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Lei Mariana Ferrer e cautela judicial

Qualquer ofensa gratuita, injustificável e sem relação com a narrativa fática da acusação é proibida e deve ser punida.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Atualizado em 10 de janeiro de 2022 12:39

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 22 de novembro de 2021 foi sancionada a chamada "lei Mariana Ferrer" (14.245), que altera o Código Penal e o Código de Processo Penal para coibir a prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e para estabelecer causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo. O objetivo da lei é evidentemente louvável. Porém, a redação legal pela qual se pretende alcançá-lo pode criar novos problemas.

Inicialmente, cabe lembrar que, há vários anos, tanto os advogados quanto os membros do Ministério Público e do Judiciário já estão obrigados, por disposições legais específicas, a tratar as partes, as testemunhas, os servidores e a comunidade em geral com respeito e urbanidade. O CPP, no §6º do art. 201, determina que o juiz "tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação". Ainda assim, por conta de um caso concreto mais recente, o governo entendeu que novos dispositivos legais eram necessários.

Um dos problemas que a inovação pode trazer é o conflito entre a dignidade da vítima e o direito de defesa. Isso porque, no novo art. 400-A, II, CPP, consta que "a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas" é "vedada". Obviamente que qualquer ofensa gratuita, injustificável e sem relação com a narrativa fática da acusação é proibida e deve ser punida. Todavia, pode haver situações em que o acusado necessite explorar os (supostos) fatos pelos quais é acusado, inquirindo a vítima a respeito de circunstâncias objetivas que poderiam contrariar a versão acusatória (exercício do direito de defesa). Nesse hipotético cenário, o magistrado deve agir com grande cautela para, ao proteger a vítima de um possível desconforto ao debater o assunto central do processo, não cercear direitos daquele que enfrenta uma grave acusação e que, ao final, ainda pode vir a ser absolvido.

Gustavo Britta Scandelari

Gustavo Britta Scandelari

Advogado e coordenador do Núcleo de Direito Criminal do Escritório Professor René Dotti.

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