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A sistemática de recursos repetitivos e a cegueira voluntária

O novo Código de Processo Civil regulamentou a sistemática de recursos repetitivos em 2015, mas ainda hoje os operadores do Direito encontram dificuldades para enxergar e compreender as regras do jogo.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Atualizado às 11:04

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

1. Um famoso adágio popular diz que "o pior cego não é aquele que não vê, e sim aquele que finge não enxergar". Tudo indica que esse ditado se aplica bem aos sujeitos processuais que interagem com a sistemática de recursos repetitivos inaugurada pelo novo Código de Processo Civil (CPC/2015).

2. A despeito do emaranhado de normas processuais que temos no Brasil, deve ser admitido que o CPC/2015 foi muito didático ao tratar dos recursos repetitivos, especialmente quando construiu as barreiras processuais que impedem a ascensão dos recursos incabíveis aos tribunais de vértice.

3. Mais que uma técnica de julgamento, a sistemática de recursos repetitivos trata-se de uma técnica de gerenciamento de processos judiciais (Zaneti Junior, 2018. p. 3), cujos efeitos fomentam a entrega mais célere da prestação jurisdicional.

4. Trata-se de um ciclo virtuoso que concentra o julgamento das demandas repetitivas para viabilizar a análise consentânea das demandas não repetitivas, conforme lição de Larissa Pochmann: "a partir da fixação da tese, será mais célere o julgamento dos casos repetitivos, de forma que o Poder Judiciário possa se concentrar no julgamento de questões não repetitivas" (Silva, 2020. p. 203).

5. O CPC/2015 estabelece com clareza solar que o tribunal recorrido deverá negar seguimento a recurso extraordinário ou especial interposto contra acórdão consonante com entendimento firmado em regime de julgamento de recursos repetitivos no STF ou no STJ.

6. Se o acordão for divergente, o processo deverá ser devolvido ao órgão julgador para a realização do juízo de retratação. Caso a matéria afetada ainda não tenha sido decidida pelo STF ou STJ, o recurso deverá ser sobrestado e, se a matéria é repetitiva, mas ainda não foi afetada pelo STF ou STJ, o tribunal poderá selecionar o recurso como representativo de controvérsia.

7. Portanto, somente nos casos em que o recurso não tenha contrariado o entendimento consolidado no julgamento de recursos repetitivos ou sido selecionado como representativo da controvérsia ou, na hipótese de o juízo de retratação ter sido refutado, é que se procederá o juízo de admissibilidade, com a consequente remessa do processo ao tribunal ad quem.

8. Cumpre ressaltar, portanto, que o juízo de admissibilidade está relacionado com os processos que não se encaixam na sistemática dos recursos repetitivos. Já os processos com matéria repetitiva estão sujeitos ao juízo de conformação.

9. Ademais, deve-se frisar que da decisão de inadmissibilidade (artigo 1.030, V do CPC/2015) caberá agravo em recurso especial ou extraordinário ao tribunal superior respectivo e da decisão que nega seguimento (artigo 1.030, I do CPC/2015) caberá agravo interno para o próprio tribunal.

10. É preciso enxergar, portanto, que se o recurso caiu nas garras da sistemática repetitiva, a via recursal é interna, no âmbito do tribunal a quo. O esforço criativo do recorrente deve direcionar-se para demostrar o distinguish, a fim de que fique evidenciado que a tese jurídica constante do recurso não é a mesma decidida pela corte superior.

11. Ressaltando, que o primeiro mérito que será analisado no recurso está relacionado com o "merecimento processual" (Irber, 2021) que só acontece com o atendimento de pressupostos objetivos, em cumprimento às regras do jogo.

12. Zaneti Junior, ao tratar da sistemática de recursos repetitivos, assevera que o "nosso direito processual positivado atua como interface entre o civil law e o common law, um modelo híbrido." (Zaneti Junior, 2018. p. 9). Sendo assim, fingir não enxergar as influências do common law e da força vinculantes dos precedentes e o mesmo que caminhar para trás.

13. Escolher processos representativos, criar teses jurídicas e, a partir delas, julgar os demais processos repetidos em massa é uma receita valiosa para garantir a sobrevivência dos tribunais abarrotados de processos.

14. Não raras vezes, depois do juízo de conformação que barra a subida do recurso pela aplicação do entendimento consonante com a sistemática de recursos repetitivos ou pelo provisório sobrestamento, os recorrentes interpõem novo recurso especial ou extraordinário alegando que aquela decisão violou a lei ou a Constituição.

15. Esses recursos das decisões que inadmitem os recursos pela sistemática repetitiva estão fadados ao fracasso, pois são incabíveis. A sistemática está posta em cima da mesa e a jurisprudência acendeu as candeias, somente não vê, quem não quer.

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BRASIL. Lei 13.105/15. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 março 2015. Disponível aqui. Acesso em: 23 nov. 2021.

IRBER, Tiago. Recurso Especial Egóico. Disponível aqui. Acesso em: 30 nov. 2021

SILVA, Larissa Clare Pochmann da. Gestão judicial de processos: a suspensão dos processos pendentes no julgamento dos casos repetitivos prevista pelo Código de Processo Civil de 2015. REDP, 2020.

ZANETI JUNIOR, Hermes. Os casos repetitivos no Brasil: notas sobre a agregação de litígios, o processo coletivo e os precedentes vinculantes no CPC/2015. Revista dos Tribunais, 2018.

Alisson Santos de Almeida

Alisson Santos de Almeida

Bacharel em direito, Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e Mestrando em Direito, Regulação e Políticas Públicas pela Universidade Brasília - UnB. Ex-advogado do Município de Camaçari.

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