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O ex-administrador ou sócio já retirado da sociedade não atraem para si a responsabilidade tributária em caso de dissolução irregular

O Estado e o município ajuizaram execuções fiscais com o objetivo de receber os créditos tributários que lhes são devidos, mas as tentativas de citação foram infrutíferas porque o agente postal e o oficial de justiça não localizaram a sociedade XYZ no endereço informado nos bancos de dados oficiais.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Atualizado às 12:41

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O STJ ratificou entendimento jurisprudencial já consolidado nas Súmulas 430 e 435 para assentar, adicionalmente, que não cabe execução fiscal contra administrador que deixou a empresa sem dar causa à posterior dissolução irregular.

1. Contextualização

Considere o seguinte contexto hipotético: Tício e Tosco fundaram, como sócios, a sociedade XYZ Comércio e Serviços Ltda. (XYZ), que exerce atividade empresarial na comercialização de produtos de limpeza e na prestação de serviços de conservação. Tício não é mais sócio na XYZ, mas chegou a exercer a administração da sociedade à época em que era sócio; Tosco é atualmente sócio administrador e responsável pela operação societária.

A sociedade XYZ é contribuinte do ICMS e do ISSQN, a depender da atividade explorada. À época em que administrada por Tício, a sociedade XYZ declarou faturamento e constituiu créditos tributários de ICMS, em favor do Estado, e de ISSQN, em benefício do município, mas recolheu algumas parcelas dos tributos devidos. Ao fim, viu o referido crédito tributário inscrito em dívida ativa dos respectivos entes.

Como consequência, o Estado e o município ajuizaram execuções fiscais com o objetivo de receber os créditos tributários que lhes são devidos, mas as tentativas de citação foram infrutíferas porque o agente postal e o oficial de justiça não localizaram a sociedade XYZ no endereço informado nos bancos de dados oficiais.

E agora? Poderia a Fazenda Pública buscar o "redirecionamento" da execução fiscal ajuizada contra a sociedade XYZ para Tício, administrador à época do fato gerador, e para Tosco, atual administrador?

2. Qual a relevância do exemplo de contextualização?

Essa situação hipotética não destoa da realidade enfrentada pela Fazenda Pública na recuperação dos seus créditos tributários. Levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no âmbito do projeto Justiça em Números indica que os "processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 36% do total de casos pendentes e 68% das execuções pendentes no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 87%. Ou seja, de cada cem processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2020, apenas 13 foram baixados"1.

O que tende a acarretar esse congestionamento das execuções fiscais e a morosidade na atuação do Judiciário diante desses casos pode ser atribuído, dentre outros fatores, à estrutura dos órgãos jurisdicionais, geralmente sobrecarregados de atividades, e à legislação processual. Sendo uma via tão preponderante para a recuperação dos créditos tributários, o Judiciário é instado a se manifestar sobre várias peculiaridades processuais nas execuções fiscais, como servem de exemplo os requisitos da certidão de dívida ativa e seus privilégios, a competência para a execução fiscal, os expedientes processuais de defesa, as formas de garantia do juízo da execução fiscal, a formação de litisconsórcio passivo etc.

Centremo-nos um pouco sobre as medidas de redirecionamento da execução fiscal, que é quando a Fazenda Pública objetiva incluir os sócios da pessoa jurídica societária em uma execução fiscal em tramitação, ou seja, quando se intenta estabelecer um litisconsórcio passivo ulterior entre a sociedade contribuinte e os seus sócios - o caso de Tício, Tosco e a sociedade XYZ é uma hipótese dessa situação.

3. Quais os requisitos para a execução fiscal?

As execuções fiscais são típicas ações executivas que tramitam sob o procedimento especial previsto na lei 6.830/80, a Lei de Execuções Fiscais (LEF). Desde a formatação da petição inicial até as formas de impugnação da sentença, a referida lei traça diretrizes específicas, embora por vezes remeta alguma complementação normativa ao Código de Processo Civil (CPC).

