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Pedido de suspensão nacional em incidente de resolução de demandas repetitivas. Breve identificação dos casos perante o STJ

Fica claro pela análise das disposições do CPC, do Regimento Interno do STJ, e das decisões proferidas por esse último, que o seu melhor aproveitamento, como de todo instrumento recém introduzido na legislação, depende de amadurecimento da jurisprudência dos tribunais superiores a fim de que haja segurança jurídica também no que se refere aos seus requisitos.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Atualizado às 08:12

(Imagem: Arte Migalhas)

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) é inegavelmente uma das grandes inovações do Código de Processo Civil de 2015. Previsto nos artigos 976 a 987, o instituto, que tem como principal fonte externa o Musterverfahren (Procedimento Modelo) alemão, foi concebido para ampliar o microssistema de resolução de demandas repetitivas, já integrado pelos recursos extraordinário e especial repetitivos, mas carente de solução para a multiplicidade de ações em primeiro e segundo graus de jurisdição -inclusive nos Juizados Especiais Cíveis-, que continuavam sem saída para o julgamento anti-isonômico e seriado de questões massificadas.

Nesse sentido, o IRDR é instituto que possibilita uniformização e estabilização da jurisprudência e, consequentemente, isonomia e segurança jurídica, economia processual e razoável duração do processo. Seu objetivo fundamental é fixar tese jurídica única a ser aplicada, de forma vinculante, a todos os processos individuais e coletivos, em tramitação ou futuros, que versem sobre idêntica questão de direito, evitando a multiplicação de processos sobre as mesmas matérias. Referida tese única poderá, inclusive, ser aplicada nacionalmente na hipótese de julgamento de recurso especial ou extraordinário contra o acórdão que apreciar o mérito do IRDR no tribunal de origem (CPC, art. 987).

De acordo com o art. 976, do CPC, o IRDR poderá ser interposto diante da efetiva repetição de processos que (i) contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito, (ii) e com risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, ou seja, quando houver possibilidade de tratamento desigual para as mesmas questões e incerteza decorrente do desconhecimento da solução a ser adotada pelo Judiciário.

Considerando que, a teor do art. 977 do CPC, o pedido de instauração do IRDR poderá ser formulado não apenas pelos magistrados, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, mas também pelas partes, é uma via importante para empresas que litigam em multiplicidade de processos envolvendo idênticas questões de direito1, podendo levar a significativa redução de custos, já que, como regra geral, a admissão do IRDR implica na suspensão de todos os processos em tramitação no âmbito do respectivo tribunal.

Em que pese, a princípio, a suspensão somente produza efeitos no âmbito do tribunal perante o qual tramita o IRDR, o CPC prevê, a fim de evitar a dissipação da jurisprudência em âmbito nacional e, assim, tutelar a finalidade precípua do instituto, a possibilidade de a suspensão alcançar todo o território nacional.

A providência poderá ser obtida por requerimento de suspensão nacional a ser apresentado ao tribunal competente para processar e julgar os eventuais recursos extraordinário e especial, conforme previsão do art. 982, §§ 3º e 4º do CPC (SIRDR).

Decorre da disciplina legal que o pedido de suspensão nacional pode ser formulado por qualquer dos legitimados mencionados no art. 977, II e III, bem como por parte de processo em curso no qual se discuta a mesma questão de direito objeto do incidente, ainda que perante outros tribunais. Além da legitimidade, é requisito do pedido de suspensão nacional a prévia admissão do IRDR e a existência de risco à segurança jurídica ou de excepcional interesse social, naturalmente decorrente da multiplicação de processos com idêntica discussão de direito em diversos estados ou regiões e o impacto da discussão para a sociedade, bem como a envergadura constitucional ou infraconstitucional federal da matéria.

Adicionalmente, o STJ prevê, no artigo 271-A e seguintes do seu Regimento Interno, que se o pedido de suspensão nacional for formulado por parte em processo em curso no âmbito de tribunal diverso daquele perante o qual tramita o incidente, será também requisito de admissibilidade a demonstração de inadmissão de IRDR perante aquele tribunal de origem. Outrossim, diferentemente do art. 980, parágrafo único, do CPC, o §3º do art. 271-A do Regimento Interno, dispõe que a suspensão nacional vigorará até o trânsito em julgado da decisão proferida no IRDR.

Em pesquisa realizada até 20/10/21, foram identificados 54 registros de pedidos de suspensão nacional em IRDR formulados perante o STJ. Considerando que 2 foram julgados prejudicados antes mesmo da análise2, 1 teve a inicial indeferida por não ter sido indicado qual IRDR embasaria o pedido3 e 3 estão pendentes de julgamento4, são 48 pedidos apreciados pela Corte até o momento, dos quais (i) 42 indeferidos5; (ii) 3 não conhecidos6; e 3 deferidos7.

