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A prescrição intercorrente no processo administrativo federal e a necessidade de revisão da súmula 11/CARF - pt.2

A súmula 11/CARF mostra-se manifestamente contrária ao ordenamento jurídico constitucional pátrio, atualmente norteado pelo princípio da razoável duração do processo, bem como manifestamente contrária à dois princípios básicos à administração pública, quais sejam, os princípios da moralidade e da eficiência.

terça-feira, 15 de março de 2022

Atualizado às 11:13

(Imagem: Arte Migalhas)

Como afirmado em artigo anterior, uma das maiores conquistas para o Direito Tributário e Aduaneiro no ido ano de 2021 fora a retomada da discussão a respeito da aplicação da súmula 11, do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, segundo a qual, "Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal."

Em nosso último artigo tratamos da necessidade de revisão da súmula 11/CARF, sob a ótica do Direito Tributário. Nesta semana, tratamos da necessidade de revisão desta súmula sob a ótica do Direito Aduaneiro.

Ora, a primeira justificativa para a não aplicação da súmula 11/CARF, aos processos administrativos aduaneiros em discussão naquele conselho fora dada recentemente pela conselheira Maysa de Sá Pittondo Deligne, em sua declaração de voto no acórdão 3402-008.556, conforme destacado abaixo:

"(...) A existência de regras processuais diferentes dentro do processo administrativo fiscal a depender da matéria em litígio é algo que passou a ser admitido de forma clara dentro deste Conselho com a regra do voto de desempate do artigo 19-E da lei 10.522/02, incluído pela lei 13.988/20, aplicável apenas para o 'processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário'. 12 Inclusive, com a edição da Portaria ME 260/20, que indica como esse dispositivo deve ser aplicado neste CARF, foi expressamente diferenciado o processo de exigência do crédito tributário das demais espécies de processos de competência do Conselho (dentre as quais os processos de exigência do crédito não tributário em matéria aduaneira): (...)".

Logo, o próprio conselho possui regras distintas entre os processos em que se discutem créditos de natureza tributária e processos em que se discutem créditos de natureza não tributária.

Com efeito, o E. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais encontra-se dividido em três seções, sendo a terceira seção competente para julgamento de, entre outros temas, questões envolvendo o direito aduaneiro, incluindo, até mesmo, exigências não tributárias, como lançamentos decorrentes do descumprimento de normas antidumping ou de medidas compensatórias.

Neste ponto, cumpre observar o que dispõe o § 5º, do art. 7º, da lei 9.019, de 30/3/95:

§ 5º A exigência de ofício de direitos antidumping ou de direitos compensatórios e decorrentes acréscimos moratórios e penalidades será formalizada em auto de infração lavrado por Auditor-Fiscal da Receita Federal, observado o disposto no Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, e o prazo de 5 (cinco) anos contados da data de registro da declaração de importação. (Incluído pela lei 10.833, de 29.12.03)

Ora, como é de conhecimento comum, os direitos antidumping não possuem natureza tributária. Neste sentido:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DIREITOS ANTIDUMPING. NATUREZA NÃO-TRIBUTÁRIA. Os direitos antidumping não possuem natureza de tributo ou contribuição social e, por conseguinte, não devem ser processados perante juízo tributário. (TRF4 5015334-20.2012.4.04.0000, CORTE ESPECIAL, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 23/11/12)

Logo, observa-se que, o rito previsto no decreto 70.235/70, aplica-se não só a processos administrativos onde se discutem créditos de natureza tributária, mas também, este rito se aplica a processos administrativos onde se se discutem créditos de natureza não tributária.

A suposta prestação de informações intempestivas sobre o embarque de mercadorias destinadas ao exterior e/ou o desembarque de mercadorias transportadas ao país, como o caso em discussão no Acórdão 3402-008.556, em nada afeta a relação tributária da União Federal com os exportadores/importadores, estando as respectivas obrigações supostamente descumpridas, fora do controle fiscal da União e, tão e unicamente só, sob a tutela do poder de polícia da administração pública federal.

Neste sentido, o entendimento do E. TRF da 3ª região sobre o tema, o qual, em julgamento de infrações semelhantes às tratadas acima, proferiu o seguinte entendimento:

AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. ADUANEIRO. AGENTE DE CARGA. OBRIGAÇÃO DE PRESTAR INFORMAÇÕES ACERCA DAS MERCADORIAS IMPORTADAS. INCLUSÃO DE DADOS NO SISCOMEX EM PRAZO SUPERIOR AO PERMITIDO PELA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO ARTIGO 728, IV, "E", DO DECRETO 6.759/09 E NO ARTIGO 107, IV, "E", DO DECRETO-LEI 37/66. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. INAPLICABILIDADE. DECADÊNCIA NÃO VERIFICADA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DE PARTE DO DÉBITO MANTIDA. RECURSOS NÃO PROVIDOS. (...)

2. Nos termos do o art. 31, caput, do decreto 6.759/09, "o transportador deve prestar à Secretaria da Receita Federal do Brasil, na forma e no prazo por ela estabelecidos, as informações sobre as cargas transportadas, bem como sobre a chegada de veículo procedente do exterior ou a ele destinado".

3. Na singularidade, consta dos autos que a autora, por diversas vezes, registrou os dados pertinentes ao embarque de mercadoria exportada após o prazo definido na legislação de regência, o que torna escorreita a incidência da multa prevista no art. 107, IV, "e", do decreto-lei 37/66, com redação dada pela lei 10.833/03. (...)

11. O recurso da União Federal também não merece prosperar, pois, diante da natureza administrativa da infração em questão, é evidente a incidência da prescrição intercorrente prevista no § 1º do art. 1º da lei 9.873/99 quanto ao débito objeto do processo administrativo 10814008859/2007-21. Ressalto que a União, em momento algum, argumenta no sentido da não paralisação do processo administrativo por mais de três anos, limitando-se a questionar a aplicação da norma ao caso concreto.

Logo, a conclusão a que se chega ao final destes dois artigos é que a súmula 11/CARF mostra-se manifestamente contrária ao ordenamento jurídico constitucional pátrio, atualmente norteado pelo princípio da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII), bem como manifestamente contrária à dois princípios básicos à Administração Pública, quais sejam, os Princípios da Moralidade e da Eficiência (CF/88, art. 37). Ora, conforme já reconhecido pelo E. STF, o "lançamento tributário não pode durar indefinidamente (...)" (ADI 124, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/08, DJe-071 DIVULG 16-04-2009 PUBLIC 17-04-2009 EMENT VOL-02356-01 PP-00011).

No mais, o próprio E. conselho administrativo de recursos fiscais, atualmente, possui regras distintas quanto à aplicação do voto de qualidade à processos administrativos em que se discutem créditos de natureza tributária e créditos de natureza não tributária. De tal forma, o único óbice à aplicação da prescrição intercorrente à processos administrativos em que se discutem créditos de natureza não tributária, como as multas aduaneiras aplicadas em razão do poder de polícia da administração pública Federal encontra-se superado.

Nestes termos, conforme dispõe o § 1º, do art. 1º, da lei 9.873/99, deve ser reconhecida à prescrição intercorrente "no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho (...)".

Lucas Siqueira dos Santos

Lucas Siqueira dos Santos

Advogado tributarista no escritório Bernardi & Schnapp Advogados.

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