O artigo 319 do CPC, considerada sua localização normativa, traça os requisitos para a admissibilidade das petições iniciais das ações que tramitam sob o procedimento comum das ações de conhecimento. Todavia, serve de roteiro elementar para a elaboração de qualquer petição inicial, de qualquer procedimento, ressalvada, por certo, a opção pela realização da audiência de conciliação e mediação prévia prevista no artigo 334 do CPC.

Quando se trata de execução fiscal, a admissibilidade da petição inicial acaba por revelar requisitos mais singelos, mas de observância cogente. O artigo 6º da LEF exige que a petição inicial indique apenas o juízo a que é dirigida, formule o pedido de providência jurisdicional e traga requerimento de citação - requerimento inexistente no rol do artigo 319 do CPC. Além disso, a petição inicial das execuções fiscais deve ser obrigatoriamente instruída com a Certidão da Dívida Ativa (CDA), que lhe é parte integrante e que pode vir em um mesmo documento conjunto com a petição inicial, dispensada à Fazenda Pública a formulação de requerimento de produção de provas - a exigência do § 2º do artigo 6º da LEF está refletida na norma do artigo 320 do CPC.

Uma vez que a CDA é elemento obrigatório para a admissibilidade da petição inicial, não se pode desconsiderar que também ela possui requisitos legais, como se extrai do artigo 2º da LEF, que deve atenção também ao que dispõe o artigo 39 da lei 4.320/74. Dentre os requisitos da CDA está a indicação do "nome do devedor, dos corresponsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros". Ou seja, a CDA que instrumentaliza a petição inicial das execuções fiscais deve especificar o devedor tributário, aquele contra quem se voltará a demanda executiva fiscal, ou melhor dizendo, o sujeito passivo da relação jurídica tributária material que figurará como executado na relação jurídica processual.

A consolidação dos dados do devedor na CDA não pode prescindir dos expedientes administrativos de constituição do crédito, tributário ou não (artigo 201 do Código Tributário Nacional - CTN). Esses expedientes ocorrem para a definição da origem da obrigação tributária, para a apuração do valor devido e para a verificação do sujeito passivo da relação jurídica tributária. Logo, se uma sociedade (exemplo de pessoa jurídica) figura como contribuinte na relação jurídica de direito material, é ela quem figurará na CDA em caso de inadimplemento do crédito tributário e, como consequência, no polo passivo da execução fiscal. O mesmo ocorre em se tratando de contribuinte pessoa física (ou natural).

A experiência com óbices processuais aprimorou alguns procedimentos da Administração Pública tributária. Ao invés de simplesmente inscrever a pessoa jurídica devedora na CDA, o procedimento administrativo fiscal poderia ser útil para incutir responsabilidade solidária aos sócios, notadamente ao administrador, de modo a considerá-los, após o processo administrativo tendente a demonstrar o enquadramento nas hipóteses dos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional (CTN), como solidários pelos débitos da pessoa jurídica.

Lição comezinha de teoria geral do processo, positivada no artigo 17 do CPC, orienta que é necessário ter legitimidade ad causam para postular em juízo - e também para ser submetido a uma postulação. Mas, e se a pessoa jurídica, que é contribuinte principal, não for localizada para o ato de comunicação processual de citação? O que tem sido entendido pelos tribunais? A citação por edital pode surtir os efeitos desejados à ação executiva? É possível responsabilizar os sócios, ou pelo menos o sócio administrador pelo não recolhimento do tributo?

4. A execução fiscal ajuizada contra a pessoa jurídica contribuinte pode ser "redirecionada" aos sócios que a integrem?

As hipóteses de não localização do devedor principal para responder à execução fiscal e, com isso, suportar os ônus dela decorrentes é centro de acaloradas discussões na área tributária e processual: prestigia-se a segurança jurídica em face dos contribuintes ou incrementam-se os privilégios da Fazenda Pública atrelados ao crédito tributário?; viabiliza-se ou não a formação de litisconsórcio passivo ulterior independentemente do reconhecimento administrativo da responsabilidade tributária e inclusão dos dados na CDA?

