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O entendimento do STJ sobre a proibição dos condomínios quanto a utilização do AIRBNB

O REsp 1.819.075/RS trouxe novas diretrizes nos debates sobre o AIRBNB em unidades habitacionais de condomínios.

segunda-feira, 28 de março de 2022

Atualizado às 13:37

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O fortalecimento da propriedade privada é uma das vitórias da Constituição Federal de 1988. De acordo com o inciso XXII do art. 5º: "é garantido o direito de propriedade", ou seja, todo o cidadão brasileiro tem direito sobre sua propriedade, seja esta bem móvel ou imóvel.

O STJ decidiu de forma inédita e a partir do caso concreto exposto, pelo direito do condomínio em definir a possibilidade ou não do condômino inserir o imóvel no AIRBNB.

Ou seja, através de convenção, o condomínio possui poder para definir a destinação das unidades habitacionais, isto é, se serão destinados exclusivamente para habitação ou se poderá realizar a locação via AIRBNB.

Tal decisão é oriunda de lide originária do TJ/RS em que os recorrentes Monica Dutczak e Gyan Celah Dos Santos buscaram reformar decisão de juízo a quo que forçou ambos a absterem-se da utilização de suas unidades habitacionais junto ao AIRBNB.

No debate que se iniciou a partir de 2019, através do REsp n. 1.819.075/RS, os ministros iniciaram a construção de entendimento que resultou em decisão inédita: fora confirmada as decisões proferidas anteriormente, delegando ao condomínio o poder de decidir, através de convenção, a destinação da unidade habitacional relacionado a utilização junto ao aplicativo.

Na discussão que se estruturou, o ministro Raul Araújo conceituou, de forma didática, os aplicativos voltados para este serviço:

"Trata-se de modalidade singela e inovadora de hospedagem de pessoas, sem vínculo entre si, em ambientes físicos de estrutura típica residencial familiar, exercida sem inerente profissionalismo por aquele que atua na produção desse serviço para os interessados, sendo a atividade comumente anunciada por meio de plataformas digitais variadas, tais como Airbnb, Alugue Temporada, Home Away); Vrbo, Booking e outros. As ofertas são feitas por proprietários ou possuidores de imóveis de padrão residencial, dotados de espaços ociosos, aptos ou adaptados para acomodar, com certa privacidade e limitado conforto, o interessado, atendendo, geralmente, à demanda de pessoas menos exigentes, como jovens estudantes ou viajantes, estes por motivação turística ou laboral, atraídos pelos baixos preços cobrados.".

Além da conceituação, o ilustre ministro identificou o contrato firmado através do aplicativo como atípico não se enquadrando nas leis 8.245/91, Lei de Locações, e 11.771/2008. Ou seja, não configura locação por temporada e nem prestação de serviços de hospedagem.

Por locação por temporada na Lei de locações:

"Art. 48. Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.

Parágrafo único. No caso de a locação envolver imóvel mobiliado, constará do contrato, obrigatoriamente, a descrição dos móveis e utensílios que o guarnecem, bem como o estado em que se encontram."

Por prestação de serviços de hospedagem, de acordo com a lei 11.771/2008:

"Art. 21. Consideram-se prestadores de serviços turísticos, para os fins desta lei, as sociedades empresárias, sociedades simples, os empresários individuais e os serviços sociais autônomos que prestem serviços turísticos remunerados e que exerçam as seguintes atividades econômicas relacionadas à cadeia produtiva do turismo: (...) I. meios de hospedagem;"

Portanto, o tipo de relação negocial desenvolvida pelo aplicativo deve ser entendido como forma jurídica nova, distinta da legislação existente. Assim, passível de interpretação a partir do caso concreto exposto.

Quanto aos recorrentes, nos autos, há comprovação de vinculação dos dois imóveis de sua propriedade junto ao AIRBNB, assim como, a transformação da estrutura dos mesmos para a acomodação de mais de um hóspede.

Além deste fator, a alta rotatividade de usuários do aplicativo desencadeou discordância dentre os demais condôminos, atingindo, assim, a boa convivência com os demais.

 Cabe aqui indicar que a restrição indicada na decisão analisada não fere o direito de propriedade protegido pela Carta Magna de 1988, conforme expôs o ministro Antonio Carlos Ferreira:

"Por isso, creio que cabe à convenção de condomínio, estatuto que traduz a vontade da maioria absoluta dos coproprietários, e cujos termos aplicam-se a todos os moradores, indistintamente, disciplinar o uso das unidades condominiais, sem que daí resulte indevida restrição ao direito de propriedade."

Este ponto é importante, visto que, a decisão que restringiu a ação dos proprietários dos imóveis fora baseada em "(...) eventuais abusos ou exageros das normas da convenção (...)" (voto do ministro Antonio Carlos Ferreira).

Neste sentido, o entendimento do Tribunal Superior não incide sobre os demais casos, visto que, não é vinculante.

Neste contexto, é importante indicar trecho do voto da ilustre ministra Maria Isabel Gallotti:

"(...) em se tratando de casas, o proprietário terá liberdade bem mais ampla para destinar o imóvel com propósitos apenas residenciais ou comerciais, terá flexibilidade em relação à entrada e saída dos moradores e ao emprego do imóvel, do que acontece em condomínio, no qual os condôminos são vinculados aos termos da convenção e há questões como a segurança e também as atividades dos servidores do condomínio, que podem ser impactados com o modelo de negócios do Airbnb."

Portanto, verifica-se que a discussão no qual se baseou a lide é a manutenção do entendimento coletivo dos condôminos, através da convenção, e a proteção da segurança e boa convivência entre a vizinhança.

"A forma de utilização do imóvel pretendida pelos recorrentes altera a finalidade residencial do edifício, exigindo relevantes adaptações na estrutura de controle de entrada e saída de pessoas e veículos do prédio, sob pena de ensejar potencial ameaça à segurança e ao sossego de todos.

Apenas para ilustrar e facilitar a compreensão, exemplifica-se: o ingresso equivocado de pessoas, devido a compreensível engano do porteiro pela dificuldade de controle de movimentação de entrada e saída, disponibiliza para aproveitadores oportunidade para arrombamento fácil de apartamentos fechados em razão de viagem  de condômino ou para outras formas de roubo, até mais violentas. Sem falar em outros crimes." (voto ministro Raul Araújo).

Finalmente, conclui-se que o REsp n. 1.819.075/RS não é vinculante, portanto, não afeta todos os casos relacionados a imóveis inseridos no AIRBNB, sendo analisado a partir do caso concreto.

Vitor Hugo Lopes

VIP Vitor Hugo Lopes

Advogado. Pós Graduado em Direito Empresarial e Direito imobiliário . Sócio fundador do Vitor Hugo Lopes Advogados Associados.

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