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É preciso refundar o país para dar dignidade aos brasileiros

A situação nacional é tamanha gravidade que somente a refundação do país será capaz de transformá-lo após tantas décadas perdidas.

quinta-feira, 17 de março de 2022

Atualizado às 08:59

Viver é melhor que sonhar, cantava Elis Regina, a grande intérprete da MPB. Há verdades na bela composição de Belchior, porém é possível sonhar com uma vida melhor, o que o povo brasileiro merece.

Qual o habitante deste país que não gostaria de ter saúde pública mais digna, com a expansão das unidades do SUS - Sistema único de saúde, melhor remuneração dos médicos e demais profissionais da área, menos filas, atendimento humanizado?

Quem, entre os 213 milhões de brasileiros não ficaria feliz com educação de qualidade, professores com remuneração justa, unidades escolares modernas e confortáveis, sem falta de vagas nas creches, nas pré-escolas e no ensino fundamental, e acesso amplo ao ensino público superior?

É possível imaginar algum descontente se o déficit habitacional de 6 milhões de casas fosse zerado em poucos anos, com a construção de moradias dignas, construídas em locais adequados, servidas por transporte público, redes de água e esgoto, rede wi-fi e energia fotovoltaica, que representaria economia de 10% do valor do salário-mínimo, e subsidiadas em 90% de seu custo?

Qual cidadão não comemoraria o aumento significativo na segurança pública a garantir-lhe tranquilidade quanto ao seu patrimônio e à sua vida e de sua família, por meio de maior controle das fronteiras, da malha fluvial, dos portos e aeroportos, homologados e clandestinos, portas de entrada de armas, munições e drogas?

Quem daqueles que gastam metade de sua jornada de trabalho no transporte coletivo lotado, saindo de casa de madrugada e voltando somente no meio da noite, mal conseguindo ver os filhos acordados, não ficaria feliz com transporte público mais veloz e confortável?

Quais pessoas não gostariam que a cidade onde vivem fosse dotada de 100% de rede de água, coleta e tratamento de esgoto, iluminação pública, coleta de lixo, conservação permanente e equipamentos de esportes e lazer?

Transformar a realidade atual é uma utopia? Faltam recursos para implementação desses benefícios, como costumam alegar os governantes para justificar sua inação? A resposta, nos dois casos, é não. Para expandir em 50% a rede de saúde e aumentar a remuneração dos profissionais da área em 30%, seriam necessários de R$ 60 a R$ 70 bilhões por ano. Transformar a educação e valorizar os professores custaria de R$ 50 a R$ 60 bilhões anualmente. Construir 600 mil unidades habitacionais por ano exigiria recursos anuais de R$ 90 a R$ 100 bilhões. Com investimento de mais R$ 30 a R$ 50 bilhões por ano, seria possível reforçar a segurança pública em nível jamais visto. Outros R$ 20 a R$ 25 bilhões seriam suficientes para dotar as cidades brasileiras da infraestrutura urbana necessária para garantir vida digna à população. A mesma quantia alocada ao transporte público restauraria a dignidade dos que dependem dele para se locomover.

A alocação desses recursos plurianuais somaria, então, cerca de R$ 270 bilhões, ou R$ 330 bilhões se pensarmos em investimentos mais generosos. Nominalmente gigante, essa soma representa apenas de 3,40% a 4,10% do PIB - Produto Interno Bruto anual do Brasil. Se o País conseguir reduzir pela metade a corrupção que consome de 1,30% a 2,35% do PIB anual, alcançará a economia de 0,70% a 1,17% do PIB todo ano. O gigantismo da máquina pública consome hoje cerca de 13,4% a 13,7% do PIB do país, valor este que supera em muito os 9,60% da média desse tipo de despesa dos 37 países que integram a OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, uma simples redução de apenas 50% deste excesso de 3,80% a 4,00% representaria uma economia de 1,90% a 2,00% do PIB.

É factível, ainda, a drástica redução dos gastos tributários, em grande parte ilegítimos, sem observância de prazos e regressividade e que não visam a redução das desigualdades regionais e sociais, ao contrário do que manda a constituição.  Tais gastos correspondem hoje a 4,00% do PIB e sua redução para 1,50% representaria economia anual adicional de 2,50% do PIB. A soma das reduções propostas é suficiente para alcançar o patamar entre 5,10% a 5,65% do PIB economizados, muito superior aos investimentos propostos acima.

Isso prova que o país tem recursos suficientes para a transformação que o Brasil reclama. Fica claro que tais investimentos, embora necessários, não são feitos pela simples razão de que o povo deixou de ser prioridade para a maioria de nossos governantes.

A situação nacional é tamanha gravidade que somente a refundação do país será capaz de transformá-lo após tantas décadas perdidas. Sem isso, o Brasil jamais será novamente o país das oportunidades, nunca reencontrará o caminho do desenvolvimento e seremos brasileiros de classe única somente nos discursos, desmentidos pela doída realidade.

A guinada radical pode ser viabilizada se houver trabalho alicerçado na harmonia dos três poderes da república, com efetiva e indispensável participação do legislativo, aliado a um plano de metas, tudo lastreado na ética, na moralidade e na transparência, com foco na dignidade dos brasileiros, cada dia mais sofridos e desesperançosos.

Para devolver a esperança e a confiança à nação, é preciso também reduzir a sensação de impunidade e reduzir privilégios. Esse caminho passa pela drástica redução do foro por prerrogativa de função - limitando-o aos chefes dos três poderes e excetuando-se os crimes comuns - pelo restabelecimento da prisão após condenação em segunda instância e pela mudança para tornar imprescritíveis os crimes relacionados à corrupção, além do aprimoramento legislativo sobre sinais exteriores de riqueza.

É necessário, ainda, reduzir o número de partidos políticos e os custos das eleições, englobando-se, nesse caso, os fundos partidário e eleitoral, hoje bilionários. Acabar com a reeleição - que somente põe a máquina a serviço de um novo mandato do governante - também é fundamental, aumentando-se o tempo de mandato. E, ainda, o Brasil precisa reavaliar a legislação sobre indicações e aprovações de membros não concursados dos tribunais superiores.

As eleições legislativas de outubro serão importante oportunidade para o povo dar sua colaboração em direção a essa mudança, sinalizando que a casa do povo precisa, efetivamente, defender os interesses do povo e cumprir adequadamente seu papel constitucional.

Viver é melhor que sonhar. Entretanto, é preciso agir para transformar o país e concretizar o sonho de viver uma vida digna num país que pode ser muito melhor do que é.

Samuel Hanan

VIP Samuel Hanan

Engenheiro, com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002).

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