O STJ, que é o tribunal competente para a uniformização da jurisprudência nacional, tem construído importante - e firme - linha de entendimento sobre o assunto, que serve de orientação para os demais tribunais e juízos que lidam e julgam execuções fiscais. Vale a pena considerar as casuísticas enfrentadas pelo STJ e a sua compreensão acerca da incidência normativa.

Julgamentos ocorridos no período compreendido entre 2004 e 2010 expuseram ao STJ questão relacionada à responsabilidade dos sócios pelo simples inadimplemento das obrigações tributárias pelas sociedades contribuintes: o inadimplemento do crédito tributário ensejaria alguma responsabilidade tributária aos sócios?

Os julgados que enfrentaram essa temática propiciaram ao STJ consolidar entendimento no sentido de que "o mero inadimplemento do tributo, por si só, não é capaz de estender ou acarretar responsabilidade subsidiária do sócio da empresa executada. Para que haja a responsabilização do sócio é necessária a comprovação de que agiu com excessos de poder e infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa" (AgRg no Ag 1.093.097-MS). Os olhos do STJ voltaram-se à interpretação normativa do artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN) e à extensão da compreensão da responsabilidade dos sócios de uma sociedade empresária.

Uma vez que remansa a orientação das turmas integrantes da 1ª Seção do STJ, erigiu-se o seguinte entendimento sumulado, ainda vigente: "O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente" (Súmula 430/STJ).

Mas entendimento sumulado é uma orientação da tendência de entendimento decisório do tribunal e não tem força vinculativa. A cogência da aplicação de um entendimento jurisprudencial passou a ser considerada, em nosso sistema jurídico processual, a partir da admissão do sistema de precedentes e da sistemática de julgamentos repetitivos. Ora, o artigo 976 do CPC abriu as portas para novas práticas, que de certa forma já estavam a ser implementadas nos recursos especiais repetitivos (STJ) e nos recursos extraordinários submetidos ao procedimento da repercussão geral (STF) desde a edição da Emenda Constitucional 45/2004.

Nesta senda, e com o escopo de conferir vinculatividade ao entendimento versado na Súmula 430, o STJ avançou com o enfrentamento e definição do tema 97 dos seus precedentes qualificados, de modo a consolidar a seguinte tese jurisprudencial: "A simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do CTN. É indispensável, para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa".

A premissa essencial que se extrai do entendimento do STJ nesse ponto é que uma esfera jurídica não se confunde com outra. Ou seja, uma coisa é a pessoa jurídica, a sociedade da qual os sócios fazem parte, que possui âmbito próprio de direitos e responsabilidades; outra coisa são os sócios, sejam eles pessoa jurídica ou natural. Pode parecer simples a compreensão dessa distinção, mas, tamanha a celeuma, veio bem a calhar a inclusão do artigo 49-A ao Código Civil (em 2019!), que estabeleceu normativa e expressamente que "a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores". A nova norma disse o óbvio, mas disse o necessário!

Embora sujeitos distintos em suas esferas jurídicas, não se pode desconsiderar que uma pessoa jurídica não funciona sem uma atuação humana. Aqui está a importância de se levar em conta, na temática, a opção que a legislação vigente no País fez em relação à teoria dos atos ultra vires. Isso quer dizer que, embora sujeitos diversos, o sócio da pessoa jurídica, notadamente o administrador, será responsabilizado pelos atos que excederem aos poderes que lhe são atribuídos pela lei, pelo contrato social ou pelo estatuto para a realização dos atos de gestão da pessoa jurídica. O direito societário tem os dois olhos voltados para a atuação do administrador, pois é ele quem realiza e se responsabiliza pelos atos de comando da pessoa jurídica. Daí porque o STJ obsta a responsabilização indiscriminada dos sócios pelo mero inadimplemento da dívida tributária, mas admite que ela ocorra quando configurada atuação ultra vires, com excesso de poderes, como estabelecido no artigo 135 do CTN.

