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DIFAL/ICMS: Princípios constitucionais X Vontade arrecadatória dos Estados - qual deve prevalecer?

Pela decisão do Supremo, essa a cobrança do Difal (diferença de alíquota) seguiria intacta até o fim do ano 2021, já que para que a cobrança retornasse em 2022, decidiu o STF que seria necessário a regulamentação por lei complementar.

sexta-feira, 25 de março de 2022

Atualizado às 10:18

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Desde meados de dezembro de 2021, não foram poucas consultas junto ao nosso departamento jurídico sobre qual seria a data oficial e legal que os estados da federação poderiam cobrar o ICMS/DIFAL, relativo às vendas realizadas a consumidores final não contribuintes do ICMS.

As dúvidas surgiram devido ao fato que STF decidiu em 24/2/21 que as unidades da federação não poderiam cobrar diferencial de alíquota (difal) de ICMS a partir de 1º de janeiro de 2022, caso o Congresso Nacional não editasse uma LC sobre a questão ainda em 2021. A decisão ocorreu no julgamento conjunto da Adin 5.469 e do Recurso Extraordinário 128.019.

Pela decisão do Supremo, essa a cobrança do Difal (diferença de alíquota) seguiria intacta até o fim do ano 2021, já que para que a cobrança retornasse em 2022, decidiu o STF que seria necessário a regulamentação por lei complementar.

A lei em questão nasceu junto ao PL complementar 32/21, aprovado no Congresso Nacional no dia 20/12/21, em sessão extraordinária do Senado, a fim de suprir uma lacuna legislativa apontada em julgamento do STF.

Ocorre, porém, que só em 5/1/22 foi publicadaLC 190/221, alterando a Lei Kandir (LC 87/96) para incluir regras gerais sobre o Difal - Diferencial de Alíquota de ICMS, devido em operações interestaduais que destinem bens e serviços a consumidor final.

Em que pese os esforços empreendidos pelos estados para agilizar a tramitação do PLP 32/21, como visto, a LC para suprir a ausência de regras gerais sobre o Difal veio a ser publicada somente em 5/1/22, situação que atraiu, ao nosso ver, o respeito ao princípio da anterioridade anual.

Isto porque, o ICMS se submete simultaneamente aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal (art. 150, III, "b" e "c" da Constituição, respectivamente), os quais estabelecem que lei que implique nova cobrança ou majoração do imposto somente pode produzir efeitos no ano seguinte e após o decurso de 90 dias, tendo como referência a sua publicação.

A situação de ilegalidade prematura da cobrança se agrava quando voltamos as atenções ao princípio da anterioridade nonagesimal, ao passo que embora a LC 190/22 tenha respeitado tal princípio, o CONFAZ, afim de outorgar segurança "ilegítima" aos estados, publicou, em 6/1/22, o convênio 236/21, que revogou os dispositivos do Convênio 93/15 e estabeleceu as diretrizes para o cálculo e recolhimento do DIFAL, seguindo o que foi instituído pela LC 190/22. No entanto, determinou que sua aplicação dar-se-á a partir de 1/1/22, contrariando o estabelecido na referida Lei Complementar, inclusive.

Alguns Estados da Federação, firmados no convênio 236/21, acabaram editando lei estadual ainda no ano de 2021, a maioria dos estados, editaram e publicaram as leis entre o dia 21 a 31/12/21, ou seja, antes mesmo da própria edição da LC 190/22, que com isso, buscavam arrecadar antes mesmo da edição da LC, - situação vedada pela decisão do STF, eis que a Lei Federal era necessária para validar as novas leis que seriam editadas.

