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A citação por meio eletrônico e a nova redação do artigo 246 do CPC

Maria Amelia Mastrorosa Vianna e Nilaine Valladão Masiero

De acordo com a norma, qualquer pessoa física ou jurídica deverá, necessariamente e a cada 3 dias, verificar seus meios de comunicação eletrônica, a fim de confirmar o possível e eventual recebimento de citação.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Atualizado às 09:01

(Imagem: Arte Migalhas)

A lei sob 14.195/21 estabeleceu mudanças para determinados atos processuais, entre eles a citação. Referida lei foi publicada na data de 27 de agosto de 2021 e não trouxe vacatio legis pertinente quanto a possibilidade de citação por meio eletrônico, de modo que passou a vigorar a partir data da sua publicação.

Note-se que, referida lei advém das inúmeras emendas parlamentares, que, inicialmente, não faziam qualquer referência a matéria Processual Civil. No entanto, supreendentemente, a Medida Provisória sob 1040/2021 foi convertida em lei com inúmeras alterações incluindo temas que não tinham pertinência a temática discutida (artigo 5º, LIV, da CF) e temas que sequer poderiam ser objeto de Medida Provisória (artigo 62, § 1º, inciso I, letra "b", da CF), fato que motivou a propositura de Ação Direita de Inconstitucionalidade, autuada sob 7005, pelo PSDB, em tramite no Supremo Tribunal Federal.

Inobstante no meio pelo qual a alteração dos atos citatórios ocorreu no ordenamento jurídico, importante destacar que a norma trouxe relevantes alterações de ordem prática, as quais todos devem estar muito atentos visto que já vigentes no ordenamento, a saber: a) Estabeleceu a citação por meio eletrônico como regra preferencial; b) Impôs às partes o ônus de manter cadastros em todos os Tribunais brasileiros; c) Criou um ônus ao réu de explicar o motivo pelo qual deixou de responder a citação eletrônica, sob pena de até multa 5% do valor atribuído a causa.

A lei sob 14.195 alterou o teor do artigo 246, do Código de Processo Civil, estabelecendo que "A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça."

Da análise do diploma legal, observa-se que a citação postal já não é mais a maneira preferencial para efetivação do ato de chamamento ao réu ao processo. Vale aqui lembrar, que a citação é justamente o ato pelo qual se forma a tríade processual, sendo considerado pela doutrina o mais relevante momento para o exercício da defesa e do contraditório (artigo 5º, LV da CF), razão pela qual não se pode admitir qualquer indício de erro, sob pena de nulidade do processo.

O artigo 246 do Código de Processo Civil, com a atual redação, impõe ainda a obrigação tanto às empresas públicas como às empresas privadas de manutenção de cadastro na Plataforma de Comunicações Processuais (Domicílio Eletrônico) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), (Resolução 335/20).

Conforme mencionado anteriormente, a inserção do dispositivo legal exigindo a existência de banco atualizado de dados no Poder Judiciário, surgiu de forma repentina, passando a vigorar de forma imediata, sem tempo hábil para adaptação das partes e do próprio Poder Judiciário a tais exigências. Visando a alimentação do banco de dados e sua devida atualização, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) inclusive firmou termo de cooperação com órgãos judiciais, administrativos e delegacias de policia.

Ainda sobre a necessidade de cadastros, há que se considerar que atualmente o Sistema Judiciário Brasileiro conta com 5 Tribunais Regionais Federais, 27 Tribunais de Justiça Estaduais, 27 Tribunais Regionais Eleitorais, 24 Tribunais Regionais do Trabalho, além dos 4 Tribunais Superiores. No total, são 87 Tribunais no país, nos quais passou a ser obrigatória a manutenção de cadastro atualizado pelas empresas.

Ao que se tem notícia, apenas o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro tem um sistema de cadastro próprio que já vem sendo utilizado, e de forma pioneira, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná regulamentou o cumprimento eletrônico de atos de comunicação pessoal, através da Decisão 6701492-GCJ para adequação às novas alterações legislativas em comento.

A Lei ainda prevê a utilização do endereço eletrônico cadastrado junto ao sistema integrado da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) para que se efetive a citação de micro e pequenas empresas.

No entanto, não foi considerada pelo legislador, a hipótese de que no cadastro da maioria das pessoas jurídicas, consta não um e-mail institucional de cada uma delas, ou de seu representante legal, administrador, etc., mas o e-mail do profissional contador ou da empresa de contabilidade, responsável pela inscrição na Junta, por exemplo.

A regra geral estabelecida pelo novo ordenamento para a citação por meio eletrônico pode se mostrar absolutamente inviável no momento atual, quando desconhecido ou incerto o endereço eletrônico, o que invariavelmente deve gerar uma avalanche de nulidades de atos processuais, até porque, não restaram observadas as normas previstas nos artigos 8º e 10º da Resolução 354, do Conselho Nacional de Justiça.

Ainda que imbuído das melhores intenções, até mesmo em vista da situação pandêmica que assola o país há mais de um ano, a nosso sentir o legislador criou de forma açodada um mecanismo que não tem imediata sustentação, vez que a sua a alteração faz referência a cadastro e sistemas de informações atualmente inexistentes.

Note-se que, por vezes, a citação por correio eletrônico, é inclusive mais temerária que a citação realizada pelo aplicativo de WhatsApp, que sempre que observados os requisitos previstos no precedente mencionado no julgamento do Haberas Corpus 641.877 da 5ª Turma do STJ, quais sejam, (i) numero do telefone; (ii) confirmação escrita; e (iii) foto do destinatário, bem como as diretrizes dos artigos 8º e 10º da Resolução 354, do Conselho Nacional de Justiça, asseguram o conhecimento do destinatário sobre o conteúdo do mandado, bem como a correta identificação da parte.

