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André Mendonça - Um evangélico no STF e o debate pautado pelo desconhecimento do tema

A escolha e recente aprovação do advogado, ex-ministro e pastor evangélico André Luiz Mendonça para ocupar a vaga deixada pelo ex-ministro Marco Aurélio Melo, em decorrência de sua aposentaria, no Supremo Tribunal Federal, acendeu na sociedade jurídica e política grande discussão.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Atualizado às 09:48

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Embora seja a vertente do cristianismo que mais cresce no Brasil, as bases e características do protestantismo são desconhecidas por grande parcela população, sobretudo aquelas que possuem pouco ou nenhum contato com o movimento.

A escolha e recente aprovação do advogado, ex-ministro e pastor evangélico André Luiz Mendonça para ocupar a vaga deixada pelo ex-ministro Marco Aurélio Melo, em decorrência de sua aposentaria, no Supremo Tribunal Federal, acendeu na sociedade jurídica e política grande discussão.

Sem sombra de dúvidas, contribuíram para o acirramento do debate as palavras do Presidente da República, que afirmou publicamente que indicaria para o cargo uma pessoa que fosse "terrivelmente evangélica".

A expressão, somada aos ideais políticos do presidente e ao desconhecimento popular das reais bases e fundamentos de um cristão protestante (ou evangélico), tem levado pessoas a tratar o fato de haver uma pessoa evangélica entre os membros da Suprema Corte como algo depreciativo à sociedade e ao sistema jurídico.

Primeiramente, cumpre ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, constitucionalmente tem o dever de guardar a Constituição Federal. Outra importante ressalva, é o fato de que a Carta Constitucional e, consequentemente, a República Federativa do Brasil são frutos do sistema Democrático, no qual o contraponto de ideias e respeito aos ideais são fundamentos de extrema importância.

Talvez por estarem acostumados com o fato de o movimento católico em sua grande maioria ser representado apenas pela figura da Igreja Católica Apostólica Romana, que por anos foi a única instituição a representar o catolicismo a nível mundial, criou-se a ideia de que o todas as igrejas protestantes integram um único ideal, seguem uma única corrente teológica e uma única liturgia.

No entanto, essa ideia está extremamente equivocada. As similaridades entre as denominações, que diferentemente do que muitos acreditam, está basicamente restrita ao fato de se ter a Bíblia como um conjunto de livros escritos sob a inspiração de Deus, e ter Jesus Cristo como Salvador e uma inspiração para a forma como se viverá e fundamentalmente "amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo"1.

Feitos tais esclarecimentos, estima-se que no Brasil existam cerca de 30 mil denominações de igrejas evangélicas, isso não significa que existam 30 mil correntes teológicas e litúrgicas, mas nos permite mensurar que há uma grande diferença entre os ideais formadores da comunidade evangélica.

A fim de que se facilite a compreensão e a torne mais objetiva, a distinção será apresentada considerando apenas as divisões denominacionais, dispensando-se as subdivisões. Por exemplo será considerada a denominação Assembleia de Deus e não cada uma das denominações dela decorrentes, como a Assembleia de Deus Ministério Belém e a Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

Sem sombra de dúvidas, atualmente quando se fala em igreja evangélica a principal denominação que surge no imaginário popular é a Igreja Universal do Reino de Deus.

A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), fundada pelo Bispo Edir Macedo em meados do ano de 1977 na cidade do Rio de Janeiro, contava com cerca de 2 milhões de membros em 2010, de acordo com o IBGE. Adepta do Neopentencostalismo e da teologia da prosperidade a IURD ficou famosa pelas manifestações ligadas a questões materiais. A grossíssimo modo, aqueles que a compõem são incentivados a doarem parte de seus bens, uma demonstração de desapego dos bens materiais que fará com que recebam de Deus ainda mais.

A Assembleia de Deus também é uma das denominações mais famosas do Brasil. Importante ressaltar que o número de subdivisões da Assembleia de Deus é praticamente incalculável e, por isso, podem existir aquelas que possuem ideais dissonantes do caráter geral aqui apresentado.

A Assembleia de Deus surgiu no Brasil em 1911, na cidade de Belém do Para pelos missionários sueco-americanos Gunnar Vingren e Daniel Berg, que, influenciados pelo movimento conhecido como "Avivamento da rua Azusa", ocorrido em Los Angeles no ano de 1906, fundaram a igreja que é ligada ao movimento Pentecostal, que tem como principal base o batismo e a manifestação do Espírito Santo, a cura e a salvação.