Outros estados que sequer editaram a leis estaduais, entendendo que sequer seria necessário nova lei, eis que com a alteração através do convênio 236/21, restou validada a cobrança, - situação diametralmente inversa ao que decidiu o STF. E ainda, alguns estados, somente respeitaram a anterioridade nonagesimal, entendendo que não precisam respeitar a anterioridade anual, conforme prevê o art. 150 da CF/88.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III - cobrar tributos:
(...)
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; 

A título de exemplo, vamos colacionar duas decisões favoráveis, que entenderam que a cobrança somente vale a partir de 1/1/23, sendo do Estado de Roraima e do Distrito Federal:

MS 0802042-74.2022.8.23.0010/RR:
Assim, diante da existência de fundamento relevante, quanto à probabilidade do direito, e risco ao resultado útil do processo, no que concerne à efetividade do provimento judicial, caso seja ao final concedido na forma requerida na exordial, DEFIRO o pedido de concessão de liminar para suspender a exigibilidade de pagamento do Diferencial de Alíquota do ICMS, nos termos requeridos, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário correspondente ao DIFAL exigido pelo Estado de Roraima nas operações que tenham como destinatário consumidor final não contribuinte do ICMS, realizadas no curso do ano-calendário de 2022, em relação à empresa impetrante. Intime-se a autoridade apontada coatora, para ciência e cumprimento, sob pena da imposição de multa coercitiva, sem prejuízo da adoção de outras medidas indutivas necessárias.

MS 0700197-19.2022.8.07.0018/DF:
Isto posto, DEFIRO A LIMINAR para suspender a exigibilidade dos valores relativos ao DIFAL decorrentes de operações de vendas de mercadorias realizadas pela impetrante a consumidores finais não contribuintes do ICMS, situados no DF, durante o exercício de 2.022, até segunda ordem deste juízo.

Vejamos agora duas decisões, onde os magistrados entendem que a cobrança pode ser imediata, inclusive, sem o respeito da anterioridade nonagesimal:

MS 1002422-97.2022.8.26.0053/SP:
A referida lei complementar, a exemplo da lei complementar 114/02 que regulamentou a exigência do ICMS nas importações, não pode ser vista como instituidora da cobrança do DIFAL, mas como aquela que a regulamenta, para que seja instituída a cobrança pelas leis estaduais. Nesse contexto, é de se destacar que a lei paulista 11.001/01, que instituiu a incidência do ICMS nas importações, era anterior à lei complementar 114/02, regulamentadora da matéria, e foi julgada como válida pelo STF no RE 1.221.330/SP (tema 1094 de Repercussão Geral), destacando-se apenas a inexistência de eficácia enquanto existente a lacuna derivada da ausência da lei complementar. Mutatis Mutandi, ao menos a partir da cognição sumária, parece que a norma constante do § 2º do art. 7º da Lei Paulista 6.374/86, acrescentada pela lei 17.470/21, é, a partir do mesmo raciocínio, plenamente válida. De outra parte, como esta lei é de dezembro de 2021 e teve a sua entrada em vigor prevista para noventa dias após a sua publicação, não é possível ver afronta à anterioridade anual ou nonagesimal. Por essas razões, INDEFIRO O PLEITO LIMINAR.

MS 0000212-22.2022.8.16.0004/PR:
Compreende-se que o pedido liminar não comporta acolhimento. Não se olvida o disposto no art. 150, III, alíneas b e c, da Constituição da República e nem o decidido pelo STF - tema 1.093 -, no entanto a cobrança de DIFAL não se trata de criação de imposto novo ou majoração de tributo existente, já que a Lei Complementar 190/22, ao alterar a Lei Kandir, apenas disciplinou a distribuição dos recursos apurados no ICMS quando há movimentação de mercadorias entre dois Estados da Federação distintos e que cobram alíquotas distintas de ICMS. Deste modo, não vislumbro violação ao princípio da anterioridade, pois não antevejo a criação de novo imposto ou a majoração de tributo existente. (...) Ante o exposto, indefiro o pedido liminar.

Por certo, a palavra final, novamente ficará ao STF, qual traçará se os limites constitucionais foram respeitados pelos Estados ou não quando da edição das leis estaduais.

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1 https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-complementar-n-190-de-4-de-janeiro-de-2022-372154932

Juarez Casagrande

Juarez Casagrande

Advogado, escritor, pós-graduado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público de Brasília, pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior pelo Instituto Brasiliense de Direito Público de Brasília, pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Paranaense, pós-graduando em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Belo Horizonte e sócio-diretor do escritório Juarez Casagrande Advogados.

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