Com as alterações advindas da lei sob 14.195/21, o Código de Processo Civil passou a reger a citação por meio dos seguintes atos: (1) o juiz determinará a citação por meio eletrônico no prazo de 02 dias úteis, a contar da decisão; (2) o réu, ao receber a citação com as devidas orientações no e-mail informado, terá até 3 dias úteis para confirmar seu recebimento; e (3) o prazo do réu para apresentação de defesa começará a fluir no quinto dia útil seguinte à confirmação de recebimento da citação realizada por e-mail.

Vale destacar que foi mantida a previsão de citação por carta com aviso de recebimento ou oficial de justiça, nos casos em que se verifique a impossibilidade de efetivação de citação por e-mail, sendo que, em tal hipótese, caberá ao réu a obrigação de apresentar justificativa na primeira oportunidade em que manifestar no processo, esclarecendo a eventual ausência de confirmação do recebimento da citação eletrônica.

A redação do §1º B e C, do artigo 246, do Código de Processo Civil estabelecem a necessidade de apresentação de justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente, sob pena de aplicação de multa de até 5% do valor da causa.

A penalidade poderá ser imposta para os casos em que o réu sem "justa causa" deixar de confirmar o recebimento da citação eletrônica. No entanto, o conceito de "justa causa" é muito vago para motivar a imposição ou não de tal penalidade. Pergunta-se então, o que poderia ser considerado justa causa para o legislador? Seria considerada justa causa um internamento hospitalar? Seria a justa causa uma viagem do responsável em acessar as mensagens? Ou poderia se considerar justa causa simplesmente um motivo honesto, pautado em bons argumentos que levam ao convencimento do Juiz?

Por outro lado, observa-se pelo texto legal, que a mera desatualização de dados cadastrais, sujeita a parte à pena de multa de até 5% do valor da causa, por implicar a ausência de resposta ao judiciário em ato atentatório à dignidade da justiça nos termos da nova redação dos artigos 77, inciso V, e 246, § 1º-C, do Código de Processo Civil.

De acordo com a norma, qualquer pessoa física ou jurídica deverá, necessariamente e a cada 3 dias, verificar seus meios de comunicação eletrônica, a fim de confirmar o possível e eventual recebimento de citação. Em caso de hipóteses que impeçam o acesso de canais eletrônicos poderá a parte estar sujeita à condenação de multa.

Nesse aspecto, fica o questionamento, o que dizer de pessoas idosas, que por vezes cadastram e-mails de filhos, netos e outros familiares, por exemplo? E se a comunicação for recebida equivocadamente por terceiro que está utilizando computador ou celular de outra pessoa? E se a comunicação não for recepcionada por problemas tecnológicos?

Importante observar que não há previsão legal de imposição de multa (especialmente a prevista no artigo 246, §1º-C, do Código de Processo Civil), para a hipótese de ausência de cadastro, mas, sim, para a hipótese da parte, que já detém cadastro, deixar de confirmar o recebimento da citação eletrônica.

De todo modo, não obstante os problemas suscitados, a norma está vigente e passível de ser aplicada aos casos em concreto.

Em recente decisão proferida em sede de Agravo de Instrumento, a Colenda 37ª Câmara de Direito Privado reconheceu que a citação por meio eletrônico depende de regulamentação pelo CNJ, mas mesmo assim dá provimento para que o ato de citação se efetive por e-mail, visto que demonstrado que a parte co-executada trocava e-mails com o exequente (TJ-SP - AI: 22128218620218260000 SP 2212821-86.2021.8.26.0000, Relator: José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto, Data de Julgamento: 24/09/2021, 37ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/09/2021).

Em outra situação, o MM. Juiz da 2ª Vara Cível do Foro de Atibaia-SP, nos autos do processo 0003529-48.2021.8.26.0048, determinou que a citação dos requeridos por e-mail, haja vista que os mesmos apontaram seus respectivos endereços eletrônicos em outros autos, inclusive para comunicação de atos judiciais.1

A melhor interpretação dos julgados colacionados acima, nos leva a concluir que a citação apenas pode ser considerada válida, quando efetivamente confirmado o seu destinatário e a ciência do mesmo sobre o conteúdo do mandado de citação. Soma-se isso, o fato de que a eventual possibilidade de aplicação de multa de 5% do valor atribuído à causa, não pode ser fixada de forma arbitraria pelo Jurisdicionado, considerando a precariedade do cadastro e as dificuldades por vezes existentes com os correios eletrônicos.

__________

Fls. 87/90: nos termos do artigo 246, caput e §1-A cumulado com artigo 231, inciso IX, todos do Código de Processo Civil, DEFIRO a tentativa de citação, por meio do correio eletrônico, a ser encaminhado aos e-mails indicados pelos demandados (fls. 88, item 4), em especial pela indicação de que os requeridos, ANTÔNIO e ELISABETE, em outro feito, indicaram referidos e-mail para fins de comunicação de ato judicial.

Providencie a serventia a expedição do e-mail de citação, com as cautelas de praxe, atentando-se à adequada forma de contagem do prazo para manifestação dos requeridos."

Maria Amelia Mastrorosa Vianna

Maria Amelia Mastrorosa Vianna

Sócia do Pereira Gionédis Advogados, especialista em Processo Civil pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos (Ibej), Diretora Institucional do Cesa-PR, Presidente da Comissão de Sociedades de Advogados da OAB-PR, conselheira estadual da OAB-PR.

Nilaine Valladão Masiero

Nilaine Valladão Masiero

Associada do Pereira Gionédis Advogados da filial de São Paulo. Pós graduada em Direito Empresarial, MBA em Gestão em andamento. Com expertise na área de saúde como Chief Legal Officer, autora de vários artigos e palestrante.

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