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A lei 14.230/21 e a contenção do esvaziamento do instituto jurídico da improbidade administrativa

A despeito das críticas, as recentes alterações na lei 8.429/92 conferem segurança jurídica e razoabilidade na interpretação e aplicação deste relevantíssimo instrumento processual Republicano.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Atualizado às 11:50

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Sendo um relevantíssimo instrumento processual e Republicano de preservação da moralidade administrativa, a ação de improbidade administrativa, regida pela lei 8.429/92, tem papel decisivo para o controle do fenômeno endêmico da corrupção no Brasil.

Entretanto, a ausência de definição clara dos contornos dogmáticos para interpretação e aplicação do referido instrumento normativo, em seus aspectos materiais e processuais, e até mesmo o fato de não se ter clareza quanto a sua natureza (sendo certo apenas que se insere no âmbito do direito sancionatório, conforme o seu art. 1º, p. 4º), resultou na má utilização da Lei de Improbidade em diversas situações.

A aplicação inadequada do referido instrumento processual e Republicano repercute no âmbito dos direitos individuais do processado - que está sujeito a aplicação de sanções gravíssimas, inclusive de natureza política, dentre as quais se destaca a mitigação da cidadania, mediante a suspensão dos direitos políticos -, e, principalmente, na sociedade que tem nesta norma uma ferramenta de preservação dos interesses públicos primários e secundários.

A utilização inadequada da Lei de Improbidade, para além da potencialidade de causar constrangimentos ilegais aos processados, repercute diretamente no esvaziamento da própria norma.

Evidentemente, se toda e qualquer irregularidade administrativa ou deficiência do gestor for interpretada ou enquadrada como improbidade administrativa, fatalmente restará esvaziado o conteúdo Republicano de tal instrumento processual.

Isto porque o gestor público, assim como os terceiros que contratam com os entes estatais, não tem o dever de exercer as suas atividades com perfeição. A perfeição não é dada aos seres humanos, e nem mesmo às instituições que são geridas por estes últimos.

Qualquer instituição, pública ou privada, gerida por seres humanos está sujeita a sofrer prejuízos por falhas dos seus administradores. É o óbvio do trivial. A falibilidade é da essência humana.

Recai sobre o gestor público o dever de preservação da moralidade administrativa. É impositivo, sim, que o gestor atue invariavelmente animado pela mais lídima boa-fé e pelo compromisso com a preservação dos melhores interesses da Coisa Pública.

Neste contexto, sem desconsiderar a gravidade e o latente problema da corrupção na condução da Administração Pública em todas as esferas de poder, o que se tem visto é o manejo inadequado da Lei de Improbidade. Uma verdadeira banalização do instituto.

Quando faltam os critérios de interpretação e aplicação, o tudo se torna nada. É dizer, se na onda denuncista e punitivista, que se utiliza indevidamente da lei 8.429/92 para marginalizar o exercício da gestão pública, tudo pode ser entendido como ato de improbidade, então se avizinha o esvaziamento do instituto, como resultado da sua banalização.

Atento a este cenário, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei 14.230/21, que promoveu profundas alterações na lei 8.429/92, incorporando à norma positivada diversos entendimentos em matéria processual e material já presentes na jurisprudência, especialmente nos precedentes de órgãos jurisdicionais criteriosos na melhor aplicação da norma jurídica, sem os excessos punitivistas.

Alvo de críticas por supostamente favorecer a impunidade, a lei 14.230/21 consolida alterações introduzidas no ordenamento jurídico através da lei 12.376/10, que inseriu novas disposições na Lei de Introdução às Normas dos Direito Brasileiro, impondo, dentre outros aspectos, a ponderação na interpretação das normas atinentes a gestão pública a avaliação das dificuldades concretas enfrentadas pelo gestor (art. 22). Tais alterações, no entanto, foram solenemente desconsideradas na aplicação de Lei de Improbidade.

Não pretendendo aprofundar a melindrosa discussão sobre as especulações de que a lei 14.230/21 fragilizaria a condição da Lei de Improbidade como instrumento de combate à corrupção e aos desmandos na condução da gestão pública, o que se tem por certo e induvidoso é que a nova Lei de Improbidade traz consigo um nível mais elevado de segurança jurídica para o gestor e os particulares que contratam com a administração.

As mudanças no aspecto material da norma garantem maior segurança, previsibilidade e razoabilidade na sua interpretação e no enquadramento dos atos administrativos com ímprobos.

Até então, as conhecidas dificuldades enfrentadas pelos gestores públicos vinham sendo quase sempre ignoradas pelos órgãos de acusação, inclusive, em situações pontuais, com a inadmissível intromissão no mérito administrativo, na tentativa velada subverter o princípio democrático, retirando do agente político eleito a capacidade decisória.

A lei 14.230/21 tem o potencial de impedir o iminente esvaziamento da Lei de Improbidade Administrativa. Este caríssimo instrumento Republicano foi por muitos anos manietado pelos ímpetos punitivistas, que não medem as consequências da fragilização dos institutos jurídicos e das garantias constitucionais a título de defesa de uma visão monodimensional e egoística de justiça.

Imperativo que a Lei de Improbidade Administrativa cumpra o seu mister de apurar e punir com rigor os atos que infrinjam os postulados normativos que devem balizar a condução da gestão pública. Entretanto, nenhuma política de combate a corrupção pode justificar a mitigação de direitos e garantias fundamentais.

A lei que encabeça o microssistema de proteção a probidade administrativa não poderia continuar a ser utilizada como uma verdadeira arapuca processual para punir os agentes públicos, sem criteriosa análise de suas responsabilidades, do elemento volitivo da conduta, das circunstâncias concretas a que estava submetido.

Em boa hora a lei 14.230/21 ingressou no ordenamento jurídico brasileiro, potencializando e otimizando a interpretação da Lei de Improbidade Administrativa.

Eliel Marins

Eliel Marins

Advogado membro do Escritório João Daniel Jacobina Advocacia. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Católica do Salvador. Advogado da Associação dos Magistrados da Bahia - AMAB.

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