A Igreja do Evangelho Quadrangular, também fundada na cidade de Los Angeles por influência do movimento da Rua Azusa, é uma denominação ligada ao movimento pentecostal e tem como base a Doutrina da salvação, a Doutrina do batismo com o Espírito Santo, a Doutrina da cura divina e a Doutrina da segunda vinda, que consiste no crer que Jesus tem poder pra salvar, para curar, que batiza com fogo por intermédio do Espírito Santo e que em breve Voltará.

Outra denominação bastante conhecida é a Igreja da Graça, também ligada ao movimento do neopentecostalismo, tendo sido fundada pelo Missionário R.R. Soares na cidade do Rio de Janeiro em 1980.

A igreja Deus é Amor também está entre as denominações pentecostais mais famosas do Brasil, conhecida por incentivar seus fiéis a crerem na cura divina e a buscá-la junto a Deus. A Igreja é conhecida por seguir uma doutrina e uma liturgia que impõem muitas restrições.

Outra importante denominação no território nacional é a Igreja Batista que surgiu na Europa em meados do ano de 1609 e tem como base a salvação mediante a fé.

A Igreja Presbiteriana é outra denominação bastante conhecida no país, introduzida pelo missionário estadunidense Ashbel Green Simonton em 1862. As igrejas presbiterianas são adeptas da teologia reformada, amplamente conhecida por Calvinismo, em decorrência de seu maior teólogo, o francês João Calvino.

Matéria de muitas controvérsias o Calvinismo tem como característica mais famosa o conceito de predestinação. No entanto, Calvino tratou de diversos outros temas que trabalham as relações da religião com a política, as artes e a ciência. Basicamente, Calvino defendeu que a função do cristão é viver de forma a refletir a glória de Deus sobre sua vida.

Neste ponto importante fazer uma breve síntese acerca dos movimentos teológicos apresentados. Primeiro, todos possuem Jesus Cristo com base fundamental. O pentencostalismo, por sua vez, busca o batismo e a manifestação do Espírito Santo, a cura e a salvação. Na teologia da prosperidade, se tem um viés mais ligado à busca por provisões no sentido financeiro, as igrejas Batistas creem que a fé é a base para que se alcance a salvação e por fim, a teologia reformada, é aquela em que se objetiva transparecer a glória de Deus através das ações da vida.

O recém escolhido ministro do Supremo Tribunal Federal  André Luiz Mendonça, é membro da Igreja Presbiteriana Esperança em Brasília, ou seja, adepto (não se fazendo juízo sobre o grau de adesão) ao calvinismo.

Retomando as questões relativas ao debate que surgiu com a nomeação de um pastor após a fala do presidente de que indicaria uma pessoa "terrivelmente evangélica", importante ressaltar que a Bíblia, onde se encontram as bases fundamentais da fé cristã, em na Carta aos Romanos, diz que os cristãos devem se sujeitar às leis de seu país.

Provavelmente, daí tenha vindo a inspiração de André Mendonça, durante sua sabatina, em dizer "Na vida a Bíblia, no Supremo a Constituição".

Diferente das crenças populares, guardadas as exceções (que inclusive, estão presentes em qualquer religião, ideologia, partidos políticos e profissões), ser evangélico não significa ser religioso radical e ultraconservador. As bases do cristianismo e, consequentemente, do protestantismo, estão no amor a Deus e no amor ao próximo.

Seria hipócrita dizer que o ministro ao realizar a interpretação da Carta Constitucional não será de alguma forma influenciado por suas convicções pessoais, mas isso não é uma exclusividade dele. Todos os outros 10 ministro da Corte possuem seus ideais e por eles também são influenciados, sejam eles religiosos, partidários, sociológicos ou filosóficos.

O Direito é uma ciência humana, operada por interpretações, influenciadas pela formação intelectual de seus operadores, daí decorre a pluralidade de julgadores, que através do debate de ideias, inerente ao Estado Democrático de Direito, chegarão a uma interpretação das normas, que, seguramente, nunca vão agradar unanimemente população.

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1 Matheus 22: 37-39.

Danilo Trindade de Moraes

Danilo Trindade de Moraes

Formado pela Universidade Presbitariana Mackenzie. Advogado do escritório Almeida Prado Advogados.

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