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As principais alterações no decreto 2.181/97, que estabelece normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas no CDC

No decorrer do recente decreto, observa-se a inclusão de disposições constantes na lei geral de liberdade econômica, do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e de instrumentos jurídicos.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Atualizado às 07:55

(Imagem: Arte Migalhas)

Recentemente, o Governo Federal publicou o decreto 10.887, de 7 de dezembro de 2021, promovendo alterações no decreto 2.181/97, que estabelece normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas no CDC.

No decorrer do recente decreto, observa-se a inclusão de disposições constantes na lei Geral de Liberdade Econômica, do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e de instrumentos jurídicos que visam a garantia da ampla defesa e do contraditório, podendo garantir uma melhor tomada de decisão por parte do gestor público frente à possibilidade de melhor esclarecimento dos fatos.

Por fim, verifica-se, ainda, que o decreto traz previsão mais ampla para a solução de eventuais conflitos de competência que podem ocorrer entre os ODCs, bem como permite o firmamento de TAC com obrigações de fazer, estabelece novos critérios para a dosimetria da multa, regulamenta o procedimento das Averiguações preliminares e promove alterações no rito do Processo Administrativo.

Confira abaixo as principais mudanças implementadas:

1. Conflito de competência entre ODCs (art 15 e 16)

A partir da nova redação do art 15 em razão da publicação do decreto 10.887 e com a publicação do decreto 10.887, o art 15 trouxe nova redação no que tange ao Conflito de Competência entre ODCs.

Nos casos em que o fornecedor seja acionado em mais de um Estado pelo mesmo fato gerador de prática infrativa, será facultado à autoridade máxima do sistema estadual o envio do processo à Senacon. Caso a autoridade opte pelo não envio, deverá comunicar a Secretaria sobre a decisão. Recebido o processo, a Senacon apurará o fato e aplicará as sanções cabíveis em face ao fornecedor, ouvido o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor.

A previsão de avocatória de processos por parte da Senacon foi mantida no artigo 16, podendo ocorrer em processos administrativos em trâmite em mais de um Estado e que envolvam interesses difusos e coletivos. Neste caso, a Secretaria deverá ouvir o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor e as autoridades máximas dos sistemas estaduais.

2. Cláusulas Abusivas (art 56)

O novo art 56, ao tratar do elenco de Cláusulas Abusivas, dispõe que o rol das cláusulas consideradas abusivas tem natureza exemplificativa, o que permite que outras cláusulas possam assim ser consideradas pelos ODCs.

No entanto, os órgãos deverão observar o disposto no art 4º da lei da liberdade econômica, sendo necessária a edição de atos normativos para definir as cláusulas que são consideradas abusivas à luz da legislação consumerista.

Por fim, estipulou-se que somente a Senacon poderá elencar cláusulas consideradas abusivas quando o fornecedor de produtos ou serviços as utilizar uniformemente em âmbito nacional.

3. Ofertas, Aquisição, Publicidade e Propaganda de produtos e serviços por meio dos Provedores de Aplicação

Em razão do novo decreto, foram feitas alterações no texto da alínea b do inciso IX do art 12, que passa a considerar prática infrativa a inserção de qualquer produto ou serviço no mercado de consumo "b) que acarrete riscos à saúde ou à segurança dos consumidores e sem informações ostensivas e adequadas, inclusive no caso de oferta ou de aquisição de produto ou serviço por meio de provedor de aplicação;".

Em ato contínuo, houve a inclusão de parágrafo único no art 13, segundo o qual "Aplica-se o disposto nos incisos I, II, III e VII do caput à oferta e à aquisição de produto ou de serviço por meio de provedor de aplicação."

Abaixo, as práticas infrativas elencadas pelo Parágrafo Único:

"Art 13 Serão consideradas, ainda, práticas infrativas, na forma dos dispositivos da lei 8.078, de 1990:

I - ofertar produtos ou serviços sem as informações corretas, claras, precisa e ostensivas, em língua portuguesa, sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, condições de pagamento, juros, encargos, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados relevantes;

II - deixar de comunicar à autoridade competente a periculosidade do produto ou serviço, quando do lançamento dos mesmos no mercado de consumo, ou quando da verificação posterior da existência do risco;

III - deixar de comunicar aos consumidores, por meio de anúncios publicitários, a periculosidade do produto ou serviço, quando do lançamento dos mesmos no mercado de consumo, ou quando da verificação posterior da existência do risco;"

Por fim, no que tange à publicidade e propaganda, foi incluído o §4º no art 14 expondo que:

"§ 4º Para fins do disposto neste artigo, entende-se por publicidade a veiculação de mensagem, em meio analógico ou digital, inclusive por meio de provedor de aplicação, que vise a promover a oferta ou a aquisição de produto ou de serviço disponibilizado no mercado de consumo."

