolidação do entendimento, haja vista as divergências entre as normas jurídicas e nas decisões proferidas em instâncias inferiores, devendo esclarecer que a rescisão de contrato com cláusula de alienação fiduciária em garantia deve ser realizada através de leilão extrajudicial, considerando a lei especial que sobrepõe a norma geral ou se ainda assim, o Código de Defesa do Consumidor deverá ser aplicado, em razão do que dispõe o seu artigo 53, tornando nulas as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor.

Desta forma, caso  o entendimento do Superior Tribunal de Justiça seja pela prevalência do Código de Defesa do Consumidor nos processos de rescisão de contrato com cláusula de alienação fiduciária, é possível afirmar que haverá grandes prejuízos às empresas do ramo imobiliário, tendo em vista que a lei 9.514/97 será afastada, impactando milhares de processos em tramitação no país e alçando  o crédito imobiliário a um cenário de insegurança jurídica.

Jessyca Lima

Jessyca Lima

Advogada e sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA).

Caroline Vieira da Silva

Caroline Vieira da Silva

Advogada e e sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA).

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