No que se refere às decisões de indeferimento, foi possível observar os seguintes entendimentos:

  • Somente é possível a análise do pedido de suspensão nacional em IRDR após a admissão do incidente pelo tribunal de segunda instância, com determinação de suspensão de processos em seu território. Isso porque, a suspensão de processos não pode ocorrer, de forma inaugural, por decisão do STJ;
  • O pedido de suspensão nacional somente é cabível quando fundado em incidente de resolução de demandas repetitivas admitido pelos tribunais de segunda instância, nunca decorrente de recurso especial afetado ao rito dos repetitivos;
  • No que se refere aos pedidos de suspensão decorrentes de IRDRs admitidos com base em requerimento de parte de processo em tramitação perante Juizado Especial Federal, o STJ, em primeira análise, entendeu pelo seu descabimento, haja vista a indefinição jurídica a respeito do cabimento de recurso especial contra julgamento do mérito dos referidos IRDRs. Posteriormente, embora os entendimentos tenham sido reconsiderados via agravo interno, com nova abertura de prazo para manifestação do MP, os pedidos de suspensão nacional em si não chegaram a ser reapreciados pelo STJ, de forma que ainda não há qualquer posicionamento definitivo a respeito;

Já no que se refere às três decisões de deferimento da suspensão nacional (SIRDRs 7, 71 e 79), cujos IRDRs de origem envolvem discussões sobre, respectivamente, (i) a compatibilidade da Resolução 543/2015 do CONTRAN, relativa à legalidade da obrigatoriedade de aulas de simulador de direção para os candidatos à obtenção da CNH, com o CTB; (ii) aspectos legais dos depósitos nas contas PASEP, tais como, por exemplo, legitimidade passiva do Banco do Brasil S/A por saques indevidos, (in)existência da relação de consumo entre os titulares das contas PASEP e o Banco do Brasil S/A, e (iii) os mais diversos desdobramentos jurídicos do suposto uso indevido de dados biográficos de profissionais do futebol em jogo de videogame fabricado por empresa estrangeira, tais como prescrição, supressio, (im)possibilidade de violação ao direito de imagem apenas com o uso de desígnios representativos dos autores, entre outros, são destacadas a análise dos seguintes requisitos:

  • legitimidade da requerente para pleitear a suspensão;
  • questão jurídica de cunho infraconstitucional federal, apta a ensejar a interposição de recurso especial;
  • risco para a segurança jurídica, caracterizado quando o IRDR abranger matéria que se repete em processos em tramitação em outros estados ou regiões, ensejando divergência de entendimentos entre tribunais;
  • presença de excepcional interesse público diante dos impactos que a decisão de suspensão ocasionará para a sociedade;
  • existência de IRDR admitido, com determinação das consequências previstas nos incisos do art. 982, CPC, especialmente a determinação de suspensão dos processos que tramitam no estado ou região.

Outrossim, enquanto duas das decisões de deferimento destacam que "a ordem de suspensão não impede o ajuizamento de novas ações, as quais deverão seguir a marcha processual até a fase de conclusão para a sentença, ocasião em que ficará suspensa", a decisão proferida no SIRDR 79 - que envolve desdobramentos jurídicos do suposto uso indevido de dados biográficos de profissionais do futebol em jogo de videogame -, ponderou que, embora a preservação da segurança jurídica e da isonomia nem sempre demande a suspensão dos processos, mas apenas o impedimento de julgamento (cf. decidido nos SIRDs n.º 7 e 71), o caso em questão, por envolver questões de direito processual que devem ser resolvidas na fase inicial dos processos, recomenda sejam suspensos todos os processos na situação em que se encontram, inclusive aqueles pendentes de juízo de admissibilidade da petição inicial.

Como se vê, o IRDR e seus desdobramentos, sobretudo o pedido de suspensão nacional formulado ao STJ cujas decisões foram aqui identificadas, apesar de instrumentos cuja utilização vêm crescendo desde a sua criação com a entrada em vigor do CPC de 2015, podem ser ainda mais explorados diante da sua relevância para a uniformização de posicionamentos jurisprudenciais, não apenas no âmbito dos tribunais estaduais e federais, mas sobretudo nacionalmente. Entretanto, fica claro pela análise das disposições do CPC, do Regimento Interno do STJ, e das decisões proferidas por esse último, que o seu melhor aproveitamento, como de todo instrumento recém introduzido na legislação, depende de amadurecimento da jurisprudência dos tribunais superiores a fim de que haja segurança jurídica também no que se refere aos seus requisitos, alcance e efeitos.

_________

1 Como exemplo, o IRDR 0023203-35.2016.8.26.0000 (Tema 4), admitido pelo TJSP em 18.8.2016, pelo qual foram submetidos a julgamento nove temas relacionados aos requisitos e efeitos do atraso de entrega de unidades autônomas em construção aos consumidores; e o IRDR  2020356-21.2019.8.26.0000 (Tema 30), admitido pelo TJSP em 31.5.2019, pelo qual foi submetida a julgamento a possibilidade ou não de recebimento dos embargos à execução fiscal independentemente da garantia integral da dívida.

2 SIRDRs 1 e 4.

3 SIRDR 61,62 e 78.

5 SIRDRs 2, 8, 9, 10, 13, 15, 22, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59 e 70.

6 SIRDRs  20, 60 e 63.

7 SIRDRs  7, 71 e 79.

Raquel Mansanaro

Raquel Mansanaro

Sócia da área contencioso do BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão em SP.

Ana Carolina De Oliveira Lage

Ana Carolina De Oliveira Lage

Advogada sênior do BMA Advogados.

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