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O direito de retirada imotivada do sócio na sociedade limitada e as possíveis precauções para essa situação

Considerando a liberdade econômica que se aplica às relações privadas, uma alternativa possível para desestimular a retirada, seria a de se fazer constar do contrato social não ser cabível o direito de retirada para aquela sociedade.

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Atualizado às 08:02

(Imagem: Arte Migalhas)

Quando duas ou mais pessoas chegam a um consenso de formarem uma sociedade entre si, é certo que também estão de acordo em satisfazerem, cada qual, as condições necessárias para que integrem o quadro societário respectivo daquela empresa, incluídas aí as obrigações e os direitos incidentes na referida relação jurídica, adquirindo, desta forma, o direito de adentrar àquela sociedade. Lado outro, é natural que haja meios legais, como de fato há, para que o caminho inverso também possa ser alcançado, e seja possível a um ou mais sócios se retirarem da sociedade.

Importante registrar que o direito de retirada aqui tratado se refere àquela que redunda na dissolução parcial da sociedade, ou seja, não há extinção da empresa, a qual, a despeito da sua parcial dissolução, passa a exercer seu objeto social apenas e tão somente com o(s) sócio(s) restante(s), devendo-se observar e respeitar as regras a serem seguidas, a fim de que não haja prejuízo a nenhuma das partes envolvidas nesse processo, incluindo aí os seus credores e parceiros comerciais.

Segundo ensinamentos do Mestre Fábio Ulhoa Coelho, em sua obra Manual de Direito Comercial:

"A retirada de sócio também é causa de dissolução parcial da sociedade. Relembrando, este é direito que o sócio pode acionar a qualquer tempo, se a sociedade de que participa é contratada com prazo indeterminado. A retirada, neste caso, fica condicionada apenas à notificação aos demais sócios, com prazo de 60 dias, para que se providencie a alteração contratual. Quando a sociedade é contratada por prazo determinado, o sócio só tem direito de retirada provando justa causa em juízo ou, se for do tipo limitada, dissentindo de alteração contratual, incorporação ou fusão deliberadas pela maioria. Poderá operar-se judicial ou extrajudicialmente, exceto na hipótese de retirada por justa causa de sociedade por prazo determinado, em que será necessariamente judicial a dissolução." (COELHO, 2016, p.205).

Há de se ressaltar, no entanto, alguns pontos de atenção no que se refere ao direito de retirada dos sócios em certas situações. Importante se identificar, ab initio, a natureza da sociedade e se a respectiva retirada seria decorrente de uma resilição unilateral, ou de uma rescisão (ruptura/quebra) do contrato, sendo que, acaso se entenda que o direito de retirada é um direito potestativo, a primeira situação (resilição) não geraria qualquer punição, o que já não poder-se-ia dizer para a segunda situação (rescisão), a qual poderá gerar punições ao sócio retirante.

Em se tratando de sociedades de natureza Simples Pura, por exemplo, para se proceder com a retirada de sócio, via de regra, basta a mera quebra da denominada affectio societatis, não sendo exigida qualquer motivação específica para tanto. O art. 1.029 do Código Civil prevê essa possibilidade mediante notificação aos demais sócios, com antecedência de 60 dias, em se tratando de sociedade por prazo indeterminado. Após decorrido esse prazo, averba-se a notificação na Junta Comercial respectiva, para que se produzam, assim, todos os efeitos jurídicos daí decorrentes, com posterior apuração de haveres, nos termos do art. 1.031 do Código Civil.

Sobre o assunto em apreço, discorre Mamede:

"Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa (art. 1.029). O direito de recesso, ou seja, direito de se retirar da sociedade, importa uma tensão entre o direito do sócio a não se manter na sociedade e o direito da coletividade à preservação da atividade negocial. Mas o recesso é faculdade que tem lastro constitucional (artigo 5º, XX), mas com consequências patrimoniais que também relevam raízes na Norma Fundamental (artigos 1º, IV, 5º, II e XXXV e 170). Portanto, retirar-se é um direito, mas é preciso respeitar o procedimento legal e assumir as respectivas consequências. (MAMEDE, 2011, p. 97).

No que se refere às sociedades anônimas, por sua vez, não há que se falar, geralmente, em quebra de affectio societatis, devendo ser observadas as hipóteses pontuais e específicas previstas na lei 6.404/79 (lei das Sociedades Anônimas), conforme, por exemplo, dispõe o art. 137 da referida lei, em seus incisos (IV, VI e IX) que permite a retirada do sócio em caso de aprovações de certas matérias, por dissidência (fusão, incorporação, mudança do objeto social, cisão).

Já no Código Civil, em seu Capítulo IV, que trata das sociedades limitadas, temos que o art. 1.077 tem certa analogia com art. 137 da lei das Sociedades Anônimas, haja vista que aquele prevê que o sócio também teria o direito de se retirar, por dissidência, quando aprovadas certas matérias, como por exemplo a modificação do contrato social, fusão, incorporação.

