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Distinção das hipóteses de cabimento da reclamação no STJ e STF: para preservar a autoridade do precedente vinculante

O STJ e o STF possuem entendimentos completamente divergentes sobre o cabimento da reclamação para fins de preservação da autoridade de acórdãos proferidos em recursos especiais repetitivos e repercussões gerais.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Atualizado em 14 de dezembro de 2021 08:36

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

Há divergência entre o STJ e o STF sobre o cabimento da reclamação, prevista no art. 988 do CPC. No primeiro artigo abordei a divergência de jurisprudência quando se trata de desrespeito a ordem de suspensão nacional dos processos. Neste segundo artigo trato da divergência para preservar a autoridade dos precedentes vinculantes.

O não cabimento da reclamação no STJ para preservar o precedente firmado em recurso especial repetitivo.

Prevista no art. 105, I, "f", da Constituição Federal e no art. 988 do CPC, a reclamação consiste em garantia constitucional cujo objetivo é preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça ou, ainda, assegurar a autoridade de suas decisões quando descumpridas ou aplicadas em desacordo com as limitações impostas pelo julgado no caso concreto.

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a reclamação não é via adequada para preservar a jurisprudência do STJ, mas, sim, a autoridade de decisão tomada apenas no caso concreto, envolvendo as partes postas no litígio do qual ela se origina.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a reclamação não tem cabimento como sucedâneo recursal, e seguindo entendimento da Corte Superior de que tal ação é destinada a preservar a competência do STJ ou garantir a autoridade de suas decisões, não sendo adequada à preservação de sua jurisprudência, mas sim à autoridade de decisão tomada em caso concreto e envolvendo as partes postas no litígio do qual ela é originada, não há que se dar seguimento à reclamação. Neste sentido: (AgInt na Rcl n. 39.321/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 16/6/2020, DJe 23/6/2020 e AgInt na Rcl n. 40.177/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 29/9/2020, DJe 2/10/2020).

A previsão de reclamação constitucional para garantir a autoridade das decisões do tribunal não tem o propósito de amparar pretensões à observância da jurisprudência do STJ, mas servir à garantia da autoridade de decisão proferida no caso concreto envolvendo as mesmas partes, conforme decidido no (AgInt na Rcl n. 32.987/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 12/8/2020, DJe 17/8/2020) e (AgInt na Rcl 41.776/RO, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/11/2021, DJe 11/11/2021)

Por fim, nos termos da interpretação feita pelo STJ ao art. 988, § 5º, II, do CPC/15, é vedado o uso da reclamação, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. Além disso, o art. 187 do RISTJ também exige o exaurimento de instância na reclamação promovida com o intuito de preservar a competência do STJ.

O cabimento da reclamação no STF para preservar precedente firmado em repercussão geral.

O Supremo Tribunal Federal, excepcionalmente, aceita a reclamação para fins de preservar a autoridade dos julgamentos realizados com repercussão geral.

Conforme disposto na Constituição Federal, compete ao STF processar e julgar originariamente reclamação para a preservação de sua competência, garantia da autoridade de suas decisões e da observância das Súmulas Vinculantes (arts. 102, I, l, e 103-A, § 3º da CF/88). Nesse sentido, o Código de Processo Civil de 2015 também regulamentou a matéria e assentou as hipóteses de cabimento da reclamação no art. 988 do CPC1.

Para o Supremo Tribunal Federal, interpretando o § 5º, II, do art. 988 do CPC, é inadmissível reclamação proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, exceto quando comprovado o esgotamento das instâncias ordinárias, com a devida interposição e julgamento do agravo interno, previsto no art. 1.030, § 2º, do CPC, e a demonstração da teratologia da decisão.

Divergindo do entendimento do STJ, para o STF a reclamação proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida é cabível quando presentes os seguintes pressupostos necessários e cumulativos, quais sejam: o esgotamento da instância de origem, com a interposição de agravo interno da decisão monocrática que sobresta o feito, inadmite liminarmente o recurso da competência do STF ou julga-o prejudicado; e a plausibilidade na tese de erronia na aplicação do entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado na repercussão geral pelo Juízo a quo, a indicar teratologia da decisão reclamada.

Assim, a Suprema Corte, excepcionalmente, conhece e julga reclamações postulando a observância de acórdão de Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida somente após esgotadas as instâncias ordinárias nos restritos casos em que se depara com decisão teratogênica, vício judicial que autoriza a utilização e admissão deste instrumento processual para fins de cassação do ato reclamado, observando-se, consequentemente, os seus estritos limites cognitivos (Rcl 21.445/RS. Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 10/5/2017). Desrespeita-se a autoridade da decisão do Supremo quando configurada erronia na aplicação do entendimento, a evidenciar teratologia da decisão reclamada (Rcl 24.911/DF, DJe de 31/8/2016).

Conforme entendimento do ministro Gilmar Mendes, quando se intenta garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, a reclamatória proposta no STF deve estar arregimentada de dois inseparáveis pressupostos: o esgotamento da instância de origem, com a interposição de agravo interno da decisão monocrática que sobrestá o processo, inadmite liminarmente o recurso da competência do STF ou julga-o prejudicado; e a plausibilidade na tese de erronia na aplicação do entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado na repercussão geral pelo Juízo a quo, a indicar teratologia da decisão reclamada. (Rcl 26.093/PI, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 6/2/2017).

A excepcionalidade do cabimento da reclamação para fins de questionamento da aplicação do precedente, força a reclamante demonstrar a existência de razões fundamentadas em teratologia na aplicação da norma de interpretação extraída do precedente do STF com força obrigatória ao caso concreto (Rcl. 26.780-MC/SP, DJe de 5/6/2017).

Pelo exposto, resta demonstrado que o STF, desde que preenchidos os requisitos excepcionais necessários e cumulativos2, entende ser cabível o ajuizamento da reclamação para fins de preservação da autoridade das decisões proferidas em recurso extraordinários com repercussão geral.

Conclusão

O STJ e o STF possuem entendimentos completamente divergentes sobre o cabimento da reclamação para fins de preservação da autoridade de acórdãos proferidos em recursos especiais repetitivos e repercussões gerais.

O STJ entende ser incabível a reclamação. O STF entende ser cabível a reclamação desde que preenchidos os requisitos excepcionais necessários e cumulativos: o esgotamento da instância de origem, com a interposição de agravo interno da decisão monocrática que sobresta o feito, inadmite liminarmente o recurso da competência do STF ou julga-o prejudicado; e a plausibilidade na tese de erronia na aplicação do entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado na repercussão geral pelo Juízo a quo, a indicar teratologia da decisão reclamada.

_________

1 Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I - preservar a competência do tribunal; II - garantir a autoridade das decisões do tribunal; III - garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; IV - garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência (...).

2 Os pressupostos necessários e cumulativos são: o esgotamento da instância de origem, com a interposição de agravo interno da decisão monocrática que sobresta o feito, inadmite liminarmente o recurso da competência do STF ou julga-o prejudicado; e a plausibilidade na tese de erronia na aplicação do entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado na repercussão geral pelo Juízo a quo, a indicar teratologia da decisão reclamada.

Guilherme Veiga Chaves

Guilherme Veiga Chaves

Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Direito Constitucional Internacional pela Universitá di Pisa/UNIPI, Itália. Advogado sócio do escritório Gamborgi, Bruno e Camisão Associados Advocacia.

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