E no caso de a pessoa jurídica não ser localizada no endereço informado aos órgãos oficiais? Bem, nesse caso temos um problema que pode gerar efeitos em qualquer âmbito obrigacional, não apenas no âmbito das relações tributárias. O exemplo da sociedade XYZ, que contextualiza esta reflexão, permite compreender que a pessoa jurídica não deu informações suficientes à entidade em que devem ser depositados os seus atos societários, aos seus credores e ao órgão de fiscalização tributária. Nesse caso, há uma considerável deficiência na atuação do gestor da pessoa jurídica, do seu administrador. Não por acaso, o STJ tem entendido que essas hipóteses revelam uma presunção - que é relativa! - de dissolução irregular da pessoa jurídica, de modo a atrair a responsabilidade pessoal também do seu administrador, que é quem deveria ter providenciado a atualização de informações societárias ou a baixa regular da pessoa jurídica.

Julgados do STJ que remontam a 2005 já enfrentavam a temática com razoável conforto: "o sócio-gerente que deixa de manter atualizados os registros empresariais e comerciais, em especial quanto à localização da empresa e à sua dissolução, viola a lei (arts. 1.150 e 1.151, do CC, e arts. 1º, 2º, e 32, da lei 8.934/94, entre outros). A não-localização da empresa, em tais hipóteses, gera legítima presunção iuris tantum de dissolução irregular e, portanto, responsabilidade do gestor, nos termos do art. 135, III, do CTN, ressalvado o direito de contradita em Embargos à Execução" (EREsp 716.412-PR).

Uma relevante confirmação do entendimento vem na esteira do julgamento do tema 962 dos precedentes qualificados do STJ, em novembro de 2021. A temática em discussão no Recurso Especial 1.377.019/SP, sob a qualificada relatoria da ministra Assusete Magalhães, deitava sua atenção à viabilidade de se responsabilizar pessoalmente os demais sócios, e não apenas o administrador, nos casos de presumida dissolução irregular da pessoa jurídica. A discussão contemplou, ainda, o terceiro não sócio, vale dizer, aquele que era administrador da sociedade à época do fato gerador da obrigação tributária.

Tal julgamento resultou em uma expressa não admissão do "redirecionamento" das execuções fiscais apenas com base em dissolução irregular da sociedade contra o sócio que, mesmo exercendo a gerência ao tempo do fato gerador, afastou-se regularmente da empresa antes de sua dissolução irregular, à qual não deu causa. Esse entendimento, portanto, abrange não apenas o sócio não administrador, mas também aquele que exerceu os atos de gestão da sociedade à época do fato gerador da obrigação tributária. Para o fim de "redirecionar" a execução fiscal para quem não consta da CDA, necessária a contemporaneidade entre a administração e a caracterização da dissolução irregular, ainda que presumida.

Interessante notar - e o acórdão condutor da tese 962 bem registra essa informação - que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional já reconhecia a prevalência do entendimento do STJ em casos que tais, o que é demonstrado pela alteração da Portaria PGFN 180/2010 pela Portaria PGFN 713/2011.

Um ponto adicional merece ser considerado. Qualquer que seja a temática analisada pelo STJ, conforme apresentação acima, não se afasta uma adicional alternativa à Fazenda Pública credora do crédito tributário inadimplido e inscrito em dívida ativa: a substituição da CDA. Essa faculdade é reconhecida como viável pelo STJ, conforme orientação consolidada em sua Súmula 392: "A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução". Ao nosso ver, tal orientação não se alinha às diretrizes da teoria geral do processo acerca da estabilização da demanda. Todavia, tem embasado o comportamento da Fazenda Pública quando diante de óbices ao sucesso da execução fiscal.