4. Consideração das práticas de autorregulação na publicidade e propagandas

Com as alterações trazidas, os ODCs ficam obrigados a considerarem, para caracterização de publicidade enganosa ou abusiva, as disposições constantes no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexo, assim como outros documentos elaborados pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária.

5. Notificações e intimações (art 42 e 42-A)

A partir da publicação do novo decreto federal, houve alteração dos prazos para impugnação do Auto de Infração e da Defesa no Processo Administrativo, que passam a ser de 20 dias (art 42), podendo as notificações e intimações serem enviadas, além das vias já previstas, por meio eletrônico que assegure a certeza da ciência do fornecedor.

Ademais, as notificações e intimações deverão ser dirigidas ao último endereço comunicado nos autos (art 42-A), não sendo válidas as que forem encaminhadas para local diverso, mesmo nos casos em que já tiverem sido informadas anteriormente pelo fornecedor.

Outrossim, as notificações encaminhadas ao fornecedor deverão constar, além do prazo de 20 dias, a determinação para especificação das provas que pretende produzir, inclusive testemunhais.

Por fim, nos casos de vício da intimação, poderá o fornecedor arguir a sua nulidade no próprio ato que lhe caiba praticar. Não sendo possível a prática do ato em razão da necessidade de acesso prévio aos autos, ao fornecedor é facultada a nulidade da intimação de forma isolada.

6. Conjunto Probatório

Conforme já exposto anteriormente, a alteração do decreto 2.181/97 permitiu que os fornecedores utilizem a prova testemunhal. Para isso, o demandado deverá, na impugnação do auto de infração e/ou na defesa em face ao processo administrativo sancionatório, apresentar a qualificação completa de até três testemunhas, mediante o fornecimento do motivo do seu arrolamento.

Os depoimentos e oitivas serão tomados por qualquer servidor em exercício no OCD e serão realizados, preferencialmente, por meio de videoconferência, desde que estejam presentes as condições técnicas para realização da diligência e segundo critério de conveniência e oportunidade da autoridade competente. Cabe ao representado informar a testemunha por ele indicada sobre o dia, a hora e o local da audiência designada.

No tocante as provas documentais, é facultado ao representado a sua realização até o saneamento do processo, exceto quando houver necessidade de, após o encerramento da instrução processual: (i) demonstrar fato novo; (ii) contrapor fato novo; e, (iii) apresentar documento do qual não tinha conhecimento, acesso ou que não disponível. Há ainda a possibilidade de apresentar documento que não existia até a instauração do processo sancionatório.

Por fim, é facultado ao órgão processante admitir a utilização de prova produzida em outros processos, administrativos ou judiciais, desde que observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.

7. Fiscalização prioritariamente orientadora - dupla visita - e Autos de Infração (Seção III)

A regra da dupla visita, também prevista na lei complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, passa a ser a regra na fiscalização no âmbito das relações de consumo, quando envolver atividade econômica classificada como de risco leve, irrelevante ou inexistente. Desta forma, a primeira visita passa a ser, prioritariamente, orientativa, exceto nas hipóteses de ocorrência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização.

Caso a dupla visita não seja observada pelo ODC, o auto de infração será considerado nulo independente da natureza da obrigação.

A classificação da atividade econômica como de risco leve, irrelevante ou inexistente é feita pelo Poder Executivo federal e deverá ser observado na ausência de legislação estadual ou municipal específica. Na hipótese de inexistência de ato do Poder Executivo, é aplicável a resolução do Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (CGSIM).

Por fim, o Auto de Infração deverá conter a cientificação do autuado para apresentação de defesa e especificação de provas que deseja produzir, inclusive as testemunhais, e poderá ser formalizado, comunicado e transmitido por meio eletrônico.

8. Averiguações Preliminares (Seção I-A)

Anteriormente à publicação do decreto 10.887/21, o procedimento das Averiguações Preliminares não era regulamentado pelo Decreto Federal, mas era utilizado pela Senacon com base na lei 9.784/99.

Com a inclusão da Seção I-A, a Averiguação Preliminar foi inclusa no decreto 2.181/97, permitindo que os OCDs instaurassem procedimento investigatório de natureza inquisitorial. A investigação pode resultar no arquivamento ou na abertura do processo administrativo sancionador.

Caso a decisão publicada seja pelo encerramento da investigação, o superior hierárquico do órgão prolator da decisão poderá avocar o processo, sendo possível a ratificação do arquivamento ou a determinação para que os autos retornem à autoridade competente para instauração de processo administrativo sancionatório ou continuidade da averiguação preliminar.

Por fim, quando a Averiguação Preliminar fundamentada em reclamação apresentada por consumidor não resultar em Processo Administrativo Sancionatório, o órgão deverá comunicar o demandante sobre as razões do arquivamento (§único do art 39).