Neste cenário, surge uma discussão jurídica intensa a respeito do referido tema, com 03 diferentes correntes de entendimento, entre as quais se debate se o procedimento do direito de retirada, previsto no art. 1.029 do Código Civil, seria ou não aplicável às sociedades limitadas.

Pois bem, a primeira corrente, minoritária, entende que em nenhuma hipótese poderia o art. 1.029 do C.C ser aplicável às sociedades limitadas, pois as sociedades desta natureza possuem regra própria de retirada, prevista no art. 1.077 do Código Civil, e, neste sentido, só naquelas hipóteses o sócio poderia se retirar da sociedade limitada.

A segunda corrente prevê duas hipóteses para o caso: (i) acaso a sociedade limitada seja regida subsidiariamente pelas regras das sociedades simples, caberia então a retirada dos sócios na forma do art. 1.029 do C.C, pois, além de não serem dispositivos incompatíveis entre si, este traz hipóteses diversas do art. 1.077 do C.C, o qual, por sua vez, não exauriria a matéria; ou (ii) acaso a sociedade limitada seja regida pelas regras das sociedades anônimas, não seria cabível aplicar-se o art. 1.029 do Código Civil.

Para a terceira e última corrente - a qual se coaduna com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça 1 - o art. 1.029 do Código Civil poderia ser aplicado de qualquer maneira às sociedades limitadas, ainda que estas tenham regência supletiva pela lei das Sociedades Anônimas, "por decorrer da liberdade constitucional de não permanecer associado, garantida pelo inciso XX do art. 5º da Constituição Federal".

A respeito do entendimento do STJ acima esposado, surge uma nova discussão que põe em xeque o fundamento utilizado para embasar a referida decisão, data maxima venia, que diz respeito ao alcance do inciso XX do art. 5º da Constituição Federal, no sentido de se verificar se referido dispositivo se aplicaria ou não às matérias atinentes ao Direito Societário, haja vista que, em se considerando que sim, poder-se-ia concluir, via de consequência lógica, que os sócios das sociedades anônimas poderiam também solicitar a sua retirada imotivada, e com apuração de haveres, o que, como é cediço, não ocorre na prática. Aliás, o próprio STJ entende desta forma.

Assim, considerando o atual entendimento do STJ, o art. 1.029 do Código Civil se aplicaria de qualquer maneira às sociedades limitadas, o que fatalmente gera insegurança a uma sociedade limitada, afinal, a saída de um ou mais sócios de uma empresa, de maneira inesperada, pode causar prejuízos imensuráveis, levando até mesmo a falência.

Nesse cenário, é imprescindível ter cuidado e precaução dos envolvidos, para fins de se evitar prejuízos ou contratempos com a retirada imotivada de sócio, sendo altamente recomendável que a sociedade busque auxílio jurídico do advogado de sua confiança, o qual possua a expertise necessária para adotar as medidas preventivas adequadas a cada caso.

Considerando a liberdade econômica que se aplica às relações privadas, uma alternativa possível para desestimular a retirada, seria a de se fazer constar do contrato social não ser cabível o direito de retirada para aquela sociedade, sendo que, desta forma, eventual retirada seria considerada como uma rescisão (quebra/ruptura) do contrato, incidindo, portanto, as sanções cabíveis daí decorrentes, conforme previa e expressamente acordado entre as partes.

Outra opção seria a de sempre se formalizar a sociedade por prazo determinado, ainda que referido prazo seja longo, inviabilizando, assim, a possibilidade de se fazer valer a previsão do art. 1.029 do C.C, já que a retirada mediante a mera notificação prévia é válida somente para as sociedades formalizadas por prazo indeterminado. Assim, ainda segundo dispõe o referido dispositivo, eventual retirada em casos de sociedade por prazo determinado deveria ser necessariamente justificada pela via judicial.

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MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro: Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias, vol. 2. 5ª ed. São Paulo> Atlas, 2011.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercia: Direito de Empresa. 28ª ed. Revista dos Tribunais, 2016.

VASCONCELOS, Breno de. Retirada e Exclusão de Socio de Sociedade Limitada.

Pontifícia Universidade Católica, Belo Horizonte, 2007.

BARBI FILHO, Celso. Dissolução Parcial de Sociedades Limitadas. Belo Horizonte, Mandamentos, 2004.

SOUZA, Felipe Cravo. Reflexão sobre o Direito de Retirada do Sócio de Sociedade Limitada. Artigo Acadêmico, 2021.

ARAÚJO, Fernando Henrique. Direito de Retirada de Sócio - Estudo de Caso. Artigo Acadêmico, 2021.

Henry Benevides

Henry Benevides

Advogado. Sócio do escritório Jacó Coelho Advogados, com sede em Goiânia-GO. Tem especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela ATAME/GO; cursa LL.M em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas; e tem larga experiência em gestão de Departamentos jurídicos de empresas de médio e grande porte.

Fernando Araujo

Fernando Araujo

Advogado integrante da equipe Jacó Coelho Advogados, com sede em Goiânia-GO. Especialista em Advocacia Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

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