5. E o incidente de desconsideração da personalidade jurídica?

Em período pré-pandêmico, mas não muito tempo atrás, o STJ entendeu ser viável o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) de uma sociedade devedora de crédito tributário por meio do expediente processual previsto no artigo 133 do CPC. Nesses casos, segundo o entendimento sufragado, a Fazenda Pública deveria comprovar os requisitos da teoria maior da disregard doctrine, a saber o abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

O caso emblemático analisado pelo STJ reporta-se, faticamente, à liquidação de uma sociedade empresária que não teria deixado bens para saldar o crédito tributário. Daí o interesse da Fazenda Pública em perseguir bens de outras empresas integrantes do mesmo grupo econômico, independentemente da distinção entre esferas jurídicas. Segundo o voto condutor do entendimento, da qualificada lavra do ministro Gurgel de Faria, "o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos artigos 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do artigo 50 do Código Civil - daí porque, nesse caso, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora" (REsp 1.775.269-PR).

Vale dizer, as hipóteses atrativas do IDPJ estão atreladas não necessariamente à simples atuação ultra vires pelo administrador, mas à demonstração de abuso da personalidade jurídica pelos sócios, que podem ser responsabilizados, independente do exercício dos atos de gestão empresarial.

6. Conclusão

Em sede de conclusão, voltemos ao caso hipotético que contextualizou a presente reflexão: poderia a Fazenda Pública Estadual e municipal buscar o "redirecionamento" da execução fiscal ajuizada contra a sociedade XYZ para Tício e Tosco?

Bem, depende!

De acordo com a intepretação consolidada na jurisprudência do STJ, os sócios não podem ser responsabilizados pelas dívidas, inclusive tributárias, da pessoa jurídica. As esferas de responsabilidade são distintas, e o direito societário bem reconhece que as limitações de responsabilidade dos sócios previstas na legislação asseguram essa distinção entre as esferas jurídicas. Assim, a execução fiscal de uma CDA em que constem apenas os dados do contribuinte como devedor somente pode tramitar contra esse contribuinte.

Alternativa à Fazenda Pública é a instauração de processo administrativo para viabilizar o reconhecimento de responsabilidade tributária pessoal aos sócios, nos termos dos artigos 134 e 135 do CTN. Essa medida viabilizaria, ainda, a posterior substituição da CDA para, aí sim, assegurar uma imediata formação de litisconsórcio passivo ulterior. Um alerta: a Fazenda Pública não pode promover a execução fiscal contra quem não pese, comprovadamente, a responsabilidade pelo excesso de poderes em infração à lei, contrato social ou estatuto.

Outra alternativa é a instauração de IDPJ, que pressupõe um esforço probatório do credor, no caso a Fazenda Pública, para comprovar os requisitos da teoria maior da disregard doctrine, a saber o abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

A par dessas hipóteses, a formação de litisconsórcio passivo ulterior na execução fiscal, coloquialmente denominada "redirecionamento", somente ocorrerá quando houver comprovação da atuação do administrador, e não de qualquer sócio, em violação à lei, ao contrato social ou ao estatuto. Não é qualquer sócio, é o sócio administrador, é quem assume e se expõe aos atos de gestão. Na hipótese de presunção de dissolução irregular da sociedade, a responsabilidade tributária pessoal é atribuída ao sócio administrador à época em que constatada a suposta dissolução irregular.

Enfim, ainda que Tício tivesse exercido a administração da sociedade XYZ à época do fato gerador inadimplido, não poderá recair sobre si a responsabilidade tributária pessoal decorrente da presunção de dissolução irregular da sociedade. Tosco, contudo, não terá a mesma sorte, pois é dele o comando empresarial e as obrigações societárias à época da dissolução irregular.

  • Súmula 430/STJ:

O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.

  • Tema 97 Repetitivos STJ:

A simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do CTN. É indispensável, para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa.

  • Súmula 435/STJ:

Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

  • Tema 962 Repetitivos STJ:

O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, não pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora exercesse poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retirou e não deu causa à sua posterior dissolução irregular, conforme art. 135, III, do CTN.

  • Súmula 392/STJ:

A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.

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1 Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2021. Brasília, 2021, p. 176. Disponível aqui. Acesso em 8/12/2021.

Guilherme Cardoso Leite

Guilherme Cardoso Leite

Advogado, sócio de Machado, Leite & Bueno Advogados; doutorando em Direito Constitucional pelo IDP; mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB; especialista em Direito Tributário pelo IBET; professor no IDP.

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