9. Amicus Curiae

A figura do amicus curiae, ou amigo da corte, surgiu no Brasil com a lei 9.868/99, que trata da ação direta de inconstitucionalidade e da ação e foi incorporado em outras legislações, inclusive pelo Código de Processo Civil de 2015, que passou a prever este instrumento de forma expressa no artigo 138.

Com a inclusão do art 42-B, é facultado ao ODC, de ofício ou mediante requerimento das partes e no prazo de 15 dias contados da intimação, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada.

Para a solicitação ou admissão, o ODC deverá levar em consideração a relevância da matéria, a especificidade do tema ou a repercussão social da demanda.

10. Processo Administrativo Sancionatório

O processo administrativo sancionatório, a partir das alterações aqui elencadas, pode ser iniciado de ofício pela autoridade competente ou a pedido do interessado, não sendo mais possível a instauração pela reclamação do consumidor.

O prazo para apresentação de defesa pelo fornecedor foi ampliado para 20 dias (vide item 3 deste documento). Nesta oportunidade, o demandado poderá especificar as provas que pretende produzir, inclusive as testemunhais.

Enquanto não for prolatada a decisão de primeira instância, o processo administrativo poderá ser aditado para a inclusão de novos representados ou de novos fatos, devendo o órgão oportunizar prazo para a defesa que será limitada pelas razões do aditamento.

Por fim, ainda há possibilidade do ODC proceder com o desmembramento de um processo ou a juntada dele com outros, a depender do local e tempo da infração, número de representados, dificuldade de notificar uma ou mais empresas ou por outro motivo relevante.

11. Julgamento e Dosimetria da Pena

A decisão administrativa emanada pelo ODC deverá conter, dentre outros, a apreciação das provas apresentadas no curso do processo e o dispositivo, com a conclusão a respeito da configuração da prática infrativa, com a especificação dos fatos que constituíram a infração apurada na hipótese de condenação.

Nas decisões condenatórias, o ODC deverá indicar as providências a serem tomadas pelos condenados para fazer cessar a infração, se for o caso, e o prazo no qual os atos deverão ter início e serem concluídos, estipulando multa no caso de descumprimento, inclusive a diária. 

No que tange a multa estipulada, sua individualização e sua dosimetria, temos, como inovação, a inclusão da confissão, da participação regular em projetos e ações de capacitação e a adesão à plataforma Consumidor.gov como novas circunstâncias atenuantes.

Ademais, o decreto incluiu um novo parâmetro para a dosimetria do valor da multa, a proporcionalidade entre a gravidade do fato e a intensidade da sanção, algo similarmente previsto pela lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, e vedou a reutilização de elemento aplicado na fixação da pena-base como circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Ficou determinado, ainda, que para fins de reconhecimento da agravante de prática infrativa de dano coletivo ou de caráter repetitivo, a Senacon manterá e regulamentará um banco de dados, garantindo o acesso aos demais ODCs.

Sobre o rol de atenuantes e agravantes, o novo decreto estipulou sua natureza taxativa, não sendo possível a ampliação por meio de atos dos ODCs.

Por fim, fica facultado ao titular da Secretaria Nacional do Consumidor estabelecer critérios gerais para a valoração das circunstâncias agravantes e atenuantes, e para a fixação da pena-base para a aplicação da pena de multa.

12. Recursos Administrativos, quando interpostos em face à decisões que aplicaram multa, serão recebidos com efeito suspensivo.

13. Termo de Ajustamento de Conduta

As alterações promovidas inseriram no decreto 2.181/97 a possibilidade de firmamento de Termo de Ajustamento de Conduta com a estipulação de obrigações de fazer, preferencialmente em valor monetário, ou compensatórias.

Ademais, fica determinado que o descumprimento das cláusulas do TAC acarretará na perda dos benefícios concedidos ao compromissário, sem prejuízo da estipulação de multa diária.

14. Aplicação subsidiária e supletiva do CPC e da lei 9.784/99

Incluído pelo novo decreto, o art 65-A estabelece que as normas procedimentais estabelecidas pela lei 9.784/99 e pelo CPC são aplicáveis de forma subsidiária e suplementar ao decreto 2.181/97.

Vitor Morais de Andrade

Vitor Morais de Andrade

Sócio do escritório Morais Andrade Leandrin Molina Advogados e professor na PUC/SP. Membro do Conselho de Ética do CONAR. Vice-presidente de Relações Institucionais da Associação Brasileira das Relações Empresa-Cliente - ABRAREC. Mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Sócio especialista em Relações de Consumo.

Nicolas Eric Matoso Medeiros de Souza

Nicolas Eric Matoso Medeiros de Souza

Advogado. Foi Coordenador Executivo da Comissão de Estudos Permanentes de Acidentes de Consumo da SENACON e Coordenador de Assuntos Internacionais

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